A internet, as crianças e os jovens

07/04/2025

Revista Visão
Pedro Nunes
Procurador da República, Presidente da Regional de Coimbra do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

É crescente e cada vez mais precoce a utilização da internet e das redes sociais por parte das crianças e jovens, aliada a uma reduzida, inexistente e/ou ineficiente supervisão familiar, o que se traduz num aumento à exposição a fenómenos criminais como o abuso e exploração sexual através da internet

Nos últimos tempos temos vindo a ser assustadoramente alertados para uma realidade que infelizmente não é nova.

A minissérie britânica Adolescência, criada por Jack Thorne e Stephen Graham, que estreou no mês de março do corrente ano na Netflix, alcançou rapidamente o topo do ranking semanal de audiências do canal de streaming. No centro da aclamada série há uma pergunta perturbadora: O que leva um adolescente de 13 anos a assassinar a sua colega de escola?

Também esta semana, em Portugal, foi notícia a divulgação de um vídeo de uma jovem de 16 anos em práticas sexuais alegadamente não consentidas, que chocou o país. Três rapazes com idades entre os 17 e os 19 anos foram detidos por serem suspeitos da prática de crimes de violação agravada e pornografia de menores contra essa jovem, sendo que posteriormente publicaram o ato criminoso nas redes sociais.

É crescente e cada vez mais precoce a utilização da internet e das redes sociais por parte das crianças e jovens, aliada a uma reduzida, inexistente e/ou ineficiente supervisão familiar, o que se traduz num aumento à exposição a fenómenos criminais como o abuso e exploração sexual através da internet.

Por isso, entendo ser premente apostar na pedagogia, quer dos pais quer das crianças e jovens, sendo sobremaneira importante deixar aqui alguns alertas quanto a fenómenos criminais já referenciados pelas autoridades, nomeadamente pelo Gabinete de Cibercrime da Procuradoria-Geral da República, pela Polícia Judiciária, pela PSP e pela GNR.

Abuso sexual de crianças online

O abuso sexual online pode ser definido enquanto conceito abrangente, contemplando qualquer forma de abuso sexual de crianças em contexto online, no qual se incluem diferentes manifestações, desde o abuso sexual sem contacto, facilitado pela internet, redes sociais ou outras plataformas, como o assédio e o aliciamento, até à partilha de conteúdos na dark web (imagem e/ou áudio) de abuso e exploração sexual de crianças, previamente recolhidos em fotografia ou vídeo.

Exploração sexual de crianças online

O conceito de exploração sexual de crianças distingue-se de outras formas de abuso pelas noções de extração, de ganho e de benefício decorrentes da sujeição da criança a algum tipo de ato sexual.

Sendo difícil a sua dissociação clara relativamente ao conceito de abuso sexual, por regra, a exploração sexual assenta no aproveitamento de uma característica, situação ou condição da criança, existindo em consequência vantagens para o/a agressor/a ou para terceiros.

Neste contexto, na exploração sexual de crianças online incluem-se todos os atos de natureza sexual praticados contra uma criança ou jovem que, em algum momento, apresentem algum tipo de ligação com as redes sociais, tais como:

  • Exploração sexual realizada enquanto a criança vítima está a utilizar a Internet e as redes sociais, incluindo a sedução, a manipulação e a ameaça da criança para a prática de atos sexuais perante webcam;
  • Identificação e/ou preparação de potenciais vítimas online, com o objetivo de as explorar sexualmente (independentemente de a efetivação da exploração e abuso serem realizados online ou offline);
  • Distribuição, divulgação, importação, exportação, oferta, venda, posse ou acesso consciente online a materiais de exploração sexual de crianças (mesmo que o conteúdo de abuso sexual contido no material tenha sido realizado offline).

Abuso sexual de crianças em direto

Este fenómeno envolve a prática de atos sexuais com crianças e a sua transmissão em direto, nomeadamente através de serviços de live streaming, sendo, deste modo, possível a sua visualização por outras pessoas. A visualização poderá implicar o pagamento prévio de determinado montante, podendo inclusivamente ser os/as espectadores/as a ditarem ou definirem o decurso dos atos de abuso e exploração sexual praticados contra a criança.

A transmissão em live streaming significa que os dados são transmitidos instantaneamente e com menor risco, uma vez que não requer o download de qualquer arquivo e, assim que a transmissão é interrompida, o material desaparece, dificultando a investigação criminal, a recolha de provas e a identificação de vítimas e agressores/as.

O abuso sexual de crianças em direto envolve diferentes formas de abuso e exploração sexual de crianças, incluindo a produção e distribuição de materiais de abuso e de exploração sexual de crianças e a prostituição de menores.

Grooming online

O grooming online pode ser definido como um processo de manipulação e uma forma de aliciamento de crianças. Inicia-se geralmente através de uma abordagem não-sexual, nomeadamente através da internet e das redes sociais, de forma a estabelecer uma relação de confiança com a criança ou jovem e convence-la a encontrar-se pessoalmente com outra pessoa, para que esta última possa consumar o abuso sexual. O estabelecimento de relação de confiança com a criança, mediado pela internet e pelas redes sociais, pode ainda visar a persuasão da criança à produção e partilha de conteúdo sexual.

Na sequência desta forma de abuso e exploração sexual, pode a criança ser sujeita a ameaças e chantagem de divulgação ou partilha dos conteúdos sexuais autoproduzidos, tendo o/a aliciador/em vista a obtenção de favores sexuais, dinheiro ou outros benefícios. Este fenómeno designa-se por extorsão sexual de crianças.

Estes são alguns dos fenómenos criminais praticados contra crianças e jovens em ambiente digital, ou seja, na internet ou nas redes sociais, mas outros haverá em que a forma de atuação dos agressores ainda não se encontra devidamente concretizada, pelo que a prudência é um conselho a seguir.

Posto isto, nunca é de mais alertar os pais, as crianças e os jovens que a internet é uma janela virada para o mundo, mas quando a webcam está ligada nunca se sabe quem está do outro lado.

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