BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 03-07-2023 por Adão Carvalho, Presidente do SMMP

As medidas de graça ou de clemência, como a amnistia, o perdão genérico e o perdão individual ou particular, em que se integram o indulto e a comutação, são uma reminiscência do direito de graça que o soberano detinha quando concentrava em si todos os poderes estatais, incluindo os de castigar e de perdoar


A propósito da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, o Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª que contempla um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ.

A iniciativa legislativa propõe um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação e um regime de amnistia, que compreende as contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda €1.000, exceto as que forem praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, as infrações disciplinares e os ilícitos disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar e as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa.

As medidas de graça ou de clemência, como a amnistia, o perdão genérico e o perdão individual ou particular, em que se integram o indulto e a comutação, são uma reminiscência do direito de graça que o soberano detinha quando concentrava em si todos os poderes estatais, incluindo os de castigar e de perdoar.

Com o advento do Estado de Direito, o direito de graça passou a ser encarado através de outro prisma, e aproveitou-o como instrumento útil para a realização da justiça nos casos em que a aplicação da lei, na sua generalidade e abstração, dá lugar a decisões concretas materialmente injustas ou político-criminalmente inadequadas.

Por outro lado, medidas de clemência como a amnistia e o perdão genérico, têm encontrado justificação em função de determinados fins particulares; fins localizados e circunstanciais que, num dado momento, num dado lugar, e atentas certas circunstâncias, justificam as mesmas. Para festejar uma nova autoridade ou um novo governante; para resolver um problema jurídico ou político; para festejar um acontecimento (uma visita de uma figura ilustre, uma vitória militar); para resolver problemas de sobrelotação de prisões.

No passado tivemos já outras leis de amnistia, como a lei 17/82, de 2 de julho, por ocasião da visita a Portugal do Papa João Paulo II; Lei 16/86, de 11 de junho, a propósito da eleição como Presidente da República de Mario Soares; Lei 23/91 de 4 de julho, por ocasião de nova visita do Papa João Paulo II; Leis 15/94, de 11 de maio e 29/99, de 12 de maio, destinadas a assinalar o 20.º e 25º aniversários do 25 de Abril.

Em matéria de amnistia existe discricionariedade do legislador na escolha dos demarcadores do campo de aplicação da mesma. Se o legislador pode demarcar esse campo em função de quaisquer fins admissíveis do Estado de direito, então também a sua discricionariedade é máxima: qualquer fim racional do Estado pode contribuir para a delimitação do âmbito da amnistia.

O Tribunal Constitucional português tem firmado jurisprudência no sentido de que o princípio de igualdade em leis de amnistia e de perdão genérico “só recusa o arbítrio, as soluções materialmente infundadas ou irrazoáveis” (acórdão nº 42/95), devendo entender-se que tratamentos legais diferentes só traduzem uma diferenciação arbitrária quando não é possível encontrar um motivo razoável, decorrente da natureza das coisas, ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível para essa diferenciação (acórdão 152/95).

Compete agora à Assembleia da República aprovar e definir o texto final da proposta de lei apresentada pelo Governo e escolher os demarcadores do campo de aplicação da mesma.

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