BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 27-04-2020 por Adão Carvalho, Secretário-Geral do SMMP

Torna-se ainda imperioso reequacionar os espaços nos Tribunais
 

As mais recentes imagens sobre julgamentos reportam-nos para um aspeto cénico muito diverso daquele a que estávamos habituados, juízes, procuradores, advogados, funcionários, todos com viseiras e/ou máscaras de proteção.

Essa realidade não se vai quedar pelo tempo já decorrido desde que os casos de coronavírus em Portugal começaram a ser conhecidos, mas tudo indica terá de se manter ainda por largos meses.

É a altura de adaptarmos os quadros de funcionamento habituais dos Tribunais às novas exigências.

A normalidade de funcionamento dos Tribunais, com centenas de diligências diárias por todo o país, com o habitual aglomerado de advogados, intervenientes processuais e demais utentes da justiça, concentrados nos átrios ou nos corredores à espera de diligências ou para tratar dos mais variados assuntos, como o atendimento ao público nas áreas do trabalho, da família e menores, do maior acompanhado, etc., não poderá ser retomada nos próximos tempos.

Na verdade, mesmo que não seja prorrogado o Estado de Emergência, enquanto não for descoberta, testada e aplicada uma vacina adequada a proteger a generalidade das pessoas, a expectativa de regressar à normalidade vai ter de ser sempre temperada por medidas de restrição, de contenção e de prevenção que não podem ser eliminadas por completo.

Isso implica que a realização de diligências presencias nos Tribunais deverá ficar limitada aos processos urgentes, não só por necessidade de proteção dos magistrados ou funcionários, mas essencialmente pela necessidade de proteção dos advogados, intervenientes processuais, polícias, peritos, solicitadores, evitando que tenham de se deslocar ao edifício do Tribunal, muitas vezes usando transportes público, e dessa forma potenciar de forma relevante a disseminação do vírus.

Da mesma forma deverão as diversas estruturas de gestão dos magistrados e funcionários reorganizar o serviço de forma a potenciar o teletrabalho e permitir a compatibilização do exercício das suas funções com a necessidade de ficarem em casa com os filhos, cujas atividades letivas presenciais foram suspensas, e proteger os que pela idade mais avançada ou por sofrerem de patologia anterior estão mais vulneráveis a consequências gravosas decorrentes de uma infeção por Covid-19.

O recurso a meios de realização de diligências à distância deverão ser, implementados e reforçados, embora cientes que tais meios serão de difícil exequibilidade prática numa grande maioria das situações.

Torna-se ainda imperioso reequacionar os espaços nos Tribunais. Desde as salas de audiência às secções e todos os espaços que impliquem o contacto presencial com os utentes da justiça, os quais deverão cumprir todas as exigências de segurança e proteção exigidas pela DGS para qualquer serviço que importe o contato direto com pessoas.

O mesmo se diga quanto aos espaços onde as pessoas aguardam pelas diligências que devem permitir o afastamento mínimo recomendado entre as pessoas e cujo percurso no interior dos edifícios deverá estar devidamente sinalizado, evitando-se dentro do possível a concentração no mesmo horário de várias diligências.

Para além dos equipamentos de proteção de magistrados e funcionários que têm vindo a ser distribuídos pelo MJ, essencialmente viseiras, é importante que os Tribunais disponham de máscaras e viseiras para serem usados pelos utentes dos Tribunais que não se façam acompanhar de tais equipamentos quando aí se desloquem.

Nem todos podemos ser heróis da linha da frente, mas podemos contribuir para que a situação que chega à linha da frente não assuma os foros de gravidade que conhecemos noutros países.

Para isso não podemos, nem devemos ambicionar um regresso à normalidade a todo o custo, numa espécie de ato de heroísmo egoísta, pois comporta elevados riscos não só para os magistrados, mas também para os funcionários, advogados, todos os habituais utilizadores dos espaços da justiça e os cidadãos em geral.

Como todas as demais valências da nossa sociedade a Justiça encontrará no tempo certo a forma de recuperar o que agora está parado.          

No momento atual e nos tempos mais próximos as soluções encontradas para o funcionamento dos Tribunais deverão basear-se num equilíbrio ponderado entre o valor do funcionamento da justiça e o valor da saúde pública, devendo ainda entrar nessa ponderação a necessidade de compatibilizar o serviço com limitações para quase todos os que trabalham nos tribunais decorrentes do encerramento generalizado das escolas, creches ou mesmo de alguns lares de terceira idade.

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