
SÁBADO, 12-09-2023 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP
Existem distintos intervenientes nas diversas fases do processo penal (inquérito, Instrução ou Julgamento), desempenhando cada um deles um papel específico que decorre das suas funções e que garantem, no conjunto, um processo justo, imparcial e conduzido de acordo com a lei.
Em primeiro lugar, os magistrados judiciais, cuja intervenção pode ocorrer como juiz na fase de inquérito (intervenção limitada a situações em que estejam em causa por exemplo interceções telefónicas ou buscas domiciliárias), como juiz de instrução (em que vai proferir uma decisão de pronúncia ou despronúncia) ou como juiz de julgamento (em que o tribunal, funcionando como coletivo, com três juízes, ou como singular, com um só juiz, vai realizar a audiência de julgamento e, no final, proferir uma sentença/acórdão).
Em segundo lugar, os magistrados do Ministério Público que em fase de inquérito são titulares e responsáveis pela investigação e que têm intervenção nas fases subsequentes de instrução e julgamento, sustentando a acusação proferida, mas em obediência aos princípios da legalidade e objetividade.
Em terceiro lugar, os oficiais de justiça, de que tanto se tem falado ultimamente, que são responsáveis por um vasto conjunto de funções essenciais ao funcionamento do nosso sistema de justiça (em particular no crime os técnicos de justiça que exercem funções nos serviços do Ministério Público). Em sede de julgamento, além do mais relevante, mantêm o registo oficial do julgamento, garantindo que todas as decisões e documentos sejam adequadamente arquivados e comunicadas as decisões do tribunal às partes envolvidas.
Em quarto lugar, os advogados, cuja intervenção pode ocorrer do lado da defesa do(s) arguido(s) ou do lado das vítimas/assistentes, sendo que representando arguidos procuram proteger os interesses e direitos destes e representando os assistentes (as vítimas e outros que têm interesse direto no processo), procuram, além do mais, garantir que os danos causados pelo crime sejam devidamente reconhecidos e reparados. Têm também um papel fundamental no sistema de justiça em Portugal.
Em quinto lugar, os arguidos, pessoas que são objeto de investigação, contra quem foi apresentada uma queixa ou denúncia (consoante a natureza do crime) ou em relação a quem são conhecidos oficiosamente factos que consubstanciam crimes públicos. Concluída a investigação e encerrado o inquérito pode ser contra eles deduzida uma acusação e serem objeto de julgamento, enfrentando acusações criminais. Eles têm o direito de permanecer em silêncio, se o desejarem, e o direito de ser representados por um advogado.
Em sexto, os ofendidos/assistentes, que são pessoas que foram vítimas de um crime ou têm interesse direto na ação penal. Os ofendidos têm o direito de se constituir como assistentes no processo e ser representados por advogados.
Em sétimo, os peritos, especialistas em determinada área, que vão auxiliar o tribunal em matérias que impõem conhecimentos específicos. Estamos a falar de especialistas em áreas específicas, como medicina forense, balística, psicologia, entre outras. Eles podem ser chamados para apresentar pareceres técnicos e científicos sobre evidências relevantes para o caso.
Por fim, em último, as testemunhas que são indicadas nas peças processuais relevantes da acusação ou defesa (e cuja audição seja admitida) ou, ainda, aquelas que o juiz, que preside ao julgamento, entenda dever ouvir para a descoberta da verdade material.
As testemunhas desempenham um papel fundamental na busca da verdade e na administração da justiça.
Pode ser chamada para participar como testemunha qualquer pessoa que tenha conhecimento direto de factos importantes para o processo, isto é, que tenha presenciado o crime ou saiba de algo relevante para a descoberta da verdade.
A capacidade para ser testemunha existe desde que esta tenha aptidão mental para depor sobre os factos que constituam objeto da prova e a recusa só é válida nos casos expressamente previstos na lei.
O artigo 128.º do Código de Processo Penal, delimita quem pode/deve ser testemunha, estabelecendo o objeto e limites do depoimento. No seu n.º 1 estabelece que a testemunha “é inquirida sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto da prova” e no n.º 2 prevê esclarecimentos “sobre factos relativos à personalidade e ao carácter do arguido, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta anterior”.
Existem, no entanto, restrições quanto a quem pode ser testemunha e pessoas que se podem recusar validamente a testemunhar.
Podem recusar-se a depor como testemunhas: “Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2.º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido; Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação; O membro do órgão da pessoa coletiva ou da entidade equiparada que não é representante da mesma no processo em que ela seja arguida” (artigo 134.º do Código de Processo Penal).
Há ainda que ter em conta os advogados e outros profissionais que estejam sujeitos a dever de sigilo profissional em relação aos factos em questão e que podem escusar-se a depor sobre factos por ele abrangidos. As testemunhas não podem também ser inquiridas sobre factos que constituam segredo de estado.
Em julgamento as testemunhas são questionadas pelo Juiz, pelo magistrado do Ministério Público e pelos advogados. As respostas das testemunhas ajudam a estabelecer os factos e a esclarecer as circunstâncias do crime.
Aparentemente existe uma nova “tendência” que consiste em indicar magistrados responsáveis pela investigação como testemunhas.
Embora não exista uma proibição legal expressa, fará algum sentido que o magistrado responsável por uma investigação e acusação subsequente possa ser ouvido como testemunha no julgamento dos factos/crimes em causa? E deverá o juiz de julgamento admitir tal depoimento?
Ora, as testemunhas deverão ser apenas aquelas pessoas que têm conhecimento direito dos factos que serão objeto de julgamento e, em princípio, os magistrados não presenciaram os factos e o conhecimento que têm é aquele que lhes advém do exercício das suas funções.
Acresce que esses mesmos magistrados do Ministério Público poderão até, no exercício das suas funções, ter que representar o Ministério Público na fase de julgamento ou auxiliar o magistrado que representará o Ministério Público na fase de julgamento. O magistrado não pode ser testemunha e inquirido pelos magistrados e advogados e, ao mesmo tempo, estar em representação do Ministério Público no julgamento.
A decisão final da admissibilidade do depoimento, como testemunha, de um magistrado do Ministério Público que conduziu uma investigação cabe ao juiz de julgamento e deverá ser sempre muito bem ponderada (caberá sempre a quem indica a testemunha informar o tribunal sobre o motivo que leva a indicar um magistrado responsável por uma investigação como testemunha nesse próprio processo, até porque em princípio este não tem conhecimento direto sobre os factos objeto do julgamento).
As testemunhas desempenham um papel crucial no sistema de justiça penal de Portugal, contribuindo para a busca da verdade e garantindo um julgamento justo. É importante que as testemunhas forneçam informações precisas e honestas ao tribunal para que a justiça seja adequadamente servida. E é igualmente importante que quem indica testemunhas para serem ouvidas em julgamento o faça porque estas têm conhecimento direto dos factos em apreciação.