Uma Greve Inevitável: As Causas Profundas da Luta dos Magistrados do MP

Jornal Expresso
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
Há muito tempo que existe uma carência de magistrados do Ministério Público em todas as 23 comarcas do país, uma situação que não tem sido colmatada pelo reduzido número de novos magistrados que ingressam na carreira e concluem a sua formação no Centro de Estudos Judiciários, a escola responsável pela formação dos magistrados judiciais e do Ministério Público.
No passado dia 21 de junho, os magistrados do Ministério Público, reunidos em Assembleia Geral Extraordinária do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), recomendaram à Direção a convocação de uma greve nacional para os dias 9 e 10 de julho, bem como de greves regionais a realizar nos dias 11, 14 e 15 de julho, abrangendo as regiões de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.
Antes de mais, importa compreender como e por que razão chegámos a esta situação, e, posteriormente, o que é necessário para que não volte a repetir-se.
Há muito tempo que existe uma carência de magistrados do Ministério Público em todas as 23 comarcas do país, uma situação que não tem sido colmatada pelo reduzido número de novos magistrados que ingressam na carreira e concluem a sua formação no Centro de Estudos Judiciários, a escola responsável pela formação dos magistrados judiciais e do Ministério Público.
A esta insuficiência junta-se o facto de todos os anos, um número crescente de magistrados entrar em baixa por motivos de saúde, frequentemente relacionados com doenças profissionais e burnout, sendo substituídos por magistrados integrados no chamado quadro complementar. Contudo, o número de magistrados disponíveis neste quadro é insuficiente para cobrir todas as ausências.
Além disso, muitos magistrados usufruem legitimamente da licença parental em benefício dos seus filhos, o que também exige substituições temporárias. Mais uma vez, o quadro complementar revela-se insuficiente para suprir estas necessidades.
Esta carência de magistrados obriga os restantes a suportar uma carga de trabalho excessiva, que tentam compensar trabalhando frequentemente durante a noite, feriados e fins de semana.
Este excesso de trabalho e a falta de descanso conduzem à exaustão, afetando gravemente o bem-estar físico e psicológico dos magistrados, como demonstra claramente o estudo sobre burnout realizado pelo Observatório da Justiça.
Sendo que a maioria dos magistrados do Ministério Público não dispõe de medicina do trabalho, nem de gabinetes de acompanhamento psicológico ou de
saúde ocupacional, muitos já se encontram em situação de burnout, ainda que sem diagnóstico formal.
Perante este cenário, qual foi a resposta do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP)?
Na deliberação que aprova o movimento anual dos magistrados, procurou ocultar a grave falta de recursos humanos, sacrificando os magistrados em funções, comprometendo a especialização — essencial para o desempenho qualificado das funções do Ministério Público — e prejudicando o serviço prestado aos cidadãos.
O CSMP procedeu à extinção de lugares de efetivo, agregou vagas a concurso e alargou, de forma transversal, o conteúdo funcional de muitos desses lugares, combinando competências de diferentes áreas. Caso esta medida se mantenha, deixaremos de contar com uma magistratura especializada em domínios fundamentais – como a família e menores – para passarmos a dispor de uma magistratura multifuncional e generalista, à qual será exigido o tratamento de processos de natureza muito diversa. Um procurador que, nos últimos 15 anos, se dedicou à proteção de crianças e jovens não está preparado para despachar inquéritos de violência doméstica ou de criminalidade económica complexa. O resultado inevitável será a perda de qualidade no trabalho especializado que até aqui tem vindo a ser desenvolvido, comprometendo, em simultâneo, a resposta na área criminal.
Para ilustrar, é como se um hotel tivesse 100 trabalhadores para fazer o trabalho de 150 e, como não pode contratar mais, dissesse aos rececionistas que, a partir daquele momento, terão de gerir simultaneamente quatro hotéis e ainda desempenhar funções de canalizador e eletricista.
Estas foram as razões que levaram 75% dos magistrados do Ministério Público a subscrever uma carta aberta, solicitando a anulação da deliberação do movimento. Paralelamente, motivaram também a aprovação, em Assembleia Geral do SMMP, de uma recomendação à Direção para a convocação de greves nacionais e regionais — uma medida que os magistrados prefeririam evitar, mas para a qual se viram forçados devido à intransigência de alguns e à prolongada inação política de muitos ao longo dos anos.
Esta greve é uma ação em defesa dos cidadãos, destinatários finais do trabalho do Ministério Público, que exigem uma intervenção de qualidade e especializada nas diversas áreas de atuação da magistratura, como trabalho, família e menores, cível, comercial, execução, penal, administrativo e tributário. Garantir um serviço público de excelência, qualificado e especializado, é essencial para assegurar justiça eficaz e adequada às necessidades da sociedade.
Simultaneamente, este movimento é um apelo urgente à Procuradoria-Geral da República, ao Conselho Superior do Ministério Público e ao Ministério da Justiça para que reconheçam a exaustão dos magistrados, muitos em risco elevado de burnout, agravada pela falta de medicina no trabalho, pela precariedade resultante da extinção de lugares e da conversão de cargos efetivos em auxiliares, e pela desvalorização da especialização. Defender o bem-estar físico e psicológico dos magistrados é fundamental para que possam continuar a responder eficazmente às exigências do seu papel social.
Para prevenir futuras greves, é essencial alterar o atual modelo de gestão de quadros, que tem contribuído para a precarização da carreira dos magistrados (os magistrados colocados como auxiliares são obrigados a concorrer anualmente, mesmo aos seus próprios lugares). É também crucial reconhecer que o número de magistrados é insuficiente para cobrir todas as vagas disponíveis e evitar a supressão, fusão ou agregação de lugares e áreas distintas. Adicionalmente, impõe-se a abertura urgente de um curso especial de formação destinado a cerca de 120 magistrados do Ministério Público, de forma a suprir as necessidades identificadas.