BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 01-08-2022
por Adão Carvalho, Secretário-Geral do SMMP
Não nos parece aceitável, numa estrutura hierarquizada, que magistrados do Ministério Púbico com funções hierárquicas, designadamente ao nível do PGR, Vice-PGR e Procuradores-Gerais Regionais, possam transitar diretamente do exercício dessas funções para funções governativas
O tema das “portas giratórias” entre a política e os tribunais tem sido levantado desde há muito tempo por algumas pessoas ou organizações ligadas ao sistema de justiça.
O uso da expressão “portas giratórias” não nos deve conduzir a tratar o tema de forma populista ou leviana e com apelo a radicalismos que podem ser muito pouco conformes a um verdadeiro Estado democrático.
Na discussão do tema não podemos desprezar ou descartar a importância da participação de elementos da sociedade civil, especialmente habilitados com conhecimentos das várias áreas da intervenção governativa, nas composições governamentais, sob pena de reduzirmos o exercício da função política ou mais especificamente o exercício da função executiva, a políticos de carreira, criados e educados no seio dos lobbys partidários.
Por outro lado, a discussão deve envolver não só as estruturas do sistema judiciário como as próprias estruturas políticas e designadamente o parlamento que tem, no final, a legitimidade democrática para legislar sobre a matéria, porque não é só uma questão de impedimentos dos magistrados, é, também, uma questão de ética, integridade e transparência no exercício de funções políticas.
O Ministério Público, não obstante despido, em termos constitucionais, da veste da independência, o certo é que as competências que constitucionalmente lhe são atribuídas exigem o mesmo grau de independência dos magistrados judiciais, de modo que sobretudo na área criminal não há tribunais independentes sem um MP igualmente independente.
Por outro lado, tratando-se de uma estrutura hierarquizada a questão deve ser abordada nos dois sentidos.
Não temos uma ideia acabada sobre o tema, nem sequer uma certeza sobre se a questão deva ser resolvida ao nível legislativo ou se situar apenas ao nível da ética.
Entendemos, contudo, que a questão deve ser objeto da mais ampla discussão e no caso das magistraturas ao nível dos respetivos conselhos superiores.
Sem prejuízo, partilho aqui algumas inquietações no que tange ao Ministério Público.
Não nos parece aceitável, numa estrutura hierarquizada, que magistrados do Ministério Púbico com funções hierárquicas, designadamente ao nível do PGR, Vice-PGR e Procuradores-Gerais Regionais, possam transitar diretamente do exercício dessas funções para funções governativas.
Ao nível do Conselho Superior do Ministério Público seria importante efetuar uma definição clara do tipo de funções para o qual faz sentido que um magistrado possa ser autorizado a exercê-las em comissão de serviço, mantendo apenas esse estatuto para aquelas que assumem relevância para o Ministério Público e relegando para o regime das licenças sem vencimento todas as demais.
Ponderar e definir as condicionantes para que magistrados que são chamados a exercer funções governativas ou ao nível dos titulares de altos cargos políticos possam regressar à magistratura.
Isto, porque aquilo que exige e impõe essas delimitações ou barreiras prende-se com os seguintes fatores:
– Necessidade de prevenção do tráfico de influências e seu alastramento ao sistema judicial;
– Ligado a este fator a preservação da independência dos Tribunais e o princípio da separação de poderes.
– Necessidade de transparência e de restabelecer a confiança dos cidadãos no sistema de justiça.