
SÁBADO, 30-05-2023 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP
Ou são presumidos culpados na comunicação social e comentário mediático.
Será que apenas os suspeitos/arguidos, investigados em processos-crime, se presumem inocentes e os magistrados do Ministério Público, constitucionalmente defensores da legalidade, se presumem culpados de cada vez que a comunicação social notícia processos em segredo de justiça.
Quem, nos últimos dias, tenha ouvido analistas, comentadores, jornalistas, programas de rádio ou televisão ficará com a impressão que existe uma prova clara e irrefutável que foi o Ministério Público quem “entregou” à comunicação social toda a investigação de um processo e lhes disse agora vão lá divulgar publicamente tudo o que andamos a investigar.
Ora, a grande contradição é que aqueles que se mostram mais “chocados” com uma possível violação dos direitos de terceiros e a divulgação de suspeitas, em eventual violação de segredo de justiça, pela comunicação social, são os mesmos que não se coíbem em imputar, sem qualquer indício mínimo de prova, aos magistrados do Ministério Público responsáveis por uma investigação, essa mesma fuga de informação (sem que se esteja aqui a menosprezar eventuais violações de segredo de justiça).
Alguns conseguem mesmo ver aí uma estratégia, dita “processual”, utilizada pelo Ministério Público como instituição ou por alguns dos seus magistrados.
Então aqui já não são necessárias provas e já todas as presunções são admissíveis?
O critério muda e o consenso é generalizado.
Dá-se por adquirido que existe uma malévola estratégia processual destinada a atacar a classe política no seu todo.
Confesso algum choque com diversas declarações feitas por comentadores e políticos, mesmo alguns que sempre reputei como sérios e isentos no seu comentário.
Tal como lamento ver diversos comentadores alinhados nessa falácia e a darem por adquirido que a responsabilidade é do Ministério Público.
Contudo, esta suposta “realidade” não o é.
Vejamos o caso do Segredo de Justiça!
Quem não tem interesse em o investigar?
Quem pode introduzir alterações na lei que permitam tornar eficazes essas investigações?
É muito simples, se queremos que seja investigado a sério esse crime então é necessário permitir a realização, na sua investigação, de interceções telefónicas.
Mas, não são os magistrados que legislam, apenas aplicam a lei.
Vamos aqui dar por adquiridos alguns factos:
– Ninguém na classe política gosta de ser investigado por suspeitas da prática de crimes; e
– Nenhum magistrado do ministério público gosta de ver os seus processos “escarrapachados” na comunicação social, até porque o seu conhecimento público muitas vezes inviabiliza as investigações em curso.
Afinal, o que ganhariam os magistrados do Ministério Público em divulgarem os seus processos na comunicação social?
O Ministério Público não é um partido político e não age com intenções ocultas ou agendas escondidas.
Os magistrados não fazem política.
Os magistrados não vivem da sua mediatização.
Os magistrados não atuam nos processos com base nos seus interesses particulares.
Os magistrados não são demónios que perseguem, por algum perverso prazer, inocentes cidadãos.
Os magistrados, ao contrário do que alguns comentadores pensam (ou afirmam), não vivem num universo feito de conspirações para derrubar ou deturpar membros da classe política deste ou daquele partido ou desta ou daquela fação.
O Ministério Público é uma magistratura que se guia pela legalidade e objetividade e visa prosseguir, nas suas diversas funções, o interesse público.
Não é o Ministério Público que faz as notícias e que seleciona factos para reportagens.
Mas, dito isto, é legítimo que se coloque e debata a questão do acesso aos processos por terceiros.
O acesso a processos em investigação pode ocorrer interna ou externamente (até em casos de quebra de segurança).
Quem tem acesso interno aos processos (não acessíveis ao público em geral) para deles dar conhecimento a terceiros?
Ora, quem é que contacta com os processos: magistrados judiciais com funções de instrução criminal, magistrados do Ministério Público titulares dos inquéritos, oficiais de justiça que trabalham nos processos, polícias que os investigam, cidadãos ou jornalistas com o estatuto de assistentes no processo (quando existem) e advogados (quando intervenientes).
Não podemos, ao contrário do que “muito” ouvi está semana, dar por adquirido quem transmitiu alguma informação à comunicação social ou de que modo está acedeu a determinada informação.
Muito ouvi também esta semana invocar o Estado de Direito e os direitos de quem é visado em investigações, o que deve obviamente merecer toda a atenção.
Contudo, será que imputar aos magistrados do Ministério Público uma atuação violadora dos seus deveres funcionais, sem qualquer prova, não atinge os valores desse mesmo Estado de Direito?
Essas pessoas não devem, igualmente, beneficiar de uma presunção de que agiram de acordo com as suas responsabilidades e deveres funcionais, até que se prove o contrário. Quanto a eles já não existe qualquer problema em assumir uma presunção de culpa.
A tese de que é preciso vigiar o guarda, que alguns tanto gostam de invocar, é o caminho, já prosseguido em muitos países, com infelizes resultados e que tem descambado em comprometimento da independência da Justiça e em particular do Ministério Público.
Os verdadeiros defensores de uma justiça independente não procuram nas suas, “supostas” ou “verdadeiras”, omissões ou falhas, um pretexto para a politizar e colocar em causa a independência de magistrados judiciais e do Ministério Público.
Em outros países (os exemplos da Polónia, Israel e Turquia deviam fazer-nos refletir) já se aprendeu que não é o controlo do político sobre o judiciário que traz a transparência da Justiça.