SÁBADO, 21-11-2023 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP

Exige-se mais responsabilidade e respeito institucional e não brincar com o exercício de cada um dos poderes essenciais ao funcionamento de um Estado de Direito.

Exige-se, nos tempos que correm, que o respeito e responsabilidade institucional se sobreponham a preocupações eleitorais.

Alguns dos mais altos responsáveis do Estado parecem ter esquecido que a separação de poderes caracteriza um Estado de Direito enquanto tal.

As lições de outros países como a Polónia, Hungria, Israel e a Turquia não foram aprendidas por uma parte da classe política portuguesa, que parece querer alimentar um confronto com o Ministério Público e o sistema de Justiça.

O quão longe vão os tempos em que se dizia à Justiça o que é da Justiça.

Fazendo recordar outros tempos passados, que levaram a questionar a justiça e produziram alterações legislativas precipitadas e muitas vezes inadequadas, existe na atualidade um clima de grande e crescente crispação entre os mundos da justiça e da política (alguns sectores da política).

As declarações da segunda figura do Estado, Presidente da Assembleia da República, bem como de diversas outras figuras do Estado e da política em geral são mais do que suficientes para fazer recear por aquilo que deve ser a separação de poderes num Estado de Direito.

As declarações do Presidente da Assembleia da República, porque se trata da segunda figura do Estado, assumem especial relevância, merecem uma análise cuidada e preocupação acrescida.

Não é a celeridade por si que é pedida, mas a celeridade em função de um critério político, pede-se a conclusão de uma investigação até a realização das eleições legislativas.

Não pode ser o poder executivo ou legislativo a fixar prazos, em função de timings da política, para a conclusão de inquéritos, nem a pressionar a conclusão de qualquer investigação. Num estado de direito os poderes executivo, legislativo e judicial (no qual se integra o Ministério Público) não devem interferir no funcionamento uns dos outros senão na estrita medida da lei.

Se aceitarmos esse tipo de condicionalismos, em função de eleições, sejam elas legislativas, europeias ou autárquicas, então iremos ter um Ministério Público (titular da ação penal) manietado, por esse calendário político, na sua atividade.

E, então, impõe-se perguntar:

onde fica a separação de poderes?

onde fica a independência do Ministério Público?

onde fica a independência do sistema de justiça?

onde fica o Estado de Direito?

Se aceitarmos tal condicionalismo político existem, necessariamente, consequências para o futuro.

Quando o Ministério Público tiver que iniciar uma investigação que envolva titulares de cargos públicos ou políticos, realizar diligencias de recolha de prova como buscas ou interceções telefónicas, constituir alguém como arguido, arquivar ou acusar, terá que olhar para o calendário eleitoral e abster-se de agir? Ou precipitar essa mesma atuação para não ser acusado de interferir na política?

Tal seria inaceitável num Estado de Direito e uma grosseira violação da separação de poderes.

Outro comentário preocupante da segunda figura do Estado diz respeito a uma alegada utilização excessiva das interceções telefónicas.

Desconheço que conhecimento tem o Presidente da Assembleia da República sobre o caso que lhe permita fazer tão comentário público, até porque o processo se encontra em segredo de justiça.

Mas, é de notar que as escutas são autorizadas e validadas por um juiz de instrução criminal que avalia se estão reunidos os pressupostos legais. Portanto, essa crítica vai recair não só sobre o Ministério Público, mas também sobre a magistratura judicial.

Por outro lado, Portugal, comparando com outros países europeus, tem um dos regimes mais restritivos e garantísticos no que respeita a esta matéria das interceções telefónicas (em diversos países a sua realização nem sequer está dependente de autorização e controle judicial).

As críticas relativas às detenções, realizadas para apresentação a interrogatório judicial, visando a aplicação de medidas de coação e validadas pelo juiz de Instrução criminal, atingiram o ponto do absurdo quando o Presidente da Assembleia da República pediu desculpas a um dos arguidos do processo pelos dias em que esteve detido (a aguardar e durante o decurso dos interrogatórios).

Ora, seguindo a mesma lógica, poderíamos ter a Procuradora-Geral da República a pedir desculpa pelos prejuízos causados aos cidadãos por atos legislativos falhados ou, então, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a pedir desculpas à sociedade por atos danosos causados pelo poder executivo.

Exige-se mais responsabilidade e respeito institucional e não brincar com o exercício de cada um dos poderes essenciais ao funcionamento de um Estado de Direito.

As recomendações do Conselho da Europa, através do Conselho Consultivo de Procuradores Europeus, parecem ter caído no esquecimento.

Relembremos que estas recomendações apontam no sentido de que a independência do Ministério Público é um pré-requisito para a independência do Judiciário e para a existência de um Estado de Direito e, como tal, deve ser encorajada e garantida.

Os procuradores devem ser autónomos no seu processo de decisão e devem desempenhar as suas funções livres de qualquer pressão externa ou interferência, considerando os princípios de separação de poderes e prestação de contas.

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