BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 21-02-2022 por Adão Carvalho, Secretário-Geral do SMMP


As duas decisões proferidas pelo TJUE vão permitir às instâncias competentes da UE reduzir, suspender ou mesmo impedir que a Polónia e a Hungria tenham acesso a fundos comunitários


O dia 16 de fevereiro de 2022 constitui um marco histórico para o respeito do Estado de Direito na União Europeia.

As reformas apressadas levadas a cabo por tendências políticas emergentes ou ressurgentes na Hungria e na Polónia, vieram aumentar a influência política no poder judicial e fragilizar a sua independência, por via da alteração nas regras de nomeação ou exoneração no acesso ao Tribunal Constitucional, tribunais superiores ou órgãos de direção do Ministério Público, ou do controle do processo de inspeção ou disciplinar dos magistrados.

Tais reformas violam princípios nucleares do Estado de Direito como a independência dos Tribunais e a separação de poderes.

Em 16 de dezembro de 2020, o Parlamento Europeu e o Conselho adotaram um regulamento que estabelece um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União em caso de violação dos princípios do Estado de direito num Estado-Membro. Para a realização deste objetivo, o regulamento permite ao Conselho, sob proposta da Comissão, adotar medidas de proteção como a suspensão dos pagamentos a cargo do orçamento da União ou a suspensão da aprovação de um ou mais programas a cargo desse orçamento.

A Hungria e a Polónia interpuseram, cada uma, um recurso de anulação deste regulamento no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

No passado dia 16 de fevereiro o TJUE negou provimento aos recursos interpostos pelos dois países por entender que a confiança mútua pressupõe o respeito, por parte dos Estados-Membros, dos valores comuns em que a União assenta, que foram identificados e são partilhados por esses Estados-Membros, e que definem a própria identidade da União como uma ordem jurídica comum a esses Estados, entre os quais o Estado de direito e a solidariedade.

Como o respeito de tais valores constitui assim um requisito para beneficiar de todos os direitos decorrentes da aplicação dos Tratados a um Estado-Membro, a União deve poder, dentro dos limites das suas competências, defender esses valores.

O TJUE considerou, assim, que as violações dos princípios do Estado de Direito comprometem a confiança mútua entre os Estados-Membros e consequentemente a boa gestão financeira do orçamento da União e os interesses financeiros da União Europeia, pelo que é admissível um «mecanismo de condicionalidade» horizontal, como o instituído pelo regulamento, que sujeite a acesso ao financiamento do orçamento da União ao respeito, por parte de um Estado-Membro, dos princípios do Estado de direito.

As duas decisões proferidas pelo TJUE vão permitir às instâncias competentes da UE reduzir, suspender ou mesmo impedir que a Polónia e a Hungria tenham acesso a fundos comunitários, como por exemplo utilizar os fundos de recuperação e resiliência da UE a fim de impulsionar as economias dos Estados e fazer face às consequências da pandemia de COVID-19, enquanto se mantiverem os atropelos destes países ao Estado de Direito.

O poder de negar a Estados-Membros o acesso aos fundos da UE, será seguramente um fator coercitivo dissuasor para novas tentativas de atropelamento dos princípios do Estado de Direito, como a independência dos Tribunais e do Ministério Público, e constitui um sinal de esperança para que a União continue a ser um espaço de liberdade, democracia, respeito pelos direitos fundamentais, solidariedade e confiança mútuas e para a própria sobrevivência da União Europeia.

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