SÁBADO, 06-07-2021 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP

Desconhecendo, em concreto, a quê ou a quem se referia a Senhora Procuradora-Geral da República, não posso deixar de saudar que assuma frontalmente a defesa da instituição que dirige.

Existe uma expressão popular que diz que “o pior cego é aquele que não quer ver”. Esta expressão teve origem em França, Nimes, quando em 1647 o doutor Vicent de Paul D’Argenrt, fez o primeiro transplante de córnea a um aldeão de seu nome Angel. Essa operação foi um sucesso para a Medicina da época. Contudo, Angel, que passou a ver o mundo como ele era, ficou horrorizado com o que via. Disse que o mundo que ele imaginava era muito melhor e pediu ao cirurgião que lhe arrancasse os seus olhos. Angel entrou para a história como o cego que não quis ver.

É preciso que quem lidera o Ministério Público e quem gere os seus destinos compreenda o sentimento que percorre os Magistrados do Ministério Público nos tempos que correm.

Os Magistrados do Ministério Público são os primeiros a – pelo seu comportamento/conduta/elevação – prestigiar a instituição no dia-a-dia e dar resposta efetiva ao que a sociedade espera do Ministério Público, mesmo contra todas as marés e tempestades (algumas internas e que tão pouco nos prestigiam e elevam aos olhos da sociedade).

 Mas o que verdadeiramente sentem os Magistrados do Ministério Público nos últimos tempos:

Ansiedade perante um movimento de magistrados que tardou a ser organizado e agora tarda em ser conhecido (em versão final e oficial) com todo o inerente transtorno pessoal, profissional e familiar;

Frustração perante a incapacidade do Conselho Superior do Ministério Público em organizar atempadamente um Movimento que cumpra as regras estatutárias e regulamentares existentes (com capacidade de previsão dos problemas e com pró-atividade);

Perplexidade perante algumas propostas, votações e decisões dos Conselheiros do Conselho Superior do Ministério Público, de que é exemplo a recente eleição do Procurador-Regional do Porto;

Desilusão perante a incapacidade de a Procuradora-Geral da República assumir publicamente a enorme carência de Magistrados que já se encontra a influenciar negativamente o iminente resultado do procedimento de concurso; e

Descrença perante o futuro e a capacidade de o Ministério Público (sem que nada mude) dar uma resposta efetiva às necessidades da sociedade.

            *

O Conselho Superior do Ministério Público é o órgão constitucional supremo do Ministério Público, colegial e plural na sua composição, dotado de poderes de gestão e de controlo interno da atividade e iniciativa do Ministério Público e é presidido pela Procuradora-Geral da República.

Algumas decisões/indecisões recentes do Conselho Superior do Ministério Público não podem deixar de causar alguma perplexidade aos olhos dos Magistrados do Ministério Público e até aos olhos do cidadão comum.

No momento em que escrevo este artigo um grande número de Magistrados do Ministério Público ainda aguarda, com ansiedade e expectativa, que seja divulgado o resultado do procedimento de concurso – movimento de Magistrados do Ministério Público – que já deveria nesta data ser público e definitivo, de modo a permitir a quem é deslocado das comarcas onde se encontra (deslocações que se prevê possam ser em grande número) organizar atempadamente a sua vida (encontrar escola para filhos que se desloquem; encontrar uma habitação na  área da comarca onde irá exercer a sua função…).

Se verificarmos o último boletim do Conselho Superior do Ministério Público novas perplexidades nos surgem.

Foi realizada a nomeação, em comissão de serviço, do Procurador Geral-Regional do Porto.  A própria proposta causava logo uma enorme perplexidade pelo facto de apenas um dos nomes propostos ao CSMP ter sido objeto de fundamentação e os outros dois não reunirem os requisitos de facto para o preenchimento do cargo.  Quando era suposto ter, em respeito das funções do CSMP, sido dada aos Conselheiros uma real possibilidade de analisar 3 candidatos, respetivos currículos e escolher o melhor (que até poderia ter sido o mesmo…o que aqui não se coloca em causa; nem muito menos a sua competência ou idoneidade para o exercício do cargo).

Depois, na votação que procedeu a eleição do Procurador Regional do Porto (eleição que contou com 6 votos contra e 9 declarações de voto), encontramos declarações de voto que referem expressamente que o Conselho Superior do Ministério Público não pode ver esvaziada a sua capacidade decisória, sendo na prática impossibilitado de proceder à nomeação para o cargo de Procurador-Geral Regional (assente numa ponderação de três candidaturas viáveis e concretas a tal cargo). Tratou-se de uma nomeação efetuada com clara violação de Lei e com a preterição das competências e poderes do Conselho Superior do Ministério Público.

