Orçamento de Estado 2025 e o Ministério Público
Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
A ausência de uma verdadeira autonomia financeira do Ministério Público tem repercussões significativas e abrangentes na sua atividade.
É crucial analisar o documento do Orçamento de Estado de 2025 para avaliar se o Ministério da Justiça está a criar as condições necessárias para que o Ministério Público possa cumprir eficazmente as suas funções constitucionais e melhorar o serviço prestado aos cidadãos.
Temos que recordar que não existe uma autonomia financeira efetiva do Ministério Público (que seria a solução acertada e de acordo com as recomendações internacionais, por exemplo do Conselho Consultivo de Procuradores Europeus), tal como existe com o Conselho Superior da Magistratura (Magistratura Judicial), prevendo o Estatuto do Ministério Público uma autonomia administrativa e financeira muito limitada da Procuradoria-Geral da República.
A ausência de uma verdadeira autonomia financeira do Ministério Público tem repercussões significativas e abrangentes na sua atividade. Esta dependência dos recursos que o poder executivo decide, ou não, atribuir-lhe, afeta negativamente diversos aspetos do funcionamento desta instituição crucial para o sistema judicial.
Podemos apresentar como principais áreas afetadas as seguintes:
Serviços de Medicina do Trabalho: A incapacidade de providenciar os obrigatórios serviços de medicina do trabalho aos magistrados, algo que é exigido por lei a qualquer empresa ou instituição pública;
Desenvolvimento Tecnológico: A dificuldade em desenvolver e implementar ferramentas informáticas específicas, essenciais para a modernização e eficiência do Ministério Público;
Remuneração de Serviços Extraordinários: O atraso no pagamento das acumulações de serviço, sobrecarregando injustamente os magistrados que assumem responsabilidades adicionais; e Bem-estar Profissional: A impossibilidade de implementar as recomendações do Observatório da Justiça relativamente à criação de gabinetes de apoio psicológico, saúde ocupacional e bem-estar profissional.
Esta situação compromete não só a eficácia operacional do Ministério Público, mas também o bem-estar e a motivação dos seus profissionais, podendo, em última análise, afetar a qualidade da justiça prestada aos cidadãos.
O Conselho Superior da Magistratura aprovou, recentemente, a criação de um Gabinete de Saúde Ocupacional, visando promover a saúde e segurança dos magistrados judiciais. Esta iniciativa surge como resposta a uma preocupação crescente, tanto a nível nacional como europeu, com o bem-estar físico e mental dos profissionais da justiça.
A implementação deste gabinete alinha-se com as recomendações provenientes de estudos sobre o desgaste profissional e burnout na magistratura. As suas principais funções incluirão a análise e melhoria das condições laborais, bem como a prevenção de doenças e acidentes de trabalho.
É importante salientar que esta medida só foi possível devido à autonomia administrativa e financeira de que o Conselho Superior de Magistratura dispõe, em contraste com o Conselho Superior do Ministério Público. Esta autonomia permite-lhe tomar decisões e implementar iniciativas que visam o bem-estar dos juízes de forma mais ágil e independente.
A criação deste gabinete representa um passo significativo na promoção da saúde ocupacional dos magistrados portugueses, refletindo uma abordagem proativa por parte do Conselho Superior de Magistratura para garantir condições de trabalho adequadas e sustentáveis para os profissionais da justiça.
Tendo em conta a preocupação expressa pelo Governo, na proposta orçamental, relativamente à valorização dos recursos humanos e ao aperfeiçoamento do funcionamento do sistema judicial, torna-se imperativo abordar estas questões, as quais são, por si só, fundamentais para o efeito pretendido.
Sendo de saudar a referência, no mesmo documento, à implementação de um programa de melhoria de saúde mental relativamente à área dos registos, no âmbito da valorização de recursos humanos, não se pode deixar de constatar a ausência de qualquer referência nesta matéria a outros profissionais da justiça, nomeadamente os magistrados do Ministério Público, perante os resultados do estudo do Observatório da Justiça que apontam para a existência de níveis de risco de burnout elevadíssimos.
