BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 02-01-2023
por Adão Carvalho, Presidente do SMMP
Uma das atribuições estatutárias do Ministério Público é a representação do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.
Tal decorre igualmente da Constituição que atribui ao Ministério Público a competência para representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar.
Essa competência para, no domínio do contencioso cível ou administrativo, representar em juízo o “Estado-Administração”, na defesa dos seus interesses patrimoniais, que lhe é atribuída pela Constituição, pelo EMP e pelo Código de Procedimento Administrativo, tem necessariamente de ser encarada em harmonia e consonância com o estatuto constitucional do Ministério Público, enquanto magistratura autónoma e proeminentemente comprometida com a defesa da legalidade democrática.
Ora, o CPTA foi alterado em 2019, passando a prever, por um lado, a representação do Estado pelo Ministério Público como uma mera possibilidade e, por outro, que nas ações administrativas em que seja demandado o Estado a citação deste é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo.
Com esta alteração a intervenção principal do Ministério Público em representação do Estado, enquanto decorrência de uma competência constitucionalmente atribuída, passou a depender não de uma lei, mas única e exclusivamente de um serviço central da administração direta do Estado (CCJE), que designa ou não o Ministério Público conforme lhe aprouver, sem sujeição a qualquer critério legal estabelecido e podendo, em última análise, nunca o designar, derrogando por via da decisão de um serviço administrativo uma competência constitucional.
O Ministério Público representará o Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais, se e apenas se for essa a escolha do Executivo.
Para além disso, nas situações em que designar o Ministério Público para a representação do Estado também tem o poder de coordenar a sua atuação em juízo.
O Ministério Público passou, assim, a estar na dependência funcional de um serviço central da administração direta do Estado e a conduzir a sua atuação, em juízo, em obediência aos comandos deste, com claro detrimento do seu arquétipo constitucional enquanto magistratura autónoma, competente e responsável.
O Tribunal Constitucional veio, em recente Acórdão, de 21 de dezembro de 2022, julgar inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 219.º da Constituição, a norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do Código de Processos nos Tribunais Administrativos (aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro), segundo a qual, nos tribunais administrativos, quando seja demandado o Estado ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a representação do Estado pelo Ministério Público é uma possibilidade, sendo a citação dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo.
Esta decisão assume especial relevância na medida em que afirma a natureza de magistratura autónoma do Ministério Público e o seu comprometimento com a legalidade, mesmo quando é chamado a representar os interesses patrimoniais do Estado, não podendo receber ordens do poder executivo ou de qualquer serviço que o integre.