Magistrados do Ministério Público em risco de burnout
Revista Visão
Rosário Barbosa
Procuradora da República e Presidente da Direcção Regional do Porto do SMMP
Não raras vezes, os magistrados têm de “acumular” as suas funções com trabalho administrativo que caberia a um funcionário, caso existisse
Segundo um estudo de 2023 do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra sobre as condições de trabalho, desgaste profissional e bem-estar, os magistrados do Ministério Público Portugueses trabalham em média cerca de 46 horas semanais, num ritmo bastante elevado, sendo muito frequente o trabalho à noite e aos fins-de-semana.
Na verdade, faltam cerca de 200 magistrados do Ministério Público para o cumprimento mínimo das suas funções. Tal lacuna leva a que, em todas as Comarcas do País, a maioria dos colegas tenha mais serviço distribuído do que seria suposto. Destacamos, entre outros, o caso de Procuradores da República que trabalham em Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) e têm cerca de 1000 (mil!) inquéritos distribuídos, entre os quais, processos urgentes e prioritários. À falta de magistradosjunta-se a gravíssima falta de oficiais de justiça (que já aludimos no nosso artigo de 13.05.2024). Trabalhar nestas condições é estar constantemente sobressaltado, considerando que é humanamente impossível “ter mão” em tantos inquéritos crime.
Note-se que, segundo o citado estudo, cerca de 70% dos magistrados do Ministério Público reconhecem o volume processual como o maior fator de stress e mais de 55% assinalam como muito stressante a falta de oficiais de justiça. Não raras vezes, os magistrados têm de “acumular” as suas funções com trabalho administrativo que caberia a um funcionário, caso existisse.
Não se diga que há mais magistrados do Ministério Público portugueses do que noutros países da Europa. Isto só releva um perfeito desconhecimento das vastíssimas competências do Ministério Público. É que além de exercer a ação penal orientado pelo princípio da legalidade, o Ministério Público patrocina os trabalhadores, defende e promove os direitos e interesses das crianças, jovens, idosos, adultos com capacidade diminuída, bem como de outras pessoas especialmente vulneráveis; defende interesses coletivos e difusos; intenta ações no contencioso administrativo para defesa do interesse público, dos direitos fundamentais e da legalidade administrativa, promove a execução das decisões dos tribunais, fiscaliza a constitucionalidade, intervém em processos de insolvência, entre outras funções consultivas e de defesa da legalidade.
De acordo com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, cerca de 40% dos magistrados revelaram dificuldades em dormir e mais de 70% dos magistrados atingiram já o nível de risco muito elevado para a saúde considerando o stress profissional.
Não obstante, continuam a exercer funções, não se ausentando do serviço, motivados por um espírito de missão e de solidariedade para com os restantes colegas.
Sublinhe-se que inexiste qualquer medida implementada para promoção da segurança e saúde dos magistrados do Ministério Público no trabalho.
É curioso: o Ministério Público exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores, competência estatutária prevista no artigo 4.º, n.º 1, al. h), do Estatuto do Ministério Público, mas nunca viu a sua condição de trabalho defendida. Bem reza o ditado popular, “Em casa de ferreiro, espeto de pau”!
De resto, não há medidas reais de apoio à conciliação entre a vida pessoal/familiar e trabalho. Esta ausência foi destacada, no referido estudo, como muito stressante por mais de 60% dos magistrados. É um facto notório que muitos magistrados adiam projetos familiares em prol da profissão, especialmente, as mulheres. A conciliação de todo o serviço que têm com a maternidade é algo deveras desafiante.
Relembre-se que, especialmente no início da carreira, os magistrados são colocados em comarcas a vários quilómetros das suas famílias, sem qualquer rede de apoio. Trabalham em Tribunais onde chove, há bolor, caem pedaços do teto, não há papel, enfim… sem o mínimo.
São anos de sobrecarga física e emocional que levam à exaustão dos magistrados, os quais apresentam riscos de stresse preocupantes. O Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra concluiu que quase metade dos magistrados se encontra em risco médio-alto e/ou elevado de burnout.
Não obstante este contexto de desafio diário e de sacrifício pessoal, os magistrados do Ministério Público lutam por cumprir o seu trabalho, prestando o melhor serviço possível ao cidadão, motivados pelo orgulho que sempre tiveram nesta profissão que, acima de tudo, é uma forma de vida.
Em ponto diametralmente oposto, todos os dias lemos na comunicação social mentiras, graves, acerca do trabalho dos magistrados. Repudiamos tais comentários.
Preocupemos-nos em dignificar a magistratura do Ministério Público e em dotar os magistrados de mais e melhores meios, em defesa dos cidadão e da Justiça!