BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 26-06-2023 por Adão Carvalho, Presidente do SMMP
Ora, para além desta trapalhada toda na seleção nacional dos candidatos a Procurador Europeu, temos que estão atualmente indicados pelo Governo português para avaliação por um comité de seleção ao nível da UE, três candidatos, dois juízes e apenas um magistrado do MP
Após o processo de seleção e nomeação do primeiro Procurador Europeu português ter sido marcado pela polémica, o processo em curso deu já sinais evidentes de que vai pelo mesmo caminho.
O Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia, prevê no seu artigo 16º que cada Estado-Membro designe três candidatos para o cargo de Procurador Europeu de entre candidatos que: a) sejam membros no ativo dos serviços do ministério público ou da magistratura judicial do Estado-Membro pertinente; b) ofereçam todas as garantias de independência; e c) possuam as habilitações necessárias para serem nomeados para o exercício das mais altas funções judiciais ou de ministério público nos seus Estados-Membros e tenham experiência prática relevante dos sistemas jurídicos nacionais, de investigações financeiras e de cooperação judiciária internacional em matéria penal.
Após uma primeira fase de candidaturas junto dos conselhos superiores, do Ministério Público e da Magistratura Judicial, em que o primeiro apenas indicou um candidato e o segundo indicou dois que, entretanto, vieram a desistir, o Ministério da Justiça decidiu abrir novo processo de candidaturas.
Neste novo processo em que cada conselho superior deveria indicar três candidatos, o CSMP recusou-se a abrir nova fase de candidaturas, limitando-se a manter a indicação da primeira fase, enquanto o CSM, espasme-se, indicou quatro candidatos, em violação do disposto na Lei 112/2019, de 10 de setembro (que adaptou a ordem jurídica interna ao Regulamento (UE) 2017/1939).
Ora, para além desta trapalhada toda na seleção nacional dos candidatos a Procurador Europeu, temos que estão atualmente indicados pelo Governo português para avaliação por um comité de seleção ao nível da UE, três candidatos, dois juízes e apenas um magistrado do MP.
Cabe à Procuradoria Europeia investigar, instaurar a ação penal e deduzir acusação e sustentá-la na instrução e no julgamento contra os autores e seus cúmplices nas infrações penais lesivas dos interesses financeiros da União.
Coloca-se, então, a seguinte questão: competindo em exclusivo, em Portugal, ao Ministério Público, nos termos da Lei Fundamental e da lei processual penal, o exercício da ação penal, isto é, investigar, instaurar a ação penal, deduzir acusação e sustentá-la em juízo, como é que poderá ser nomeado um Procurador Europeu que não seja oriundo do Ministério Público?
A escolha de um juiz para o cargo não corresponderá a uma violação do artigo 67º, do TFUE, por desrespeitadora do sistema e tradição jurídicos de um EM, no caso Portugal?
Por outro lado, não tendo os juízes portugueses qualquer experiência e competência no exercício da ação penal, fará sentido irem exercer funções na Procuradoria Europeia, órgão supranacional, que apenas tem essa competência?
Queremos acreditar que a escolha apenas poderá recair sobre o único magistrado do Ministério Público indicado, por representar a única opção que respeita a identidade do sistema jurídico nacional.
Entretanto, cumpre desde já tirar ilações dos dois processos de seleção do Procurador Europeu.
A primeira é que o CSMP esteve mal ao não efetuar os esforços possíveis e necessários para que fossem indicados três magistrados do Ministério Público e se tenha quedado numa total passividade em todo este processo, desresponsabilizando-se do mesmo.
A segunda é que já é altura de o Governo propor a alteração da Lei 112/2019, retirando da mesma a possibilidade de o Conselho Superior da Magistratura indicar candidatos, compatibilizando a referida lei com o nosso sistema interno, sem deixar de adaptar a ordem jurídica interna ao Regulamento da UE, porque nenhuma obrigação resulta do mesmo no sentido de os EM terem obrigatoriamente que abrir o processo de candidatura aos juízes.