O Dia da Criança

28/05/2024

Revista Visão
Miguel Figueiredo Rodrigues
Docente de Direito Penal e Processual Penal no Centro de Estudos Judiciários

Condenar um jovem e depois mandá-lo para casa, à espera que tenha vaga faz recordar, mas pelos piores motivos, o texto interpretado por Raul Solnado que chegou à guerra e ela estava fechada

o próximo sábado, dia 1 de junho, é celebrado o Dia da Criança. É aguardado com alegria por todos quantos têm no seu coração a alegria e a esperança de um presente e futuro com afeto, amor, compreensão, alimentação adequada, proteção contra a exploração, numa sociedade em paz e fraternidade.

Desde 21 de outubro de 1990 que está em vigor na ordem jurídica portuguesa a Convenção dos Direitos da Criança, cujo artigo 1.º reproduzo: “Criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.”

Na ordem jurídica portuguesa, por força do artigo 130.º do Código Civil, só aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos. E só a partir dessa idade pode eleger ou ser eleito. Mas se alguém cometer um crime, basta ter dezasseis anos para se considerar que deve ser julgado em tribunal comum como se adulto fosse, não obstante, por força da Convenção, dever ser considerado criança.

A transição para a vida adulta não é isenta de engulhos e ansiedades, exigindo não só funções cognitivas, de deliberação e pensamento lógico, mas igualmente capacidade de autocontrole e de capacidade de controlar determinados impulsos num corpo que ainda está em formação.

Se consultarmos a legislação penal dos nossos vizinhos espanhóis, dispõe o seu artigo 19.º do Código Penal que “os menores de dezoitos anos não serão responsáveis criminalmente”. O que, evidencie-se, está plenamente de acordo com a Convenção.

E por isso mesmo deveria merecer por parte de todos nós, mas sobretudo de quem tem a responsabilidade política e representativa, uma séria reflexão e debate no sentido de se ponderar alterações na nossa legislação penal para fazer coincidir a imputabilidade penal com a maioridade civil e política, ou seja, apenas quando se atinge 18 anos.

Haverá alguns que defendem que tal seria o descalabro e era importante reforçar a educação pelo chicote num momento de crise de instituições. Haverá ainda muitos leitores de bem que, de forma pertinente, recordam de muitas crianças e jovens cometem eventos que são qualificados pela lei penal como crime, devendo a sociedade saber responder adequadamente. E com razão o fazem, porque se verifica um aumento na instrumentalização por adultos de crianças e jovens como correios de droga, recebimento de valores ou vigilância da polícia. E outras há que cometem furtos, atacam colegas ou cometem outros crimes mais graves.

Porém, quando se indaga das condições sociofamiliares, deparamo-nos com crianças e jovens em perigo, em estruturas familiares desorganizadas, carências económicas ou incapacidade na sua gestão, ausência de amor e supervisão parental, entregues a si e as seus pares, sujeitas a todo o tipo de abuso, sem alimentação certa ou local para dormir, que se renderam a promessas de pertencer a um grupo, a ter roupa nova ou simplesmente a alguém cuidar delas.

Para todas essas situações, já existe em Portugal a solução legal: “educação para o direito”. Através de Tribunais de Famílias e Menores, em articulação com a sociedade, serviços de reinserção social e múltiplas instituições, com célere comunicação e atempada e oportuna intervenção. Nos casos mais graves, está previsto a possibilidade de uma medida tutelar de internamento em centro educativo em regime fechado o qual, não sendo uma prisão, por ser um estabelecimento destinado ao ensino, limita a liberdade de quem aí se encontra por força de decisão de um tribunal.

Por isso mesmo, haverá que assegurar que existam centros educativos em Portugal com capacidade para que uma tal medida tutelar educativa seja aplicada com a maior brevidade possível. Porque condenar um jovem e depois mandá-lo para casa, à espera que tenha vaga faz recordar, mas pelos piores motivos, o texto interpretado por Raul Solnado que chegou à guerra e ela estava fechada. Tal seria o descalabro do sistema, transmitindo uma mensagem de impunidade e irresponsabilidade total, com graves consequências futuras. Espera-se que sejam apenas rumores sem substância. É que o tempo de uma criança e um jovem não é o mesmo de um adulto.

Em conclusão, celebre o Dia da Criança com afetividade, alegria e esperança. E contribua para uma sociedade mais justo e com futuro para as nossas crianças e jovens.

Share This