SÁBADO, 13-07-2021 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP
Na opinião pública e na comunicação social surgem, por vezes, em especial em relação a processos mediáticos, dúvidas sobre as medidas de coação aplicadas a determinado(s) arguidos(s) e porque são aplicadas determinadas medidas e não outras.
Não estamos no domínio das ciências exatas e é possível e até natural existirem divergências de opinião. Mas, para se perceber porque determinada medida (e não outra) é aplicada é importante que se entenda a finalidade subjacente e os requisitos gerais e particulares que têm que estar verificados de acordo com a lei processual penal.
Só com o conhecimento dos factos em causa e da lei aplicável se poderá fazer um juízo de valor fundamentado sobre a necessidade/validade/
Todas as medidas de coação e garantia patrimonial, com exceção do Termo de Identidade e Residência, são aplicadas, a solicitação do Ministério Público (enquanto Magistratura titular da ação penal) na fase de inquérito, por um Juiz, que desempenha as funções de Juiz de Instrução Criminal.
É o Procurador titular do inquérito, por força dessa posição processual, quem se encontra numa situação privilegiada para avaliar da necessidade de sujeitar determinado arguido a alguma medida de coação ou de garantia patrimonial, em função dos perigos que a lei prevê cumpra acautelar. Mais do que um poder tem um dever de promover a medida de coação legal, necessária, adequada e proporcional.
Determinados requisitos gerais aplicam-se a todas as medidas de coação e garantia patrimonial e outros são pressupostos concretos/específicos para a aplicação de cada uma delas.
Como requisitos gerais temos, para além da existência de processo crime já instaurado e da prévia constituição como arguido do visado, a óbvia existência de indícios da prática do crime e a verificação de um dos perigos enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal: fuga ou perigo de fuga do arguido, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo (nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova) ou perigo de perturbação da ordem e tranquilidades públicas ou de continuação da atividade criminosa.
Além do mais, qualquer destas medidas cautelares deve obedecer aos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade (proporcionalidade à gravidade do crime e sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas).
Existe uma ordenação crescente destas medidas cautelares, a partir do termo de identidade e residência e até à prisão preventiva (sendo crescente também a exigência dos pressupostos específicos de aplicação das medidas), passando pela caução (para a qual basta que o crime imputado seja punível com pena de prisão), obrigação de apresentação periódica, suspensão do exercício de profissão/função/atividade/
Ao arguido é sempre dada a oportunidade de se defender em relação aos factos imputados, indícios que sustentam a imputação e os perigos cautelares.
Nos últimos tempos tem sido objeto de alguma especulação a aplicação da medida de prestação de caução (que pode ser cumulada com outras medidas). Cumpre referir que caução é prestada por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança, nos concretos termos em que o juiz o admitir, considera-se quebrada quando se verificar falta injustificada do arguido a ato processual a que deva comparecer ou incumprimento de obrigações derivadas de medida de coação que lhe tiver sido imposta. Quando quebrada a caução, o seu valor reverte para o Estado.
Uma última nota que gostaria de deixar para reflexão:
O artigo 31.º, n.1, do atual Estatuto do Ministério Público, estabelece que aos “vogais do Conselho Superior do Ministério Público que não sejam magistrados do Ministério Público é aplicável, com as devidas adaptações, o regime de deveres, direitos e garantias destes magistrados”,
Será então legal, normal, ético, razoável, adequado, que alguém que exerce funções como Vogal/Conselheiro no Conselho Superior do Ministério Público (com as funções que este órgão superior do Ministério Público tem) esteja, ao mesmo tempo, a exercer funções como advogado em processos-crime altamente mediatizados, atacando publicamente, em prime time nos jornais nacionais, as posições sufragadas pelo Ministério Público. Não existirá aqui nenhum impedimento como Conselheiro e simultaneamente como Advogado. Serão os interesses (relativos a um cliente) que um Advogado – simultaneamente Conselheiro do CSMP – defende inteiramente compatíveis com a defesa do interesse público que incumbe ao Ministério Público acautelar (e, por maioria de razão, ao seu órgão de cúpula – o CSMP). E, nessa dupla qualidade, poderá pronunciar-se publicamente sobre o teor de processos concretos em investigação (não está sujeito a deveres de reserva quer como Advogado quer como Conselheiro do CSMP). É esta a sociedade civil que se pretende trazer para o seio dos Conselhos Superiores da Magistratura, isto é, aquela que defende no exercício da sua habitual função interesses incompatíveis com aqueles que incubem à Magistratura do Ministério Público.