OPINIÃO
BOLSA DE ESPECIALISTAS
02.08.2021
Assume caráter temporário, podendo deixar de existir rapidamente; é fungível, dada a facilidade de substituição dos dados informáticos por outros; é volátil, pois facilmente se escondem esses dados, podendo ser ocultados ou suprimidos, do suporte original; e é frágil, exigindo especiais cuidados no seu manuseamento.
A sociedade em que vivemos é cada vez mais digital e eletrónica, globalizada e informatizada, com reflexos, como não podia deixar de ser, nos meios de obtenção de prova, modificando assim o paradigma das ciências jurídico-criminais, a própria atuação dos órgãos de polícia criminal, do Ministério Público, dos juízes e dos advogados em geral.
Sendo o Direito uma ciência, tudo aquilo que ele engloba terá sempre de se readaptar ao tempo e ao espaço vigente sob pena de se tornar desajustado e insuficiente face às necessidades da atualidade.
Assim, se no século passado, fenómenos como a Internet, correio eletrónico, mensagens curtas, redes sociais, entre outros, eram trilhos pouco explorados e sem grande relevância na comunidade em geral e na criminalidade em concreto, hoje, graças à crescente adaptação e utilização das tecnologias de informação e comunicação, tal contacto tornou-se verdadeiramente indissociável do comum cidadão, influenciando todos os aspetos da vida corrente.
A prova digital passou a ser um assunto da ordem do dia, na medida em que os dispositivos eletrónicos, ou a própria web, são as ferramentas mais utilizadas para o armazenamento de dados e de informação.
O uso da informática é cada vez mais recorrente em todos os setores da vida em sociedade, desde a defesa nacional, passando pela atividade científica, económica e financeira, na saúde, na educação, na segurança social e na Administração Pública em geral.
Para além disso são múltiplos os dispositivos utilizados no quotidiano capazes de conter em ambiente digital informação e dados com relevante valor probatório, computadores, telemóveis, smartwatch, veículos automóveis, GPS.
A prova digital tornou-se essencial na investigação da prática de qualquer tipo de crime, pelo que o recurso a tal meio de obtenção de prova é hoje uma realidade habitual em qualquer investigação criminal, não só na criminalidade informática, mas igualmente essencial na criminalidade económico-financeira, nos crimes contra o património, ou mesmo nos crimes contra as pessoas.
Apresenta, contudo, caraterísticas que a diferenciam dos meios de obtenção de prova clássicos: assume caráter temporário, podendo deixar de existir rapidamente; é fungível, dada a facilidade de substituição dos dados informáticos por outros; é volátil, pois facilmente se escondem esses dados, podendo ser ocultados ou suprimidos, do suporte original; e é frágil, exigindo especiais cuidados no seu manuseamento.
A recente alteração ao artigo 17º, da Lei do Cibercrime, aprovada na Assembleia da República pelo Decreto n.º 167/XIV não constitue qualquer deriva securitária ou mesmo inovação, mas apenas clarificar aquilo que têm sido divergentes entendimentos jurisprudenciais quanto ao modelo de apreensão de correio eletrónico e da respetiva validação judicial.
Visa-se, por outro lado, esclarecer que a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de natureza similar guardadas num determinado dispositivo, embora incidindo sobre dados informáticos de conteúdo especial, não é tecnicamente diferente da apreensão de outro tipo de dados informáticos.
Assim, deve o Ministério Público, após análise do respetivo conteúdo, apresentar ao juiz as mensagens de correio eletrónico ou de natureza similar cuja apreensão tiver ordenado ou validado e que considere serem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, ponderando o juiz a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto.
Esta solução procura replicar, no domínio das mensagens de correio eletrónico ou de natureza similar, a solução presentemente aplicável aos dados e documentos informáticos cujo conteúdo possa revelar dados pessoais ou íntimos, pondo em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro, nos termos do n.º 3 do artigo 16.º da Lei do Cibercrime.
Desta forma se encontra o equilíbrio necessário entre as especificidades do correio eletrónico – comuns aos dados e documentos informáticos, designadamente a sua temporalidade e volatilidade, veja-se a título de exemplo as instant messengers que são apagadas automaticamente algum (curto) tempo depois do envio –, os direitos fundamentais e as garantias de defesa do arguido.
Esta alteração legislativa continua a deixar por resolver o problema da falta de um quadro legal próprio, ajustado às caraterísticas específicas da prova digital e que igualmente regule as chamadas “buscas online”, determinando-se quando, em que medida e os moldes em que podem ser efetuadas, a localização de viaturas através da tecnologia GPS ou de qualquer outro dispositivo com recurso à mesma tecnologia, entre muitos outros aspetos.
Pela importância e essencialidade assumida torna-se imperativo que a prova digital deixe de ser tratada em legislação marginal, específica dos crimes essencialmente informáticos, e passe a estar consagrada no Código de Processo Penal, com um regime próprio, adaptado às suas caraterísticas específicas e diferenciado de meios de obtenção de prova clássicos como as interceções telefónicas, a apreensão de correspondência ou o regime das buscas.
Impõe-se ao legislador que crie um quadro normativo nesta matéria, onde além da necessária preocupação com a defesa dos direitos fundamentais, crie as condições para um efetivo exercício do ius puniendi estadual.