Trabalho extra pago? Se e quando o Ministério da Justiça quer!
Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
A acumulação de serviço por parte dos magistrados do Ministério Público é um instrumento de mobilidade e gestão processual e destina-se a satisfazer necessidades pontuais de serviço.
Contudo, atenta a constante falta de magistrados do Ministério Público, aquilo que era pontual tornou-se usual.
Apesar da excecionalidade, conferida pela lei, o certo é que, por todo o país, com maior incidência no Porto e Lisboa, tem-se recorrido a este instrumento para se suprir necessidades reais e efetivas de serviço. Necessidades conhecidas da Procuradoria Geral da República e do
Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e que, dada a sua recorrência, ano após ano, são também inevitavelmente do conhecimento do Ministério da Justiça.
Acontece que os magistrados do Ministério Público, defensores dos trabalhadores nos tribunais de trabalho, não têm eles próprios vindo a ser pagos pelo trabalho extraordinário desempenhado.
Na verdade, os magistrados em acumulação de serviço (que até pode não ser voluntária) recebem mal e muito tardiamente o pagamento, o que apenas acontece por falta de autonomia financeira do Ministério Público (existe uma muito limitada autonomia financeira da Procuradoria Geral da República) e, no mínimo, por desleixo por parte do Ministério da Justiça.
A autorização para acumulação de serviço é dada pelo Conselho Superior do Ministério Público, mas o pagamento é realizado pela Direção Geral da Administração da Justiça (DGAJ), entidade dependente do Ministério da Justiça.
Os dados estatísticos analisados no estudo realizado permitem concluir que em média desde o tempo em que o magistrado começa a acumular funções até ao pagamento pela DGAJ medeiam 891 dias – ou seja, 2 anos, 5 meses e 11 dias!
O tempo médio entre a ordem de serviço do superior hierárquico e a deliberação/acórdão do CSMP que determina a acumulação de funções é de 196 dias.
Por sua vez, o tempo médio entre a emissão do parecer do CSMP que fixa a proporção mensal da remuneração a receber e o despacho do Ministério da Justiça de fixação do pagamento pela acumulação de funções é de 216 dias.
E, finalmente, o tempo médio entre o despacho do Ministério da Justiça de fixação do pagamento e o efetivo pagamento pela DGAJ é de – pasme-se – 479 dias.
Esta situação é manifestamente incomportável.
O Estatuto do Ministério Público estabelece que pelo exercício de funções em regime de acumulação ou de substituição que se prolongue por período superior a 30 dias seguidos ou 90 dias interpolados no mesmo ano judicial, é devida remuneração em montante a fixar pelo membro do Governo responsável pela área da justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público (o estatuto dos magistrados judiciais, por força da autonomia financeira do CSM, estabelece que a remuneração é fixada por este), que tem como limites um quinto e a totalidade da remuneração.
Apesar do paralelismo das magistraturas, a circunstância de o Conselho Superior da Magistratura dispor de autonomia financeira, permite-lhes decidir o pagamento imediato, pelo mínimo legal, aos juízes mal comecem a exercer funções.
Na prática, um juiz e um procurador que iniciam uma acumulação de serviço ao mesmo tempo, são pagos com cerca de 2 anos de diferença.
Ou seja, o juiz recebe de imediato 1/5, enquanto que o procurador terá de aguardar todo aquele procedimento até começar a receber, se e quando receber!
Os magistrados do Ministério Público não podem aceitar esta discrepância que coloca em causa o próprio paralelismo das magistraturas.
Com efeito, nenhum normativo exige que o magistrado tenha de aguardar até ao fim da acumulação para ter direito de receber.
Não se diga que o pagamento de 1/5 da remuneração (ainda durante o período em que decorre a acumulação e sem prejuízo de se proceder, em momento posterior, ao cômputo correto) é um adiantamento ou uma prestação compensatória aleatória.
Não é um adiantamento porque o magistrado já está a prestar o serviço que lhe acresce às funções originais, portanto se está a trabalhar mais, tem direito a receber mais.
Também não se trata de uma compensação aleatória porque o direito a 1/5 do vencimento resulta claramente do texto legal.
Não é exigível impor aos magistrados este acréscimo de trabalho, sem que sejam, devida e atempadamente, compensados por tal esforço.
O Ministério da Justiça não pode proceder ao pagamento do trabalho extra dos magistrados quando lhe apetece, prejudicando-os e fazendo com que não queiram, em cada vez maior número, suportar esta sobrecarga de trabalho que – pela falta de magistrados em número suficiente – lhes é imposta.