JUSTIÇA IMPERFEITA
SÁBADO, 17-06-2020 por António Ventinhas

Um Estado de Direito caracteriza-se pelo cumprimento das normas vigentes. Há algumas regras básicas que devem ser observadas em qualquer lugar do Mundo, como, por exemplo, o respeito pelo património alheio, seja ele público ou privado.


Um Estado de Direito caracteriza-se pelo cumprimento das normas vigentes. Há algumas regras básicas que devem ser observadas em qualquer lugar do Mundo, como, por exemplo, o respeito pelo património alheio, seja ele público ou privado. As manifestações contra o racismo não legitimam pilhagens de lojas, destruição de automóveis ou monumentos. Nos Estados Unidos da América muitas das vítimas dos tumultos foram negros que viram as suas lojas serem saqueadas. Em alturas de grande agitação social há sempre desordeiros que se aproveitam da situação em proveito próprio, como se verificou nas manifestações dos coletes amarelos em Paris. Alguns grupos de jovens da periferia da cidade aproveitaram as manifestações para partir as montras das lojas de luxo da capital francesa e daí retirarem o máximo que conseguissem, sem que estivessem minimamente interessados nos protestos. O Estado, através da polícia, tem o dever de garantir a ordem pública, sob pena de se cair no caos, onde prevalece a lei do mais forte e não a Lei. A aplicação de sanções garante a validade das normas e a sua vigência, caso contrário as mesmas deixam de vigorar se não forem respeitadas pela comunidade.

 

PUBA tendência mais recente do protesto anti-racista é o ataque a estátuas de personalidades célebres. Alguns dos acontecimentos relatados denotam uma profunda ignorância. Em Inglaterra foi noticiado que manifestantes quiseram destruir as estátuas de Winston Churchill e Baden Powell.

Churchill teve posições controversas e muito conservadoras em defesa do imperialismo britânico, mas não nos podemos esquecer do seu enorme contributo para a manutenção de uma Europa livre do jugo nazi. Ele foi o rosto da oposição ao regime de Hitler e tudo o que o mesmo personificava. Se Churchill não tivesse liderado o Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial neste momento poderíamos nem sequer ter manifestações anti-racistas porquanto grande parte da população da Europa já teria sido exterminada. Os defensores da liberdade muito devem a este estadista, o que torna mais incompreensível estes actos. Na mesma senda, são igualmente absurdas as tentativas de ataque à estátua de Baden Powell, fundador do escutismo. Os ideais do movimento são completamente opostos a qualquer segregação, antes incentivam a fraternidade entre jovens de todas as cores, credos ou nacionalidades.   

Em Portugal foi vandalizada a estátua do Padre António Vieira. O Senhor Presidente da República considerou este acto como verdadeiramente imbecil. A imbecilidade assume aqui um especial relevo, pois aparentemente quem o fez pretendia inserir-se na contestação contra o racismo. Só quem não conhece a obra do Padre António Vieira em defesa dos direitos humanos é que pode actuar desta forma. O mesmo foi missionário no Brasil e defendeu intransigentemente os povos indígenas da exploração e escravatura, defendendo inclusivamente o fim da escravatura. Para além disso defendeu os judeus e criticou as práticas da inquisição. A acrescer a tudo isto é uma das figuras cimeiras da literatura portuguesa. A sua voz foi sempre incómoda, mas amigos e adversários sempre lhe reconheceram o brilhantismo argumentativo pelo qual é recordado até hoje.

A ignorância e o racismo andam muitas vezes interligados. O racismo e a intolerância assentam muitas das vezes no desconhecimento do outro e em estereótipos. A melhor forma de os combater passa por aproximar as pessoas e assim cada um poder verificar que afinal não somos assim tão diferentes. Ao nível do associativismo judiciário, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público tem excelentes relações com os colegas de Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde que pretendemos intensificar cada vez mais e se possível estender a outros países de África. Em conferências internacionais em que temos estado juntos foi fácil verificar que fruto da língua, História e cultura comuns, temos muito mais afinidade com eles do que com outros procuradores que vivem na Europa.     

 

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