O papel dos sujeitos processuais e o Estado de Direito

Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
As críticas direcionadas ao poder judiciário nesses países invariavelmente incluem alegações de que as decisões em casos específicos são motivadas por interesses políticos, em vez de serem baseadas estritamente na lei e na justiça.
Nos dias 25 e 26 de outubro, no auditório da Associação Nacional das Farmácias, em Lisboa, decorreu uma importante conferência subordinada ao tema “Processo Penal. O papel dos sujeitos processuais e o Estado de Direito”, organizada em conjunto pela Associação Sindical de Juízes, Ordem dos Advogados, Sindicato dos Funcionários Judiciais e Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Nesta conferência debateu-se o papel das profissões do mundo do judiciário – Magistrados Judiciais, Magistrados do Ministério Público, Advogados e Funcionários de Justiça – e a sua relevância no funcionamento do sistema de justiça e, por essa via, no nosso Estado de Direito, em quatro painéis, cada um dedicado a um dos sujeitos (o próprio Código de Processo Penal, na Parte I, Livro I, nos diz dos sujeitos do processo).
Todos estes painéis, com excelentes oradores, permitiram aprofundar temas da atualidade no processo penal, compreender os problemas na sua real dimensão e antever soluções, produzindo ainda debates bastante participados (os prazos de inquérito e instrução, as detenções, as interceções telefónicas, os interrogatórios judiciais, recursos, abuso de direito, os sistemas informáticos utilizados, a jurisprudência do tribunal europeu dos direitos humanos, o acesso ao direito e as funções que devem caber ao funcionário judicial num futuro estatuto).
O último painel, por sua vez, mostrou-nos o que se passa com o Estado de Direito nos países em que a independência do judiciário é alvo de ataques e tentativas de controle político. O que passa e passou na Turquia, Polónia e Itália, com testemunhos, que a todos os presentes impressionaram, daqueles que viveram esses ataques ao judiciário (e ainda vivem).
As críticas direcionadas ao poder judiciário nesses países invariavelmente incluem alegações de que as decisões em casos específicos são motivadas por interesses políticos, em vez de serem baseadas estritamente na lei e na justiça.
Esta conferência evidenciou o diálogo efetivo entre as diversas organizações que representam as profissões do sistema de justiça e permitiu uma reflexão sobre o papel, num contexto de cidadania cada vez mais exigente, de cada profissional.
O sistema de justiça enfrenta o desafio de se adaptar ao dinamismo social e às novas realidades da era digital. Neste cenário, a inteligência artificial, ainda nos seus primeiros passos, irá impactar profundamente o trabalho de todos os que integram o sistema de justiça.
Apesar do diálogo efetivo existente entre organizações do sistema de justiça, é premente, como tive oportunidade de referir na conferência, incrementar o diálogo e a capacidade de cada interveniente no sistema de justiça se colocar na “veste” do outro, isto é, compreender, no quadro do sistema de justiça, o papel de cada uma das profissões, nas suas funções, especificidades, exigências e limitações. Essa compreensão facilita o respeito institucional e pessoal.
Muitas vezes, o diálogo entre as profissões jurídicas é prejudicado porque o debate se concentra em ataques pessoais e institucionais, em vez de se focar nos factos e direito de um determinado processo. Quando um agente da justiça tenta desacreditar outro, seja ele magistrado, advogado ou oficial de justiça, isso inevitavelmente afeta a credibilidade do próprio sistema de justiça.
Espero que esta conferência entre profissionais da justiça, com pensamento crítico sobre a respetiva atuação, tenha servido para aumentar a confiança mútua e, por essa via, a confiança no sistema de justiça.
Uma nota sobre o investimento realizado no nosso sistema de justiça.
Um estudo comparativo recente, com o título “Quanto é que a Europa gasta com a Justiça”, concluiu que a justiça está longe de ser uma prioridade, em comparação com o investimento no resto do setor público.
As estatísticas da Comissão para a Eficiência da Justiça do Conselho da Europa mostram a percentagem do produto interno bruto (PIB) que cada país gasta com a justiça.
Portugal ocupa no ranking um modesto 24.º lugar, com 0,28% do PIB.
O papel do poder político é crucial para garantir o bom funcionamento do sistema de justiça, sendo necessário um investimento sério em recursos humanos, materiais e tecnológicos.
Não existem milagres que permitam aumentar a celeridade e eficácia do sistema sem um investimento sério na justiça.
É imperativo, além do mais, tornar realmente atrativas as carreiras das magistraturas e dos oficiais de justiça, bem como remunerar condignamente os advogados que exercem um papel fundamental no âmbito do sistema de patrocínio judiciário oficioso.