O Ministério Público antes e depois do 25 de Abril

Jornal Público
Paulo Lona
Presidente eleito Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
Alguns desejam voltar atrás no tempo a um Ministério Público com um desenho autocrático, sem investigação independente, sem autonomia ou com uma autonomia mitigada (uma espécie de autonomia QB que permita um controlo político das investigações delicadas)
A magistratura do Ministério Público, moderna e democrática, nasceu do 25 de abril em Portugal.
Foi com o regime democrático, saído da revolução de abril de 1974, que foi criada em Portugal a Magistratura do Ministério Público. Como referiu Souto Moura, Ex-Procurador-Geral da República, “Foi com a restauração da democracia que verdadeiramente se criou entre nós a magistratura do Ministério Público. A partir de uma dupla emancipação: de um lado, a separação da magistratura judicial; do outro, a autonomia em relação ao Governo”.
Foi a 14 de maio de 1974 (Lei n.º 3/74) que foi devolvida aos tribunais a denominação de «poder judicial» e a 12 de junho de 1974 é publicado o decreto-lei n.º 251/74, que põe termo ao impedimento do acesso das mulheres à magistratura do Ministério Público.
Existe uma ligação umbilical entre as conquistas de abril e o desenho constitucional e legal da magistratura do Ministério Público.
Após a Revolução dos Cravos em 25 de abril de 1974, que pôs fim ao regime autoritário do Estado Novo e estabeleceu a democracia em Portugal, houve uma reforma significativa no sistema judicial, incluindo o Ministério Público.
Essas reformas visaram fortalecer a independência, a autonomia e a imparcialidade do Ministério Público como parte essencial do sistema de justiça democrático do país.
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público teve um papel fundamental nesse período histórico e na construção de um Ministério Público democrático e moderno.
O Ministério Público, nos anos que se seguiram ao 25 de abril, consolidou-se como magistratura, titular da ação penal e com relevantes funções sociais (na defesa dos menores, maiores com incapacidades, trabalhadores, proteção do ambiente e dos consumidores), assumiu-se e identificou-se, nas palavras de Rodrigues Maximiano, “como magistratura fortemente dinâmica e interveniente, altamente profissionalizada, fiscalizadora e intransigente na defesa da legalidade democrática e dos valores comunitários”.
O Ministério Público durante o Estado Novo estava subordinado ao poder executivo, o que significava que suas ações e decisões estavam sujeitas a interferências políticas. Isso resultava em uma falta de independência na condução de investigações e no exercício da ação penal.
As nomeações de procuradores e a gestão do Ministério Público eram controladas pelo governo, o que limitava a sua capacidade de atuar de forma imparcial e livre de influências externas.
Era caracterizado por uma estrutura que refletia o regime ditatorial do Estado Novo, não possuía a independência e autonomia que são características fundamentais das instituições democráticas atuais.
Além disso, o Ministério Público não tinha uma estrutura organizacional que garantisse a sua autonomia funcional e administrativa. Não havia uma separação clara entre o poder político e o poder judicial, o que comprometia a imparcialidade e a objetividade nas investigações e a atuação do Ministério Público.
O Ministério Público, antes do 25 de abril, não era autónomo, estava na dependência do Ministério da Justiça, a sua carreira era vestibular da judicial e existia ingerência indiscriminada dos órgãos superiores no funcionamento do Ministério Público.
Atualmente, nos 50 anos de abril, por infeliz coincidência, no mundo da política e do comentário mediático, alguns desejam voltar atrás no tempo a um Ministério Público com um desenho autocrático, sem investigação independente, sem autonomia ou com uma autonomia mitigada (uma espécie de autonomia QB que permita um controlo político das investigações delicadas).
Estes não estão preocupados com o funcionamento eficaz, rigoroso e célere da justiça, não lhes interessa o trabalho dedicado diário dos magistrados do Ministério Público, as suas relevantes funções sociais, as suas insuficiências e dificuldades, mas apenas alguns poucos processos.
Citando aqui as palavras de Miguel Esteves Cardoso, escritas no dia 22 deste mês neste mesmo Jornal, “Quando ouço dizer mal do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da República ou dos magistrados, defendo-os.
Se estamos a comemorar a liberdade e o 25 de Abril, devemos agradecer a quem, de facto e de jure, no dia-a-dia de todos os anos, defendeu essa liberdade dos ataques e das defesas mais bem financiadas e orquestradas”.
A defesa da democracia é inequivocamente uma conquista de Abril. Bem como é o compromisso do Ministério Público. Sempre!