JUSTIÇA IMPERFEITA
SÁBADO, 09-01-2019 por António Ventinhas

No dia 1 de Setembro de 2016, Sua Excelência o Presidente da República, na cerimónia oficial de abertura do ano judicial, apelou a que os parceiros judiciários criassem plataformas de entendimento que abrissem posteriormente o caminho a um Pacto de Justiça entre os partidos políticos. 


Durante cerca de um ano o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e o Sindicato dos Funcionários Judiciais debateram e trabalharam vários temas. 
 
O acesso ao Direito, a organização judiciária, a Justiça económica e o combate à criminalidade económico-financeira foram alvo de profunda reflexão em várias reuniões. 
 
Em Janeiro de 2018, durante dois dias, as associações mencionadas reuniram-se em Troia para a discussão e votação final das propostas. 
 
Somente foram aprovadas as medidas que mereceram o acordo de todos os parceiros. 
 
Como é evidente, a aprovação por unanimidade é muito mais difícil de alcançar do que através de uma maioria de votos. Ainda assim foi possível obter o consenso em 88 medidas. 
 
Tratou-se de um marco histórico em que cinco parceiros da Justiça se conseguiram entender num conjunto muito alargado de medidas. 
 
Tal desiderato só foi possível devido ao impulso decisivo do Senhor Presidente da República e ao entendimento e bom relacionamento entre as direcções das associações. 
 
No final da cimeira de Troia manifestei o meu desapontamento por não se ter chegado a consenso nas medidas para combater a corrupção. 
 
Esta semana o Senhor Presidente da República lançou um novo repto aos parceiros da Justiça, ou seja, criarem uma nova plataforma de entendimento para definirem medidas de combate à criminalidade económico-financeira, mas também atacar a morosidade dos megaprocessos a ela associados. 
 
Num momento em que o Governo irá lançar um grupo de trabalho para apresentar propostas nesta área, posso dizer que a proposta do Senhor Presidente não poderia ter sido mais oportuna. 
 
Sindicato dos Magistrados do Ministério Público está disponível, como sempre esteve, para efectuar propostas para melhorar o combate à corrupção em Portugal e discutir as mesmas com os seus parceiros. 
 
Estamos igualmente disponíveis para tentarmos obter consensos nesta área e apresentarmos medidas conjuntas ao Governo e ao mais alto Magistrado da Nação. 
 
Sabemos que a tarefa não é fácil, mas face à sua importância a mesma não pode deixar de ser empreendida. 
 
Como foi referido na cerimónia de abertura do ano judicial, os portugueses não podem ficar à espera da Justiça divina porquanto a terrena nunca mais chega. 
 
Como referiu Albert Einstein “a definição de insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes”. 
 
Se queremos que algo mude na Justiça portuguesa não podemos continuar a ter as mesmas leis e os mesmos recursos humanos e técnicos. 
 
É frequente algumas pessoas defenderem a mudança no geral, mas rejeitarem em concreto qualquer alteração legislativa. 
 
Há uns anos atrás discutiu-se a possibilidade das declarações do arguido prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido poderem ser valoradas em audiência de julgamento, caso o arguido se recusasse a falar. 
 
Esta medida surgiu como reacção a várias situações em que arguidos confessaram a prática de homicídios numa fase inicial e, como se calaram em julgamento, acabaram por ser absolvidos. 
 
Nessa altura houve quem dissesse que esta medida representava o regresso ao Estado Novo e que seria o fim do Estado de Direito Democrático. 
 
Passados alguns anos depois do Código de Processo Penal ter sido alterado nesse sentido, os receios existentes desapareceram e hoje em dia esta matéria já não se discute. 
 
Há que começar a dar passos para melhorar o nosso sistema penal, pois, se nada fizermos, não poderemos esperar resultados diferentes dos actuais. 

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