A modernização das infraestruturas tecnológicas do sistema judicial, mencionada do documento do Orçamento de Estado, através da implementação de novos sistemas de informação e comunicação é uma iniciativa crucial. No entanto, é fundamental considerar e aproveitar o trabalho já realizado pelo Ministério Público no desenvolvimento de plataformas informáticas para a tramitação da fase de inquérito, até porque a plataforma citius, atualmente utilizada na tramitação eletrónica das outras fases processuais, embora pioneira quando criada, revela-se já desatualizada para os fins a que se destina.
Nos últimos anos, é inegável que a execução orçamental tem ficado aquém das expectativas, não se traduzindo em melhorias concretas no sistema de Justiça, particularmente no que diz respeito aos recursos humanos e materiais disponíveis para o Ministério Público desempenhar eficazmente as suas funções e prestar um serviço de qualidade aos cidadãos e à sociedade portuguesa.
Importa relembrar que, já no Orçamento de Estado para 2021, o poder executivo estabelecia como prioridade a modernização do sistema de justiça através do reforço da utilização de novas tecnologias. No ano seguinte, em 2022, o foco recaiu sobre a transformação digital, visando a modernização dos sistemas de informação e das infraestruturas tecnológicas, com o intuito de simplificar e agilizar processos e procedimentos.
A determinação orçamental no combate à corrupção, enquanto pilar fundamental de um Estado de direito democrático, transparente e justo, deve manifestar-se na disponibilização de recursos materiais e humanos adequados para quem exerce a ação penal e responde por ela em nome do Estado. Neste sentido, é crucial que a execução orçamental responda efetivamente à necessidade de reforço dos meios humanos, permitindo a entrada de magistrados do Ministério Público, oficiais de justiça (especialmente nos departamentos do Ministério Público, onde a carência é notória) e polícias em número suficiente para garantir o bom funcionamento do sistema judicial.
Paralelamente, é imperativo que a execução do orçamento assegure aos magistrados do Ministério Público o apoio técnico especializado e atempado, nomeadamente através de perícias contabilísticas e informáticas. Além disso, o orçamento e a sua execução devem dar resposta às necessidades de reforço dos meios materiais, incluindo instalações adequadas e dignas, equipamentos e sistemas informáticos modernos que garantam as indispensáveis ligações entre sistemas, bem como software apropriado para o cabal exercício das funções do Ministério Público.
Em suma, é fundamental que o orçamento seja não apenas uma declaração de intenções, mas que se traduza em ações concretas e melhorias tangíveis no sistema de justiça português, dotando o Ministério Público dos recursos necessários para cumprir eficazmente a sua missão ao serviço dos cidadãos e da sociedade.
É importante salientar que, segundo o relatório da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ), o nível de execução orçamental do Ministério Público Português é um dos mais reduzidos da Europa. Em 2020, a percentagem da despesa efetivamente realizada face ao orçamento aprovado para o sistema judicial apresentava a seguinte distribuição: apenas 14% para o Ministério Público, 70% para os Tribunais e 16% para o apoio judiciário.
Adicionalmente, de acordo com as estatísticas da CEPEJ, Portugal está longe de ser um dos países que dedicam uma maior percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) ao sistema de Justiça, ocupa o 24º lugar com um investimento de 0,28% do PIB.
Para que o Ministério Público possa cumprir eficazmente as suas funções constitucionais e melhorar o serviço prestado à sociedade, é imperativo que o Orçamento de Estado 2025 aborde as questões de autonomia financeira, modernização tecnológica e bem-estar dos profissionais da justiça. A concretização das intenções em melhorias tangíveis no sistema de Justiça deve ser uma prioridade, superando as lacunas observadas nos orçamentos anteriores.