Outras declarações de voto, de modo que confesso me causa alguma estranheza, entenderam que incumbia à Senhora Procuradora-Geral da República “apresentar o nome de três candidatos com perfil adequado para o exercício das funções”, com “disponibilidade para aceitar o cargo” e que “não foi o que se verificou na presente situação em que a proposta de dois dos nomes não foi sequer fundamentada”. Contudo, perante tal ilegalidade – por incumprimento do Estatuto do Ministério Público no seu artigo 173.º – não votaram contra, invocando prejuízos para a Procuradoria Regional do Porto pela não nomeação e o facto de se tratar de “Magistrado muito distinto e considerado…com perfil adequado”.

Com todo o respeito pelas posições expressas por estes Conselheiros, achamos difícil de entender que se sustente que algo (o procedimento administrativo seguido) é ilegal, mas, ao mesmo tempo, se vote a seu favor (porque se trata de um Magistrado distinto e invocando que a sua não nomeação traria prejuízos para a Procuradoria Regional).

Ora, maior prejuízo traz para a imagem do Ministério Público toda a atuação em causa, isto é, a validação do procedimento ilegal e a menorização/descredibilização das funções que são próprias do Conselho Superior do Ministério Público.

Como disse o Primeiro Ministro Português recentemente, em discurso de encerramento/balanço da Presidência Portuguesa da União Europeia, a credibilidade das instituições depende da sua capacidade de cumprimento das regras que a vinculam. Não há nada pior para a credibilidade das instituições que regras que não são cumpridas.

Um dos Conselheiros que votou contra deixou claramente expressa a sua posição entendendo que o “procedimento de provimento de lugar de procurador-geral regional, desenvolve-se em dois actos decisórios essenciais:  Um primeiro acto decisório, da competência exclusiva do Procurador-Geral da República, que consiste em elaborar uma proposta a apresentar ao Conselho Superior do Ministério Público, com pelo menos 3 nomes de procuradores-gerais adjuntos que decide de forma fundamentada selecionar para apresentar, com tal fundamentação, à nomeação pelo Conselho Superior do Ministério Público. Um segundo acto decisório, da competência exclusiva do Conselho Superior do Ministério Público, que consiste em proceder à nomeação, por voto secreto, de um dos nomes propostos, para Procurador-Geral Regional…a proposta não pode consistir apenas na indicação de um nome da sua preferência e na indicação de outros dois para cumprir uma mera formalidade…porque impede o Conselho Superior do Ministério Público de exercer a sua exclusiva competência de fazer uma verdadeira e fundamentada escolha, de forma não condicionada e isenta”. Conclui o mesmo voto de vencido que “a proposta apresentada, ao assumir claramente que os outros dois nomes serviam apenas para cumprir uma mera formalidade, encerra uma visão de distribuição de competências entre o cargo de Procurador-Geral da República e as do Conselho Superior do Ministério Público, órgão superior de gestão e disciplina, e de composição plural de com legitimidade democrática, que não tem suporte no Estatuto do Ministério Público e que põe em causa o equilíbrio dessas competências”.

Ora, perante o exposto, como olham os Magistrados do Ministério Público para a sua Magistratura, para a Procuradoria-Geral da República e para o Conselho Superior do Ministério Público.

Que credibilidade conferem os Magistrados ao Conselho e à Procuradoria-Geral, na análise de futuras situações de ilegalidade ou violações procedimentais, perante a posição deixada expressa.

Ora, como refere José Saramago, na epígrafe da sua obra Ensaio sobre a cegueira, “Se podes olhar, vê, Se podes ver repara”.

* É perigoso e nocivo para a Magistratura do Ministério Público (e indiretamente para a sociedade), que me orgulho de integrar, a permanência deste sentimento de desilusão, descrença no futuro, frustração com os resultados dos procedimentos concursais e falta de confiança no regular, atempado, legal e justo funcionamento das instituições da Procuradoria-Geral da República e do Conselho Superior do Ministério Público.

É necessário que a confiança dos Magistrados volte e, para tal, é necessário mudar velhos hábitos, agir pró-ativamente e assumir clara e publicamente a tremenda falta de Magistrados como um problema, que se irá agravar ainda mais com as jubilações próximas e procedimentos de acesso a PGA.

Sem mudar o caminho da descrença irá prosseguir.  

* Nota final: Foi noticiado pela Comunicação Social, no dia de ontem, que a Senhora Procuradora-Geral da República, no discurso de tomada de posse do Procurador-Geral Regional do Porto, assumiu a defesa do Ministério Público contra aquilo que qualificou de “investidas espúrias, se não mesmo assassinas”. Desconhecendo, em concreto, a quê ou a quem se referia a Senhora Procuradora-Geral da República, não posso deixar de saudar que assuma frontalmente a defesa da instituição que dirige, esperando que tal corresponda a uma nova postura de tomada de posição pública na defesa dos Magistrados do Ministério Público (que não se limite a constatar alguma perplexidade), na defesa da instituição Ministério Público (perante os múltiplos ataques de que é vítima vindos de vários sectores públicos), no combate à situação de enorme carência de Magistrados e na defesa da legalidade em todos os procedimentos concursais.  Se é esse o caso, Senhora Procuradora-Geral bem-vinda ao combate pela credibilização do Ministério Publico.

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