18-12-2018 | dn.pt
Autor: José Sena Goulão
“É uma pressão inaceitável.” É assim que o PSD considera a ameaça da procuradora-geral da República de se demitir caso haja alguma mudança na composição do Ministério Público. Mas mais, segundo fontes do PSD, as palavras de Lucília Gago são “uma ingerência do poder judicial no poder político”.
A responsável pelo Ministério Público afirmou nesta segunda-feira que qualquer alteração à composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), apontando para uma maioria de membros não magistrados, seria uma “grave violação do princípio da autonomia”.
Lucília Gago frisou que qualquer mudança nesse sentido representaria também uma “radical alteração dos pressupostos que determinaram” a aceitação que fez do cargo de procuradora-geral da República.
Estas palavras caíram muito mal no PSD, já que o líder social-democrata é um dos defensores da alteração da composição do órgão em causa. E até porque a competência para ditar alterações ao Conselho Superior do MP é da Assembleia da República, que pode fazê-lo através de uma lei ordinária e sem revisão constitucional, como já reconheceu o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
“A posição da procuradora é uma descarada ingerência nesta competência da Assembleia”, argumenta uma fonte social-democrata. Rui Rio não reagiu ontem a esta posição de Lucília Gago, mas logo pela manhã tinha rejeitado no Twitter a ideia de que quer controlar o Ministério Público com esta sua proposta de ter uma maioria de personalidades da sociedade civil no Conselho Superior.
“Andam por aí a agitar que quero controlar o Ministério Público, porque defendo que haja uma maioria de personalidades da sociedade civil no Conselho Superior. Como no Conselho da Magistratura já assim é, para essas mentes, se calhar, eu já controlo hoje a Magistratura Judicial”, escreveu o presidente do PSD.
Rui Rio defende uma alteração no equilíbrio dos membros do Conselho Superior do MP para que os magistrados não estejam em maioria. Atualmente aquele órgão é composto por cinco membros designados pela Assembleia da República, dois pelo Ministério da Justiça e os restantes 12 são magistrados.
“Os sete da sociedade civil não ganham votação nenhuma porque os outros 12 fecham-se em bloco e não há efetiva avaliação da disciplina dos magistrados”, argumenta a mesma fonte ao DN, que lembra que o Conselho Superior funciona como uma espécie de Parlamento para o Ministério Público. “O Parlamento e o Presidente da República deviam ter uma indicação superior à da corporação para aquele órgão em nome da transparência, senão há um estado dentro do Estado”, frisou ainda.
Sobre a necessidade de “independência” do órgão, a mesma fonte do PSD insiste que “não é aquele órgão que determina o que é investigado e que a autonomia do MP está completamente assegurada”, mesmo mudando a configuração do seu órgão de fiscalização.
Quer a posição da procuradora-geral da República quer do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que decretou uma greve para o início do próximo ano contra a possibilidade de alteração na estrutura do Conselho Superior, é entendida no PSD por “existirem no PS também muitas figuras que têm a mesma posição de Rui Rio”.
Daí que o facto de o PS a nível oficial ter vindo dizer que não tenciona caminhar no sentido de uma alteração na estrutura do órgão em causa “não dá garantias aos magistrados que não venha a acontecer e estão a reagir para condicionar o poder político”, insiste a mesma fonte.
O DN sabe que Rui Rio deverá pronunciar-se sobre a ameaça de Lucília Gago caso mais nenhuma figura do Estado tome posição sobre o assunto e lembre à PGR que é o poder político que decide a composição dos conselhos superiores. O DN interpelou o gabinete do presidente da Assembleia da República, mas a resposta foi a de que Ferro Rodrigues não queria comentar esta matéria. Tal como a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, considerou esta segunda-feira que se trata de um não assunto.
A questão do Conselho Superior do Ministério Público “é já uma não questão”, explicou a ministra, reiterando que “não é intenção do Governo, nem faz parte do programa do executivo, fazer qualquer alteração”.
“A partir do momento em que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista esclareceu o sentido da intervenção do deputado Jorge Lacão naquela interpelação parlamentar, que basicamente foi um elencar de questões e não propriamente uma lógica de avançar nesse sentido, nós temos aqui uma não questão”, afirmou a governante”.
Início da tempestade
A tempestade entre os magistrados do Ministério Público foi desencadeada depois de o líder do PSD ter dito que pretendia discutir a alteração da composição do Conselho Superior do MP, órgão com poderes de gestão e disciplina sobre os magistrados daquele órgão de soberania. A que se juntou uma declaração em plenário do deputado socialista Jorge Lacão no mesmo sentido, quando da discussão na generalidade da proposta da proposta de lei de revisão do estatuto do MP.
A conjugação das duas coisas foi um rastilho que levou a uma reunião de “urgência” do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, na passada quinta-feira. Reunião da qual saiu a deliberação de convocar uma greve, sem data marcada, para o início do ano. Quando o presidente da estrutura sindical, António Ventinhas, anunciou a greve, o PS já se preparava para recuar.
O vice-presidente da bancada socialista Filipe Neto Brandão veio garantir que a “autonomia do MP nunca esteve, não está e não estará em causa”. E que não era propósito do PS alterar o critério de garantia de uma maioria de magistrados do MP superior aos elementos eleitos ou designados fora dessa magistratura.
O Presidente da República também se pronunciou em dois momentos sobre o assunto. Marcelo Rebelo de Sousa primeiro defendeu que qualquer alteração à composição do MP necessitaria de uma revisão constitucional e depois veio dizer que não era necessária. Mas as suas palavras foram de defesa da manutenção da atual composição do Conselho Superior do Ministério Público.
No sábado, a ex-PGR Joana Marques Vidal também defendeu que “será de manter” a atual composição do CSMP, em nome da independência dos tribunais.