O “fechamento corporativo”
Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
É usado para transmitir a ideia de que os seus profissionais e instituições não estão abertos à mudança, juntamente com a ideia de que o sistema de justiça opera sem controle, para concluírem que é necessário que a classe política intervenha para colocar ordem e reformar a justiça, mesmo que isso vá contra os compromissos europeus.
Este é o novo chavão frequentemente utilizado por alguns dos críticos mais recentes do sistema de justiça, em especial do Ministério Público. O termo pode referir-se a diferentes contextos.
No contexto sociológico, é uma estratégia de monopolização profissional, em que grupos procuram obter privilégios exclusivos, excluindo outros profissionais, como é discutido em debates sobre associativismo inclusivo versus fechamento corporativo.
Atualmente, é usado para transmitir a ideia de que o sistema de justiça é corporativo e que seus profissionais e instituições não estão abertos à mudança. Esta é uma das premissas adotadas por alguns, juntamente com a ideia de que o sistema de justiça opera sem controle, para concluírem que é necessário que a classe política intervenha para colocar ordem e reformar a justiça, mesmo que isso vá contra os compromissos europeus a que Portugal está vinculado e contra a vontade daqueles que estão dentro do sistema de justiça. Ora, antes de mais, é preciso saber de que mudança estamos a falar.
E, quando essa mudança é proposta por pessoas que representam interesses opostos aos que o Ministério Público defende (interesse público) ou por indivíduos que foram ou são alvo de processos criminais (ou seus familiares, amigos ou colegas próximos) e têm sua visão da justiça moldada por esses mesmos processos, é compreensível que a vontade de “mudar” cause alguma estranheza e desconfiança.Não é de se esperar que aqueles que são visados por processos criminais sejam capazes de fazer uma análise imparcial e distanciada do funcionamento do sistema de justiça, nem isso lhes pode ser exigido.
Contudo, também não é razoável que essas mesmas pessoas se apresentem publicamente com uma capa de imparcialidade e desinteresse ao fazer comentários públicos. Mas, voltando ao denominado “fechamento”, é evidente que mudanças que comprometam a independência do funcionamento do sistema de justiça ou a separação de poderes em um Estado de Direito Democrático, que impliquem diminuição das garantias de que os tribunais e o Ministério Público possam cumprir seu papel de fiscalização da atuação de outros poderes, só podem (e devem) encontrar resistência por parte dos magistrados e das instituições do sistema de justiça. O contrário é que seria estranho e um sinal muito preocupante. E quanto a mudanças?
Dentro do sistema de justiça, os magistrados, suas instituições e sindicatos vêm apontando as deficiências, problemas e entraves que causam atrasos e ineficiências (alguns, como o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, há pelo menos 10 anos), pedindo por mudanças que tragam os recursos humanos, materiais e tecnológicos necessários. São necessárias mudanças para alcançar maior celeridade e eficiência.
A falta de magistrados e de oficiais de justiça, que vem se agravando ano após ano, tem sido objeto de denúncias em discursos oficiais e informais, bem como de pedidos de intervenção em reuniões com a classe política (grupos parlamentares, Ministério da Justiça, etc.).
O mesmo se aplica aos recursos materiais e tecnológicos, apesar de alguns insistirem em ver “diamantes” onde há apenas “ferro-velho”. Os problemas criados pela falta de autonomia financeira do Ministério Público, que o coloca na dependência dos recursos que outros decidem (ou não) alocar-lhe para o cumprimento de sua função, continuam sem qualquer alteração.
Sim, são necessárias mudanças. Mudanças que mês após mês, ano após ano, governo após governo, ministério após ministério e parlamento após parlamento vêm sendo pedidas institucionalmente e em termos associativos/sindicais. Mas não aquelas que alguns preconizam e que não visam colocar o sistema de justiça a funcionar com celeridade e eficácia, mantendo sua independência, respeitando a separação de poderes e as orientações europeias nesta matéria.