BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 14-06-2022
por Adão Carvalho, Secretário-Geral do SMMP

Não se pode colocar numa mesma tômbola magistrados que eram de categorias diferentes, com inspeções irregulares, sem obediência a um critério uniforme de seleção dos inspecionandos, diferenciadas em função da categoria que detinham, e esperar que daí possa resultar uma ordenação aceitável e congruente


O procedimento do movimento anual de magistrados do Ministério Público está em curso, sendo através dele que muitos magistrados conhecerão o seu lugar de exercício de funções a partir de 1 de setembro.

Este é o segundo movimento após a entrada em vigor do novo Estatuto do Ministério Público e as alterações efetuadas na carreira do Ministério Público apenas vieram trazer instabilidade, angústia e desilusão a uma magistratura que já se deparava com uma insuficiência de quadros e que agora se depara com um conjunto de inovações cuja aplicação prática é geradora de profundas iniquidades e insuficiências.

Veja-se que antes deste novo Estatuto existiam duas categorias na primeira instância (procuradores-adjuntos e procuradores da República), o que permitiria de forma estruturada e previsível determinar a forma de acesso aos juízos centrais, a determinados departamentos especializados ou a funções de direção, por estar reservado aos magistrados do Ministério Público da categoria mais elevada, com mais experiência, e ao mesmo tempo evitava, como aconteceu no movimento passado, que alguns desses lugares ficassem sem candidatos com os requisitos de experiência e mérito necessários para o efeito.

A unificação das duas categorias e a alteração da forma de aferição do mérito é geradora, na sua aplicação, de situações de evidente perversidade e injustiça, fomentadores de um clima de descontentamento generalizado, de desânimo, de clivagem intergeracional, sem que seja possível com as regras impostas encontrar um equilíbrio que permita garantir uma justiça relativa.

Não se pode colocar numa mesma tômbola magistrados que eram de categorias diferentes, com inspeções irregulares, sem obediência a um critério uniforme de seleção dos inspecionandos, diferenciadas em função da categoria que detinham, e esperar que daí possa resultar uma ordenação aceitável e congruente.

A outra grave consequência do novo Estatuto reside na sobrevalorização das funções exercidas em comissões internas ou externas ou em cargos de assessoria em detrimento do trabalho que é desenvolvido nos processos, para o acesso à categoria de procurador-geral adjunto ou para cargos de direção.

A atividade nobre dos magistrados do Ministério Público é aquela que se desenvolve nas diversas áreas de intervenção desta magistratura, isto é, no trabalho direto nos processos, cumprindo as funções que constitucional e legalmente estão confiadas ao Ministério Público.

O acesso a tais lugares com base em pontos e mais pontinhos, obtidos em lugares acessórios da atividade do Ministério Público, transmite uma mensagem aos novos magistrados que o importante é o acessório em detrimento da qualidade e empenho no essencial.

O novo Estatuto do Ministério Público e os problemas dele decorrentes são o legado medíocre deixado pela anterior Ministra da Justiça, que conhecendo bem o Ministério Público e as suas particularidades, não poderia ignorar as consequências nefastas da implementação do modelo de carreira que impôs.

Share This