27-10-2018  |  PAG 14  |  Expresso


A sentença é unânime: as propostas do PSD para a Justiça são “negativas”, “poucochinhas” e “um susto”, dizem magistrados e advogados

“Custa-me a crer que isto venha de um homem como Rui Rio”, lamenta António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. E diz porquê: “Esta proposta de extinguir as procuradorias distritais e concentrar o poder do Ministério Público em Lisboa nem parece de um homem que defende a regionalização. E vai contra todas recomendações das organizações internacionais, como o Conselho da Europa.

Não percebo”, concretiza o procurador.

“É muito poucochinho”, critica Guilherme Figueiredo, bastonário da Ordem dos advogados, que se confessa desapontado: “São meros apontamentos, não há um plano de ação, um projeto para a Justiça.

Nem quero dizer mais nada.”

Esta semana, num artigo de opinião no “Público”, Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, já tinha considerado o plano do PSD para a Justiça “um susto” com algumas ideias que parecem remeter “para os modelos populistas de domínio do poder judicial da Hungria e da Polónia”.

O plano do PSD para a Justiça, que tal como Expresso noticiou há duas semanas, foi feito “em sigilo” por um grupo restrito e apresentado aos outros partidos (não foi mostrado aos próprios sociais-democratas) com pedidos expressos para que não houvesse “fugas de informação”. O documento de 51 páginas foi criticado por ter poucas ideias concretas e as que tem serem “negativas”.

Por exemplo: metade do documento é sobre a recomposição dos conselhos superiores do Ministério Público e da Magistratura, limitação de mandatos, alteração de sistemas de inspeções e planos para a recuperação de atrasos. As propostas não foram bem recebidas.

“Essa ideia sobre a recomposição dos conselhos é um bom exemplo da falta de qualidade desta proposta. Acho muito bem que haja um equilíbrio e até uma igualdade entre o número de magistrados e não magistrados nos conselhos.

É essencial para haver algum arejamento e uma abertura à sociedade civil. Agora, uma maioria de não magistrados nomeados pelo poder político é uma forma óbvia de politizar órgãos que têm de ser independentes para poderem funcionar bem, uma vez mais ao arrepio de todas as recomendações internacionais e do próprio pacto para a justiça feito pelas profissões forenses”, insiste António Ventinhas.

Politizar para quê?

A reforma prevê igualmente que os conselhos possam dar indicações para a elaboração de sentenças e avaliar a qualidade das decisões dos tribunais. “A soma daquelas medidas teria um efeito óbvio: mais controlo político do MP e dos tribunais. Porquê?”, pergunta-se Manuel Soares. “Então num momento em que a justiça revela capacidade de bater a mais portas, esta intenção de fortalecer o controlo político sobre as magistraturas tem de ser mais bem explicado.”

António Ventinhas considera que “essa” não é a função “dos conselhos superiores”. “Não podem ser os conselhos, ainda por cima mais politizados, a dar indicações sobre sentenças ou decisões judiciais. Não tem qualquer lógica.”

Além das propostas concretas, o documento feito por um grupo de peritos do PSD identifica a violação do segredo de justiça como um dos grandes problemas do mundo judicial mas “não aponta uma única solução para o resolver”, acusa Ventinhas. “Diz que é preciso discutir o problema. Isso já se sabe há muitos anos. Mas como é que se resolve? Nada.” “Por isso é que eu digo que não tem ponta por onde se pegue”.

Guilherme Figueiredo concorda: “Há muitos princípios gerais, coisas para discutir, mas poucas propostas concretas. E as que há… é melhor não me pronunciar.” Rui Gustavo

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