BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 04-09-2023 por Adão Carvalho, Presidente do SMMP
Como é possível deixar arrastar a situação dos funcionários judiciais durante tantos meses, sabendo que tal tem consequências graves para todos os cidadãos, sem que exista qualquer sinal de uma solução à vista?
Setembro marca o reinício da atividade normal dos Tribunais após o período de férias judiciais.
Tal não significa que durante o período das férias judiciais os magistrados, judiciais e do Ministério Público ou os funcionários judiciais, estiveram parados.
Para além do serviço urgente que cada vez é mais volumoso, porque tem aumentado o catálogo dos processos urgentes e prioritários, esse período é igualmente usado para concluir processos mais volumosos e complexos que a azáfama do período de normal funcionamento dos tribunais não permitiu ultimar.
O regresso é marcado pela entrada em vigor da Lei da Amnistia que implica um esforço gigantesco de funcionários, juízes e procuradores, que têm de analisar todos os processos existentes para averiguarem se os arguidos e os crimes, ou apenas alguns deles, caem no âmbito da aplicação da amnistia ou do perdão.
Esforço esse iniciado ainda antes da entrada em vigor da Lei, em período de férias judiciais.
O cidadão comum não tem noção de que a aplicação de uma Lei desta natureza implica analisar milhares e milhares de processo pelo país todo de forma a garantir a sua aplicação da forma mais célere possível, uma vez que para muitos condenados poderá estar em causa a sua liberdade.
A rentrée, a 1 de setembro, ficou ainda marcada por uma greve geral dos funcionários judiciais que paralisou por completo a atividade nos tribunais. “A adesão fixou-se acima dos 90%”.
Em sucessivas greves desde 15 de fevereiro deste ano, por um conjunto de reivindicações que na sua maioria são reconhecidas como justas, verificamos uma total inércia por parte dos responsáveis do Ministério da Justiça.
A nossa impressão e, pelos vistos, dos demais operadores judiciários, é que não temos Ministério da Justiça, que os responsáveis desertaram e estão em parte incerta.
Como é possível deixar arrastar a situação dos funcionários judiciais durante tantos meses, sabendo que tal tem consequências graves para todos os cidadãos, sem que exista qualquer sinal de uma solução à vista?
Pelo seu oposto, os responsáveis da Direção Geral da Administração da Justiça estão ativos em demasia, porque andam em roda livre, exorbitando as suas competências e dando a entender que quem manda no Ministério da Justiça é a DGAJ.
Mais um exemplo da forma autoritária, arrogante e arbitrária, dos responsáveis da DGAJ, é o ofício-circular remetido aos Tribunais com uma ordem direta: deveriam os juízes, até 31 de agosto, enviar para os estabelecimentos prisionais os mandados de libertação relativos aos reclusos que beneficiassem da lei da amnistia.
Isto constitui uma violação grosseira da independência dos Tribunais por parte de uma direção geral que beneficia da complacência e passividade da tutela.
Não nos esqueçamos que esta não é a primeira vez que a DGAJ, exatamente com os mesmos responsáveis, tenta interferir naquilo que é a esfera da independência dos Tribunais e evidencia um total despotismo, arrogância e arbitrariedade na sua atuação.
Comportou-se dessa forma em período “Covid” dando instruções como deveria ser interpretada a Lei!!
É, porventura, uma das principais responsáveis pelo arrastamento da situação com os funcionários judiciais, pela forma desastrosa, arbitrária e autoritária como lidou com a primeira greve dos mesmos.
Mas também o Ministério Público conheceu já a arbitrariedade e a prepotência da DGAJ.
Dois anos após entrada em vigor do novo Estatuto do Ministério Público e sem que tenha ocorrido qualquer alteração legislativa, os responsáveis da DGAJ, de forma totalmente arbitrária, decidiram pagar menos ajudas de custo aos magistrados do MP do quadro complementar, sem qualquer diálogo, e ignorando que o Conselho Superior da Magistratura, com autonomia financeira, à luz exatamente das mesmas normas, continua a pagar aos juízes as ajudas de custo tal como a DGAJ o fez durante dois anos.
Fê-lo porque o Ministério Público não tem autonomia financeira, está na sua dependência financeira, e porque a DGAJ anda em roda livre e pode fazer o que lhe apetece sem que a tutela seja capaz de pôr a casa em ordem.
Tudo isto acontece perante a passividade da Ministra da Justiça e dos seus Secretários de Estado.
Pior do que más decisões é um Ministério da Justiça omisso e inexistente.
É inequívoco que a justiça não é uma prioridade deste Governo!