Nas últimas semanas tem sido noticiado que muitas pessoas não têm bens registados em seu nome e ostentam sinais exteriores de riqueza próprios de milionários.

Este tipo de notícia já não é novidade entre nós.

Certamente ainda estamos lembrados de um conhecido advogado português condenado por crimes de burla e falsificação que se deslocava de Bentley, vivia nos condomínios mais luxuosos de Londres e inclusivamente pediu apoio judiciário por ter sido declarado insolvente.

Se é certo que já estamos habituados a conviver com este tipo de realidade, os factos mais recentes não podem deixar de nos chocar.

Os montantes das dívidas envolvidas, o facto do Estado e restantes credores não conseguirem executar bens, bem como as condições em que terão sido concedidos os créditos, suscitam grande apreensão relativamente ao funcionamento do sistema financeiro, em especial do banco público.

Como regra, as instituições de crédito são muito cautelosas na atribuição de empréstimos e pedem garantias adequadas para salvaguardar a sua posição em caso de incumprimento.

Se alguém pretende adquirir um imóvel através de empréstimo bancário, o Banco efectua uma hipoteca que permite constituir uma garantia real e obter uma posição privilegiada na recuperação do montante mutuado, caso se proceda à venda coerciva do imóvel.

Noutros casos é pedido ao devedor que assine uma livrança que permita a execução do seu património ou salário, caso não consiga pagar o empréstimo.

No caso de financiamento bancário para actividades de alto risco, a prudência impõe que se exijam garantias sólidas, uma vez que a probabilidade dos investimentos correrem mal é muito elevada.

As instituições de crédito catalogam os investimentos por graus de risco. Aqueles que apostam em acções encontram-se colocados na categoria em que existe maior probabilidade de perda de capital.

A análise adequada do risco da operação, bem como a exigência adequada de garantias é essencial para acautelar as consequências resultantes de um incumprimento.

Há muitos bancos que, por adoptarem uma postura mais cautelosa, até se recusam a financiar certas actividades consideradas arriscadas.

Quando se quebram as regras elementares aceites no sector bancário impõe-se perguntar qual a razão por que tal aconteceu.

Se uma instituição de crédito concede um financiamento muito elevado e o devedor não consegue cumprir nos termos acordados ocorre um problema sério.

É comum dizer-se que se alguém deve mil euros a um Banco e não consegue pagar essa pessoa tem um problema, mas, se alguém dever um milhão ao banco e não pagar, a instituição é que passa a ter um problema.

Nos casos em que há mora no pagamento de empréstimos avultados, os bancos fazem todo o possível para evitar que ocorra um incumprimento definitivo.

 

Para esse feito, como regra, estruturam os prazos de empréstimo, aumentando o prazo de reembolso, de modo a que os valores a pagar periodicamente sejam inferiores.

Quando um financiamento de grandes dimensões corre mal ninguém quer assumir as perdas.

O crédito malparado tem sérias repercussões nas instituições de crédito. Para além do prejuízo financeiro, existe o dano reputacional, a necessidade de constituir reservas ou aumentar o capital social, a possibilidade de descida do rating, entre outras consequências.

Desde o momento em que o devedor deixa de pagar pela primeira vez, até ao dia em que o credor decide executar judicialmente o devedor, podem decorrer vários anos.

Durante esse período, o devedor percepciona que poderá ficar sem nenhum património, pois os valores que deve são superiores aos seus bens e recorre aos serviços de escritórios de advogados especializados.

Num mundo global é fácil, em poucos segundos, circular dinheiro entre contas de diversos países.

É também muito acessível criar sociedades em territórios off shore com regimes opacos, em que existe a garantia de que nunca será revelado o verdadeiro titular das mesmas.

Quem conhece a legislação internacional sabe igualmente que há países que não permitem a execução de bens no seu território no âmbito da cooperação judiciária internacional, ou seja, é possível alguém possuir bens registados em seu nome num estado e os credores não conseguirem proceder à venda coerciva dos mesmos.

Para além dos recursos internacionais, os devedores podem unicamente cingir-se aos meios nacionais.

A criação de sociedades ecrã, com testas de ferro; as vendas simuladas de bens, a constituição de dívidas fictícias, entre outros expedientes, permite frustrar a execução de bens de quem deve.

Cada vez mais se verifica uma grande disparidade entre a titularidade dos bens e a sua fruição.

Em muitos casos, verificamos que há pessoas que vivem em imóveis luxuosos, se deslocam em veículos topo de gama e fazem uma vida faustosa, mas não têm quaisquer bens em seu nome.

É claro que o cidadão cumpridor se revolta com esta situação.

Ao nível nacional já poderiam ter sido tomadas algumas medidas legislativas para minorar o problema, mas nunca houve vontade politica de o fazer.

A audição de Joe Berardo no Parlamento não pode deixar ninguém indiferente.

É raro ouvir alguém em directo explicar como consegue acautelar os seus direitos e prejudicar os credores.

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