Magistrados do Ministério Público esperam milagre!
Revista Visão
Rosário Barbosa
Procuradora da República e Presidente da Direcção Regional do Porto do SMMP
Foram reportadas situações em que um só magistrado tem pendentes mais de 600 inquéritos relativos a crime de violência doméstica
No último fim de semana de novembro, decorreu, em Fátima, a anual Assembleia de Delegados Sindicais – órgão consultivo da Direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). Os delegados sindicais, sócios do SMMP eleitos pelos pares, participaram em massa na reunião e evidenciaram, em uníssono, uma sobrecarga incomportável de trabalho.
Preocupam-se com as elevadas pendências de inquérito que atingem mais mil relativos a crimes de natureza genérica e mais de quinhentos, nas competências especializadas. Foram reportadas situações em que um só magistrado tem pendentes mais de 600 inquéritos relativos a crime de violência doméstica.
Provavelmente, o leitor não faz ideia do que isto significa, mas asseguro-lhe: é muito serviço para uma só pessoa! Aliás, é uma irresponsabilidade atribuir tantos inquéritos, e urgentes, a um só magistrado que, por mais que tente, não vai conseguir despachar com a celeridade e eficiência que se pretende.
Os colegas evidenciaram uma exaustão atroz, na sequência de trabalho frequente nos períodos que deveriam ser de descanso (noite e fins de semana) e de acumulações de serviço, impostas pela insuficiência de quadros.
O sentimento generalizado foi de desmotivação e de desconsideração pela magistratura do Ministério Público (MP).
O receio de falhar também esteve em cima da mesa.
E se uma vítima morre porque foi impossível dar a devida atenção a determinado inquérito? Poderá vir a ser instaurado um procedimento disciplinar, por violação do dever de zelo? Mas que zelo deverá ser exigido a um magistrado que trabalha nestas condições?
Vivemos tempos muito difíceis na magistratura do MP.
A inadequação do número de magistrados do Ministério Público em face do volume de serviço existente torna imperioso aumentar, de forma estruturada e previsível, o número de vagas anuais no concurso de recrutamento, ajustando-o às previsões de jubilações, às ausências por doença, parentalidade, formação e outras licenças legalmente previstas, e assegurando o efetivo preenchimento dessas vagas.
É premente a realização de um curso extraordinário específico para a magistratura MP.
A proliferação de lugares de auxiliar, providos de forma discricionária e apenas com o fundamento de melhor gestão de quadros, é violadora de princípios constitucionais e estatutários, designadamente os princípios da igualdade, da segurança e estabilidade profissionais e prejudica a trajetória profissional de cada magistrado. É fundamental que aos magistrados sejam asseguradas colocações a título efetivo, de modo a poderem gerir as suas vidas com segurança e estabilidade.
É imprescindível dotar os serviços de meios tecnológicos e ferramentas digitais que nos permitam desempenhar as funções de forma mais célere e eficiente.
E, claro, não podíamos deixar de sublinhar a importâncias dos funcionários judiciais, os nossos braços direitos. Dotem-nos de um quadro de oficiais de justiça adequado, especializado, tecnicamente preparado que permitam reduzir pendências, melhorar a organização do trabalho e libertar os magistrados de tarefas burocráticas indevidas.
Parecemos um disco riscado, é verdade! Mas não podemos continuar assim.
Vamos sempre lutar pela dignidade profissional dos magistrados do Ministério Público e da qualidade do serviço público de Justiça!
E, assim, terminamos, em Fátima, a bater palmas e a esperar pelo milagre da multiplicação de magistrados!



