O Grande Conspirador e o lado “negro” da força

13/06/2024

Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

É necessário que a classe política e a sociedade tenham a exata percepção da realidade e das dificuldades de quem diariamente faz da sua profissão a justiça e a defesa, através dela, do interesse público e do estado de direito democrático, não indo atrás de teorias da conspiração e fantasias mais próprias da “Guerra das Estrelas”.

Alguns dos subscritores do manifesto que pretende forçar reformas da justiça contra quem nela trabalha e a reboque de dois processos desdobraram-se, nos últimos dias, no desenvolvimento das suas teorias da conspiração a propósito do denominado processo das gémeas.

Para eles não interessa a realidade, quem determina ou não a realização de determinada diligência de recolha de prova, quem é visado nessa diligência, quem define a data da sua realização e a operacionaliza, porque tudo se resume a uma coisa “a conspiração do Ministério Público” contra a política e, para eles, tudo o que interfira de alguma maneira com a política só pode ter por trás intenções malévolas ou diabólicas, transformando o Ministério Público numa espécie de lado negro da força, bem como todos aqueles que discordam da sua visão do mundo e da justiça, sejam eles jornalistas, comentadores ou elementos ligados ao sindicalismo ou associativismo judiciário, em seus acólitos.

Apresentam uma visão da justiça em que eles são uma espécie de “cavaleiros jedi”, representantes do lado bom da força, que com pureza ideológica e isenção apenas se preocupam com o bem-estar comum e em combater, numa verdadeira cruzada, esse lado negro da justiça/sociedade que é o Ministério Público.

Gostam de fazer uma espécie de “caldeirada” em que misturam o novo chavão do “justicialismo” com parte da imprensa e com o SMMP, elementos que misturam na sua teoria da conspiração e na sua visão redutivista do estado de direito.

Ora, nem o mundo é preto e branco, nem eles são os “cavaleiros jedi” apenas preocupados com o bem comum e a sociedade (ou parte dela). Na verdade, uma boa parte destes “cavaleiros jedi” nem conhecem a realidade de que tão abundantemente gostam de falar.

E, é pena que não conheçam ou não se pronunciem sobre os reais problemas da justiça e as reformas necessárias e aproveitem todas as oportunidades para transmitirem a sua percepção, distorcida por preconceitos enraizados, sobre a justiça e o Ministério Público em particular.

Aliás, para quem transmite a ideia de que o Ministério Público nunca obtém condenações por crimes de corrupção contra titulares de cargos públicos esta semana trouxe algo de novo, mas certamente estavam desatentos, mais preocupados em alimentar as teorias da conspiração.

Um dos subscritores do famoso manifesto dos 50 + qualquer coisa, escreveu um artigo no público em que diz que vislumbra no processo das gémeas uma demonstração de poder político por parte do Ministério Público, falando de deriva populista e “fantochada”, bem como que o Ministério Público “abocanha” o caso.

Ora, será que esta personalidade/comentador ignora que o Ministério Público está, na sua atuação, obrigado a investigar todos os factos que lhe sejam denunciados que possam consubstanciar crime e a realizar todas as diligências de recolha de prova que lhe permitam, no final da inquérito, proferir um despacho final, seja ele de arquivamento ou acusação. Será que ignora a existência de um dos princípios basilares do nosso processo penal que é o da legalidade.

Ou, será que prefere continuar a alimentar teorias da conspiração vislumbrando o lado negro da força em tudo o que o Ministério Publico faz?

Por sua vez, outro dos mais “famosos” subscritores do mesmo manifesto, na senda do que lhe é habitual, desdobrando-se em entrevistas na SIC e CNN, disse que o Ministério Público faz o que lhe apetece e que ninguém o escrutina. Não se preocupa este em saber quem determina ou não a realização de determinada diligência de busca, o seu “timing” e quem é visado. É mais fácil atacar esse lado negro da força que é o Ministério Público do que procurar saber a verdade e não “desinformar” os cidadãos.

É necessário que a classe política e a sociedade tenham a exata percepção da realidade e das dificuldades de quem diariamente faz da sua profissão a justiça e a defesa, através dela, do interesse público e do estado de direito democrático, não indo atrás de teorias da conspiração e fantasias mais próprias da “Guerra das Estrelas”.

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