Sistemas Informáticos para o futuro da Justiça

03/12/2024

Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

Suscitam-se sérias inquietações quanto à segurança e confiabilidade dos dados armazenados nos sistemas informáticos da justiça. Estas preocupações advêm do facto de a gestão destes sistemas estar atribuída a uma entidade externa ao sistema judicial.
A eficácia dos sistemas informáticos da justiça em Portugal enfrenta desafios significativos.

É necessária a definição conjunta de prioridades e de coordenação eficaz entre as diversas entidades do sistema judicial. Esta lacuna constitui um obstáculo considerável ao desenvolvimento de serviços interoperáveis, os quais são fundamentais para uma justiça moderna e eficiente.

Suscitam-se sérias inquietações quanto à segurança e confiabilidade dos dados armazenados nos sistemas informáticos da justiça. Estas preocupações advêm do facto de a gestão destes sistemas estar atribuída a uma entidade externa ao sistema judicial – o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) – que se encontra na dependência direta do Ministério da Justiça (não, como tudo recomendaria, na dependência dos Conselhos Superiores da Magistratura).

A coexistência de sistemas antigos, como o CITIUS e o SITAF, com novas iniciativas digitais dificulta a modernização do sistema judicial.

Os principais sistemas informáticos utilizados pela justiça em Portugal são o CITIUS, sistema da jurisdição comum, e o SITAF, sistema dos tribunais administrativos e fiscais, que são essenciais para o funcionamento dos tribunais e são geridos pelo IGFEJ (os equipamentos que suportam estes sistemas estão alojados num datacenter externo).

Atualmente, na jurisdição comum, o sistema de justiça funciona com base no acima referido CITIUS, plataforma informática criada em 2007 e que contribuiu significativamente, numa fase inicial, para a desburocratização e eficiência do sistema judicial português, resultando em processos mais rápidos. Contudo, sendo inovador na data da sua criação já não o é agora e, apesar de sucessivas atualizações, mostra-se datado no tempo (como qualquer sistema informático com quase 20 anos), lento e com diversas falhas. Por outro lado, sempre foi uma ferramenta muita mais vocacionada para a utilização por parte das secretarias judicias e magistrados judiciais do que pelo Ministério Público e seus magistrados.

Entra hoje em vigor a portaria n.º 266/2024/1 de 15 de outubro, que alargou as regras de tramitação eletrónica aos processos e procedimentos que correm termos nos serviços do Ministério Público, bem como aos atos que lhe são legalmente atribuídos.

Ora, o CITIUS não responde às necessidades do Ministério Público na fase de inquérito do processo penal e, como tal, não deixa de ser preocupante que o alargamento da tramitação eletrónica aos processos penais na sua fase de inquérito, que hoje se inicia, implique a sua utilização nos diversos Departamentos de Investigação e Ação Penal.

A eficácia, eficiência e celeridade da atuação do Ministério Público estão dependentes, entre outras coisas, da existência de redes estáveis, seguras e rápidas e de um sistema informático seguro, robusto, com as funcionalidades necessárias para o trabalho desenvolvido nos inquéritos (na investigação criminal) e assegurando todas as ligações necessárias (interoperabilidade), além do mais, aos sistemas informáticos usados pelas polícias e institutos encarregues da realização de perícias (ex.: perícias médico-legais).

A Procuradoria-Geral da República desenvolveu uma ferramenta informática inovadora chamada Pro-MP, especificamente projetada para otimizar a fase de inquérito. Esta aplicação representa um avanço significativo, prometendo aumentar substancialmente a eficiência e a celeridade da atuação do Ministério Público. Embora o Pro-MP esteja tecnicamente concluído, a sua implementação enfrenta desafios devido à falta de autonomia financeira do Ministério Público. Consequentemente, a operacionalização desta ferramenta crucial depende da alocação de recursos por entidades externas, o que pode impedir ou atrasar sua adoção e limitar o potencial de modernização.

O CITIUS mostra-se incapaz de ser o motor do desenvolvimento necessário aos serviços do Ministério Público, nomeadamente na capacidade de agregação de informação e na utilização de inteligência artificial como auxiliar dos magistrados.

A questão crucial é: devemos continuar a adaptar sistemas desatualizados ou investir em soluções avançadas (no caso do Ministério Público já desenvolvidas) que assegurem interoperabilidade e a utilização de soluções de inteligência artificial como ferramentas de auxílio dos magistrados.

A modernização tecnológica é essencial para preparar o futuro da justiça em Portugal, permitindo uma atuação mais eficaz e eficiente do Ministério Público.

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