BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 07-11-2022
por Adão Carvalho, Presidente do SMMP

As medidas previstas não diferem muito daquelas que já vinham previstas nos anteriores OE de 2021 e 2022, como são exemplos o combate à corrupção ou a informatização e desmaterialização dos processos judiciais.


Dá-se continuidade ao plano plurianual de recrutamento de pessoal para as carreiras de investigação criminal, especialista de polícia científica e segurança da Polícia Judiciária, garantindo o seu aumento líquido, o rejuvenescimento e a eficácia operacional dos seus efetivos, contribuindo decisivamente para a Estratégia Nacional do Combate à Corrupção e para o reforço do combate à corrupção, à fraude e à criminalidade económico-financeira. Para além disso acentua-se o enfoque nos meios extrajudiciais de resolução de conflitos, como promover a expansão da rede dos julgados de paz em estreita articulação com os municípios; reforçar os sistemas de mediação públicos e o acesso à mediação, designadamente familiar e laboral; implementar e consolidar ferramentas de suporte a um novo modelo de gestão processual nos julgados de paz, nos sistemas públicos de mediação e nos centros de arbitragem de conflitos do consumidor. Nas medidas previstas nas páginas 251 a 253 do relatório que acompanha o OE para 2023, nem uma única linha é dedicada ao reforço dos meios do Ministério Público. O Ministério Público Português é a nível Europeu aquele que assume maiores e mais diversificadas competências e que vão desde a jurisdição criminal, ao trabalho, à família, crianças e jovens, ao domínio do cível, execuções e insolvências, ao administrativo e fiscal, aos interesses coletivos e difusos. Não obstante essa abrangência de competências, o certo é que o Governo decidiu não dedicar uma única linha, da sua estratégia de investimento na justiça, ao Ministério Público. Mas tal não é para nós uma surpresa!! A análise do último relatório do Conselho da Europa, “European judicial systems CEPEJ Evaluation Report”, contendo dados sobre o investimento dos diversos Estados no sistema judiciário, revela que Portugal é dos que menos investe no Ministério Público e ao nível da própria União Europeia encontra-se nos três últimos lugares. A conclusão só pode ser uma: o Governo não quer um Ministério Público com meios, capaz de dar uma resposta de qualidade e em tempo. Quer um Ministério Público na míngua, na penúria, de mão estendida, limitado na sua capacidade de atuação. Só isso justifica o total desprezo evidenciado nesta proposta de OE para 2023 ao não ter inserido uma única linha estratégica relacionada com o reforço dos meios e da capacidade de resposta do Ministério Público. Prefere reforçar o investimento na privatização da justiça ou em entidades na sua dependência. Mas reforçar os meios no Ministério Público, enquanto magistratura autónoma e independente do poder executivo, isso já não interessa!! O Conselho da Europa insiste desde há mais de 20 anos na necessidade de garantir que o Ministério Público possa exercer as suas funções em condições legais e organizacionais adequadas, nomeadamente quanto aos meios financeiros ao seu dispor, designadamente um estatuto adequado, apoio organizacional e recursos, quer em termos de pessoal, instalações, meios de transporte e um orçamento adequado, devendo os magistrados do Ministério Público ter um papel relevante na definição das mesmas. O Governo português não quis seguiu os passos da Alemanha que, a fim de reforçar o sistema judicial e o Estado de direito, decidiu aplicar um Pacto pelo Estado de Direito (Pakt für den Rechtsstaat) que prevê um aumento dos recursos, tanto a nível federal como dos Länder, nomeadamente um financiamento adicional de 220 milhões EUR a nível federal para que os Länder criem 2.000 cargos suplementares para juízes e procuradores, incluindo o pessoal administrativo necessário. O que a proposta de OE apresentada pelo Governo demonstra é que não é prioridade o reforço do Estado de direito em Portugal; não é prioridade um Ministério Público com meios e recursos próprios adequados para cumprir cabalmente as suas funções e com capacidade para dar uma resposta de qualidade e em tempo. Em suma, o poder político não quer um Ministério Público independente.

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