
SÁBADO, 24-10-2023 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP
Os magistrados gozam, como qualquer cidadão, do direito de exprimirem livremente a sua opinião, nomeadamente quando participam em atividades cientificas ou debates públicos.
Em diversos países da Europa, não sendo Portugal exceção, têm vindo a multiplicar-se as situações de ataques pessoais a magistrados, fora do âmbito processual, em virtude de decisões por eles proferidas no exercício das suas funções.
Estes ataques revestem-se, por vezes, de grande mediatismo, indo para além do que é a crítica normal e salutar num Estado de Direito Democrático e colocando em causa o magistrado nas suas qualidades profissionais, pessoais e éticas.
A MEDEL (Associação de Magistrados Europeus pela Democracia e Liberdades), a 16 de outubro de 2023, emitiu um comunicado sobre os ataques ao sistema judicial italiano, manifestando a sua profunda preocupação com os recentes relatos de repetidos ataques, mediáticos e políticos, a juízes italianos, na sequência de decisões relativas a migrantes.
É particularmente grave o facto de membros do governo italiano, sem qualquer consideração pelo mérito de decisões baseadas em referências a normas constitucionais, europeias e internacionais, acusarem juízes de boicotarem, por motivos ideológicos, nas suas decisões, as políticas nacionais de migração.
Como consta do comunicado da MEDEL “Tudo isto é ainda mais grave devido à divulgação simultânea de notícias e reportagens televisivas sobre os juízes envolvidos, sobre a sua participação em manifestações públicas e as opiniões que expressaram em conferências públicas, provando alegadamente a sua parcialidade”.
Os magistrados gozam, como qualquer cidadão, do direito de exprimirem livremente a sua opinião, nomeadamente quando participam em atividades cientificas ou debates públicos.
Uma das práticas mais censuráveis, observada em países como a Itália, é a prática de “blacklisting”, isto é, o “nomear e envergonhar” na imprensa e redes sociais os juízes que proferiram determinada decisão (colocando em risco a própria segurança desses magistrados).
É necessário distinguir aquilo que é a critica pública de decisões judiciais, normal num estado de direito democrático, da deslegitimação dos juízes e das suas decisões através de acusações de parcialidade e de prossecução de agendas políticas ocultas.
Esta deslegitimação do próprio sistema judicial de um país constitui um ataque ao Estado de Direito e mina a confiança dos cidadãos na justiça.
Tal como reafirma a MEDEL, as críticas às decisões judiciais, sobretudo quando expressas por membros do Governo, não podem transformar-se em deslegitimação de decisões de que discordam.
As pressões e os ataques aos magistrados pelas suas decisões constituem uma violação do princípio da separação de poderes e uma violação do Estado de direito, que exige que as decisões governamentais sejam sujeitas à lei e ao controlo judicial nos termos da lei.
É dever dos magistrados judiciais, num Estado de Direito Democrático, proteger os direitos de todas as pessoas e decidir os casos em conformidade com as constituições nacionais, a Carta dos Direitos Fundamentais, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e outras fontes de direito europeu e internacional, incluindo as decisões prévias do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Não deve ser ignorada a Recomendação CM/Rec(2010)12 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados-Membros sobre os magistrados judiciais que refere que «Ao comentar as decisões dos juízes, os poderes executivo e legislativo devem evitar críticas que possam comprometer a independência ou a confiança do público no poder judicial. Devem também evitar ações que possam pôr em causa a sua vontade de cumprir as decisões dos juízes, para além de declararem a sua intenção de recorrer.”
A não ser assim existem riscos de uma deriva, observada noutros países (como a Polónia), onde campanhas públicas apoiadas por políticos para desacreditar os juízes foram utilizadas para promover reformas legislativas que vieram pôr em crise o Estado de direito e a independência do poder judicial (por exemplo aprovando legislação que permite a aplicação de sanções disciplinares aos juízes que respeitam o primado do direito da União Europeia).