BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 17-04-2023
por Adão Carvalho, Presidente do SMMP
Terá a sociedade portuguesa essa mesma consciência? Terá capacidade de resistir às campanhas de desinformação constantes orquestradas por quem não quer uma justiça independente e igual para todos?
Milhares de israelitas saíram à rua, durante várias semanas consecutivas, contra as medidas de reforma da justiça propostas pelo Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu, designadamente no sentido de alterar o processo de nomeação de juízes; impedir que o Supremo Tribunal invalide qualquer nova lei fundamental aprovada pelo Parlamento; e a introdução de uma cláusula de “anulação” que permite ao Parlamento vetar certas decisões da Suprema Corte por maioria simples.
O projeto de reforma foi anunciado no início de janeiro pelo Governo, formado em dezembro por Netanyahu com partidos de extrema direita e formações judaicas ultraortodoxas.
A sociedade israelita ou, pelo menos, uma grande parte dela, tem perfeita consciência que a independência do sistema judiciário é um pressuposto nuclear do Estado de direito, é em última instância um garante da própria democracia.
Pelos vários quadrantes do mundo temos assistido à emergência de tendências políticas que, ancoradas num discurso fácil e populista, acusam o sistema judiciário de ser um entrave ao progresso económico; ao exercício dos poderes legislativo e executivo, únicos com legitimidade democrática; de lentidão e falta de eficácia; de as magistraturas serem corporativistas e os magistrados privilegiados.
No próprio seio da UE, não obstante ter consagração expressa no artigo 2º do Tratado, como um valor comum a todos os Estados-Membros, pressupondo que os poderes públicos só podem agir dentro dos limites impostos por lei, em conformidade com os valores da democracia e dos direitos fundamentais, sob a supervisão de tribunais independentes e imparciais, as reformas judiciárias na Hungria, primeiro, e na Polónia logo a seguir, revelam que os valores até então tidos como consensuais, não o são por todos os Estados-Membros e que o caminho traçado pode ser reversível.
As manifestações da sociedade israelita denotam uma consciência cívica de que este não é um problema das magistraturas; que a independência de juízes e procuradores, não é um privilégio; que se trata de lutar por uma sociedade livre e com direitos e pela própria democracia.
Mas terá a sociedade portuguesa essa mesma consciência? Terá capacidade de resistir às campanhas de desinformação constantes orquestradas por quem não quer uma justiça independente e igual para todos?
Queremos acreditar que sim.
A independência do sistema judiciário é a única forma de dar efetividade aos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição; de garantir que a justiça é para todos e um garante da igualdade de todos perante a lei.
Que nacionais ou estrangeiros em Portugal possam ter uma instância independente que os proteja de intervenções abusivas e arbitrárias da administração pública.
Um Ministério Público independente e isento de ingerências políticas indevidas constitui um elemento fundamental para a preservação da independência judicial, como tem reconhecido o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Temos que ser vigilantes e assumir que a independência do sistema judiciário é uma responsabilidade de todos e pela qual todos devemos lutar.
É o oxigénio de uma sociedade livre e democrática.