BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 17-01-2022 por Adão Carvalho, Secretário-Geral do SMMP


O Ministério Público para exercer eficazmente a ação penal, não pode estar sujeito a entraves ou obstáculos impostos por órgãos de polícia criminal ou por órgãos da administração pública com competências de órgão de polícia criminal, que dependem diretamente do poder executivo


O exercício da ação penal assume um papel central no conjunto das atribuições do Ministério Público, sendo que, no âmbito desse exercício se destaca a direção do inquérito consubstanciada na realização de todos os atos necessários para fundamentar a acusação ou o arquivamento.

Embora possam os órgãos de polícia criminal ser chamados a praticar determinados atos que competiriam ao Ministério Público, até porque detêm o conhecimento sobre determinas técnicas, assim, como se encontram dotados dos meios técnicos e logísticos que o Ministério Público não concentra em si, a direção efetiva da investigação, mesmo nestas situações pertence exclusivamente ao Ministério Público, não existindo qualquer repartição de competências entre o Ministério Público e o juiz de instrução criminal, nem entre o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal. Esta exigência implica, então, que os órgãos de polícia criminal atuem sob “a orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional”.

Mesmo no respeito pela autonomia técnica dos órgãos de polícia criminal, o Ministério Público não pode abdicar de uma direção efetiva do inquérito, com vista a afastar critérios de “oportunidade de facto” por parte daqueles, deixando nas suas mãos decidir o que investigar, quando investigar e como investigar.

Não obstante esteja legalmente prevista a competência de cada um dos órgãos de polícia criminal e, em princípio, a coadjuvação do Ministério Público no inquérito deva ser atribuída apenas a um deles, em determinadas situações, a complexidade do processo e a especificidade técnica dos factos em investigação, podem aconselhar a constituição de equipas mistas, isto é, equipas constituídas por elementos de órgãos de polícia criminal diferentes.

Tal acontece com alguma frequência na investigação da criminalidade económico-financeira, onde tantas vezes crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagem ou branqueamento de capitais estão associados a delitos de natureza fiscal ou tributária, a exigirem que na sua investigação cooperem em equipa, sob a dependência funcional do Ministério Público, elementos da polícia judiciária e da autoridade tributária.

A competência para a constituição de equipas mistas é do Ministério Público, tal como resulta inequívoco da lei de política criminal e do regime geral das infrações tributárias, após audição dos responsáveis hierárquicos dos órgãos de polícia criminal envolvidos.

Competindo ao Ministério Público a decisão é ao mesmo que compete aferir dos pressupostos necessários para a sua constituição.

E não poderia ser outra a solução legal.

Apenas o Ministério Público detém autonomia para assegurar de forma independente e objetiva as suas funções, relativamente, à participação na execução da política criminal e ao exercício da ação penal.

O Ministério Público para exercer eficazmente a ação penal, não pode estar sujeito a entraves ou obstáculos impostos por órgãos de polícia criminal ou por órgãos da administração pública com competências de órgão de polícia criminal, que dependem diretamente do poder executivo.

A decisão de constituição de equipas mistas compete ao Ministério Público e não pode estar condicionada por quaisquer orientações internas dos órgãos de polícia criminal.

A não ser assim estar-se-ia a limitar, na prática, a autonomia do Ministério Público e a sua competência exclusiva para o exercício da ação penal.

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