‘Ranking’ europeu dos MP – haja rigor na interpretação dos dados

05/11/2024

Jornal Diário de Notícias
Alexandra Chícharo Neves
Procuradora-Geral Adjunta e Vogal da Direcção do SMMP

De novo, comentadores e personalidades públicas vieram fazer referência ao ranking europeu do número de magistrados do Ministério Público (MP).

Claramente, pretendia-se lançar a dúvida sobre os níveis de produtividade e eficácia dos magistrados portugueses – vale tudo para denegrir o MP, incluindo atirar informação para a sociedade sem qualquer preocupação de rigor!

Não sei se é ignorância ou pura má-fé, mas sei que não se pode comparar o incomparável!

É verdade que em 2022 Portugal tinha cerca de 16,69 magistrados do MP por cada 100 mil habitantes – o que nem sequer é o mais alto, porquanto no Liechtenstein havia 71 magistrados para cada 100 mil habitantes, no Montenegro e na Croácia 43 e na Eslovénia 42.

Porém, não é menos verdade que as funções asseguradas pelo MP têm caraterísticas únicas em Portugal, indo muitíssimo além da intervenção na jurisdição penal.

Senão vejamos. O MP:

– representa o Estado nas ações em que este é autor ou réu, nos tribunais cíveis, administrativos, comércio ou de execução;

– defende a legalidade em todos os processos do Tribunal de Concorrência e nos Tribunais Tributários;

– promove a execução e acompanha todos os processos contraordenacionais em todas as jurisdições;

– assegura o patrocínio dos trabalhadores nos tribunais de trabalho e no comércio;- é o titular da fase conciliatória de todos os processos de acidente de trabalho e patrocina os trabalhadores (instaurando ações) na fase judicial dos mesmos;

– intervém em todos os momentos dos processos de qualificação de insolvência;

– defende os interesses do Estado e da Administração Tributária nos processos de insolvência;

– tem a competência exclusiva para decidir os pedidos de suprimento de consentimento, autorização e confirmação para a prática dos atos previstos no DL 272/2001, de 13/10;

– é interlocutor das Comissões de Promoção dos Direitos das Criança e Jovens (CPCJ);

– é o impulsionador de todos os processos de promoção e proteção (crianças em risco);

– é o titular da fase de inquérito dos processos tutelar educativos (menores que cometem delitos);

– incumbe-lhe a instrução dos processos de averiguação oficiosa de maternidade e paternidade e surge como autor em representação dos menores nos processos de investigação de maternidade e paternidade;

– representa os ausentes e os incapazes e age na defesa destes ao instaurar ações de maior acompanhado;

– etc.

Este é um elenco que apenas peca por ser sucinto, porque muitas outras competências são atribuídas ao MP no ordenamento jurídico Português – sem similitude com qualquer outro país da Europa.

Basta dizer que em mais nenhum o MP patrocina os trabalhadores. E esta não é uma competência menor atento o nosso frágil regime de apoio e acesso ao direito – onde a classe média, afogada em dívidas com as prestações da casa e do carro, não fica isenta do pagamento de custas e, sem o MP, ainda teria de suportar os honorários do advogado.

Sem esquecer que em mais nenhum país europeu o MP tem tão vastas competências na área da proteção das crianças e jovens – repare-se: o seu parecer pode obstaculizar o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais nos processos de divórcio e compete-lhe decidir, designadamente, os pedidos de autorização de venda de património e aceitação ou repúdio de herança.

Ou seja, as comparações com o referido ranking não podem ser feitas apenas com referência ao número de magistrados do MP no ativo em cada país, mas sim tendo em conta a comparação das funções que esta magistratura assegura em cada um dos mesmos.

Logo, dirijo um pedido a todos esses comentadores e personalidades que fazem essas comparações absurdas: sejam rigorosos e sérios na informação prestada e reflitam sobre o risco de manter um MP estrangulado por falta de recursos, designadamente, humanos.

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