OPINIÃO
BOLSA DE ESPECIALISTAS
05.07.2021

A proposta apresentada constitui mais um ensaio velado por parte do poder político de tentar, por via da revisão da carreira dos oficiais de justiça, imiscuir-se no exercício da função jurisdicional e na atividade do ministério público e dessa forma dar mais um passo no processo de administrativização do sistema de justiça

O Ministério da Justiça publicou para apreciação pública uma proposta de estatuto dos oficiais de justiça.

A proposta para além de destruir por completo a possibilidade de os oficiais de justiça terem acesso a uma carreira digna, devidamente remunerada, motivante, que tenha em conta as especificidades do serviço prestado nos tribunais, o dever de reserva que sobre os mesmos impende, a exigência de competências próprias e diversas dos demais serviços do Estado, constitui uma clara invasão da independência dos tribunais e da autonomia do Ministério Público.

Prescreve o art.º 6º do mesmo projeto que compete ao oficial de justiça, da categoria de técnico superior de justiça, para além do mais, proferir despachos de mero expediente, no exercício de competência própria atribuída por lei ou, não sendo esse o caso, por delegação do magistrado (al. b); preparar a agenda dos serviços a efetuar (al. c); colaborar na preparação de processos em fase de inquérito (al. e); colaborar na preparação de processos para julgamento.

Sempre que as necessidades do serviço o justifiquem, em cada comarca ou em cada zona geográfica da jurisdição administrativa e fiscal, o juiz presidente e o magistrado do Ministério Público coordenador, ouvido o administrador judiciário, podem designar técnicos superiores de justiça para o exercício exclusivo de funções de assessoria técnica aos magistrados (n.º 2 do art.º 6º).

Ora, tais disposições legais pressupõem que ao oficial de justiça ficam cometidas funções jurisdicionais e do ministério público, que poderão decorrer diretamente da lei ou da delegação dos poderes pelos magistrados.

Tal representa uma clara violação do princípio da separação de poderes.

A carreira de oficial de justiça está subordinada ao poder executivo, atenta a natureza de serviço central do Ministério da Justiça, atribuída à DGAJ, quer na colocação, quer na execução do serviço, quer na exoneração.

Os oficiais de justiça estão sujeitos ao dever de obediência, o qual consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, que estão na dependência do poder executivo.

A dependência funcional dos oficiais de justiça à DGAJ impede, por violação do princípio da separação de poderes constitucionalmente consagrado, a prolação de despachos (ainda que de mero expediente) ou a prática de atos nos processos judiciais, por estes trabalhadores dos tribunais.

A magistratura judicial e do ministério público sempre reivindicaram a existência da figura do assessor, para a prática de atos de mero expediente, para colaborar na preparação dos processos e para apoio na pesquisa de legislação, jurisprudência e doutrina necessários às decisões e promoções.

Porém, tais assessores, têm de estar na dependência dos respetivos conselhos superiores, de forma a garantir a independência dos Tribunais e a autonomia do Ministério Público, não podendo tais funções serem atribuídas a funcionários que se encontram na dependência do poder executivo.

A proposta apresentada constitui mais um ensaio velado por parte do poder político de tentar, por via da revisão da carreira dos oficiais de justiça, imiscuir-se no exercício da função jurisdicional e na atividade do ministério público e dessa forma dar mais um passo no processo de administrativização do sistema de justiça.

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