SÁBADO, 27-07-2021 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP

Os magistrados, do Ministério Público e Judiciais, bem como os investigadores, são nos espaços mediáticos objeto de ataques que extravasam o âmbito processual e que visam descredibilizá-los.
Verificamos, na sociedade portuguesa, cada vez mais, um fenómeno de transferência da defesa dos arguidos com maior poderio económico, mais influência mediática e representados por advogados com melhor capacidade comunicacional, para fora da esfera do sistema de Justiça, isto é, para o espaço exterior aos Tribunais.
Os factos do processo penal, habitualmente em fase de inquérito (por vezes sujeitos a segredo de justiça), são rebatidos, sem contraditório (em virtude do dever de reserva a que os magistrados estão sujeitos), nos noticiários em horário nobre e nos programas televisivos de maior audiência. Os magistrados, do Ministério Público e Judiciais, bem como os investigadores, são nesses espaços mediáticos objeto de ataques que extravasam o âmbito processual e que visam descredibilizá-los.
Pela pessoalização do processo nas figuras dos Magistrados e, por vezes, também na figura dos investigadores policiais, e pela sua descredibilização (que quase chega, em alguns casos, a parecer uma “demonização”) o que se visa é, em última linha, descredibilizar o próprio processo, chegando ao ponto de ridicularizar a sua própria existência e o trabalho desenvolvido pelos Magistrados.
É uma estratégia utilizada em outros países em que o dever de reserva de magistrados e advogados apresenta outros contornos e maior latitude.
Em vez de debater factos e direito ataca-se quem investigou, acusou, pronunciou procurando, pela sua descredibilização, atacar indiretamente a legitimidade do processo e do próprio sistema de Justiça.
Tudo isto ocorre extraprocessualmente e no espaço mediático e só quem a ele tem acesso utiliza tal estratégia.
Esta estratégia não está, obviamente, ao dispor do arguido comum, mas apenas daquele que apresenta determinado poder económico, que lhe permita escolher um advogado ou um escritório de advogados para o representar que possa corporizar essa mesma estratégia no espaço mediático.
Ainda noutro dia, num canal de televisão nacional, um daqueles opinadores profissionais que comentam os assuntos da justiça do mesmo modo que comentam um dérbi entre clubes de futebol rivais, dizia que “vivia num estado de procuradores” e interrogava os outros comentadores e o público “quem eram” um determinado juiz, um procurador e um investigador para “decapitarem um clube de futebol”. O que se pretende com este tipo de afirmações é a descredibilização da própria justiça e seus agentes.
Uns dias antes, tivemos a oportunidade de ouvir um advogado, que é, ao mesmo tempo, membro do Conselho Superior do Ministério Público, a utilizar esta mesma estratégia, em diversos canais de televisão, na defesa de um arguido mediático e com poderio económico (atacando não apenas factos e soluções de direito, mas procurando descredibilizar um investigador policial e um Magistrado do Ministério Público).
Onde se situam os limites na defesa penal extra processual ou estaremos dispostos a aceitar que não existem limites e que vale tudo, pessoalizar os processos, descredibilizar os Magistrados seus titulares, e, por acréscimo, o próprio sistema de Justiça
Impõe-se que os profissionais da área da Justiça reflitam se é este o caminho que se deve seguir e que os Conselhos Superiores da Magistratura/Ministério Público e a Ordem dos Advogados analisem se esta via é ética/deontologicamente admissível e é um caminho que estejam dispostos a aceitar acriticamente.
Os próprios cidadãos não deixarão, seguramente, de fazer o seu juízo crítico sobre os agentes da Justiça que atuam mediaticamente desta maneira.
Quando não existem limites é a Justiça e o Estado de Direito Democrático que são colocados em crise.