Portugal atravessa uma grave crise, essencialmente centrada na área económica e financeira, mas que atinge de forma transversal todo o funcionamento do tecido social. A Justiça, sendo um dos pilares essenciais das sociedades de direito democráticas, é especialmente afectada por esta conjuntura. Em situações de crise, os conflitos multiplicam-se e o sistema de justiça é convocado a intervir e a dirimi-los.
As mais relevantes instituições internacionais, como o Conselho da Europa, a União Europeia ou as Nações Unidas, têm repetidamente afirmado em textos públicos a importância da audição e participação das organizações socioprofissionais da área da Justiça para a resolução dos problemas do sector. Por motivos que também são conhecidos, essa importância não tem sido atendida em tempos recentes pelos responsáveis políticos do país.
Na verdade, o SMMP tem manifestado, em variadas ocasiões, as suas ideias acerca do correcto funcionamento da máquina judiciária, criticando soluções que considera erradas e apontando os caminhos que considera mais eficazes. Infelizmente, não tem sido ouvido com a devida atenção. São frequentes, quer por parte de responsáveis políticos, quer por parte de outras vozes que os secundam, as tentativas de menorização dos alertas que temos lançado relativos à gravidade das opções tomadas.
Os resultados estão à vista e falam por si.
Em período pré eleitoral, são várias as propostas dos partidos sobre a justiça. Umas merecem o nosso aplauso, outras as nossas maiores reservas. Uma coisa é certa, a Justiça está no centro do debate, é uma prioridade. E essa é já uma primeira vitória. Discuti-la publicamente e resgatá-la dos silêncios ensurdecedores em que se tecem os interesses no mundo da justiça é o primeiro passo. Os cidadãos, como principais destinatários do sistema de justiça, nunca como hoje estarão tão identificados com as verdadeiras causas do estado a que a justiça chegou.
Contudo, a mudança é possível, desde que haja visão, vontade e empenho. Reúnem-se neste documento um conjunto de propostas que correspondem na sua grande maioria a medidas consensuais entre os profissionais do sector e cuja execução não será dispendiosa nem tecnicamente complexa. A sua implementação poderá, a curto prazo, resultar numa sensível redução de custos e numa acrescida eficácia do funcionamento da máquina judiciária, além de se nortearem todas elas por uma preocupação nuclear que nos é cara – a de melhorar o acesso à Justiça por parte dos cidadãos. Ao lançar este contributo para a resolução dos graves problemas com que o nosso país se confronta, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público espera, desta vez, ser ouvido com a atenção que lhe é devida por parte dos restantes poderes do Estado.
Num período de pré-campanha eleitoral como o que vivemos, não cabe ao SMMP intervir no debate político sobre as questões da Justiça. Mas os deveres de cidadania de que não abdicamos impõem-nos que participemos. Por isso, sem discutir propostas alheias, temos o dever de contribuir para o enriquecimento do debate.
Aqui fica.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E PRINCÍPIOS DE FUNCIONAMENTO
1. Criação de um corpo de “Defensores Públicos” que assegure o “apoio judiciário” e garanta o reforço dos níveis de aptidão e preparação para a defesa dos cidadãos, com relevante redução de custos para o erário público;
2. Criação de órgão presidido pelo Presidente da República, com poderes consultivos e de aconselhamento, em que terão assento o Governo (Ministro da Justiça), os Conselhos Superiores, o Provedor de Justiça, as Ordens Profissionais, os Sindicatos e Associações Sindicais e personalidades de reconhecido mérito (Conselho de Estado para a Justiça);
3. Institucionalização de reuniões periódicas entre os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público que permitam uma gestão coordenada e racional dos quadros das duas magistraturas;
4. Reforço do dever de colaboração tempestiva das entidades privadas com os tribunais e Ministério Público, nomeadamente no âmbito da investigação criminal, impondo a obrigação de facultar os elementos solicitados dentro do prazo concedido sob pena de sanção;
5. Implementação dos Gabinetes de Apoio a Magistrados, previstos na Nova Lei de Organização Judiciária;
6. Estabilização do domicílio para efeitos judiciários, fazendo-o coincidir com o domicilio pessoal inscrito no cartão de cidadão, sem prejuízo de garantias especiais decorrentes, por exemplo, do estatuto de arguido em processo penal;
MINISTÉRIO PÚBLICO
7. Reforço das competências do Conselho Consultivo da PGR, com adaptação da respectiva estrutura e orgânica, por forma a poder disponibilizar aos departamentos do Estado assessoria jurídica isenta e objectiva que dispense o recurso a pareceres jurídicos externos que oneram o erário público, poupando-se, assim, quantias que o Estado não está em condições de suportar;
8. Criação na Procuradoria-Geral da República de áreas de coordenação correspondentes às principais funções do Ministério Público no domínio da acção penal, de menores e família, de trabalho, de contencioso do Estado, de direito do ambiente e direitos difusos, entre outras, que permitam a esta magistratura actuar coordenadamente e tirar partido da estrutura hierárquica;
9. Estruturar na PGR um gabinete de imprensa, coordenado por magistrado do MP com aptidão técnica e vocação para o cargo, que permita uma relação sadia e transparente com a comunicação social e a divulgação da acção do MP nas várias áreas de actuação;
10. Reformulação do actual modelo de nomeação do Procurador-Geral da República;
11. Alteração da composição do Conselho Superior do Ministério Público, com reforço da componente parlamentar (mais dois membros), a indicação de um membro pelo Presidente da Republica e a redução para um dos actuais dois membros indicados pelo Governo;
12. Alteração do posicionamento da Polícia Judiciária no sistema de justiça e de segurança, passando esta a ser verdadeiramente um órgão auxiliar da administração da justiça, na dependência orgânica e funcional do Ministério Público, que nomeará a sua Direcção, anulando a sua dependência face à tutela política, repondo os necessários níveis de aproximação e coordenação com o Ministério Público como titular da acção penal, sem prejuízo da sua autonomia técnica e organizativa;
RECRUTAMENTO E FORMAÇÃO DE MAGISTRADOS
13. Reforço das exigências no recrutamento e formação de magistrados ao nível da avaliação das características exigíveis para o exercício das funções, nas vertentes de capacidade de decisão, preparação técnica, gestão de situações de stress, capacidade de liderança e de interacção e relacionamento com outros operadores e com o público;
14. Reforço da aposta na formação de magistrados como condição indispensável para a melhoria da qualidade do sistema de justiça e, assim, do próprio Estado, como pilar fundamental da independência, integridade, imparcialidade, isenção e objectividade dos magistrados;
15. Reforço do CEJ como entidade responsável pelo recrutamento e formação de magistrados, sem dependência exclusiva ou tendencial a qualquer dos Conselhos Superiores, que garanta o paralelismo das duas magistraturas e com reforço da sua independência face ao Governo como condição de formação de magistrados independentes;
16. O CEJ deverá garantir um tronco comum de formação aos magistrados e, sempre que possível, aos demais operadores judiciários, principalmente aos advogados;
DIREITO CRIMINAL (SUBSTANTIVO E PROCESSUAL
17. Informatização total dos certificados de registo criminal, com acesso online, de forma a evitar adiamentos e demora na aplicação da Justiça;
18. Simplificação do regime das notificações: os arguidos, denunciantes, assistentes e partes civis devem indicar, no momento da primeira intervenção no processo, morada onde serão sempre notificados por via postal simples, até que recebam comunicação do envio do processo ao arquivo (poderão alterar essa morada pessoalmente no tribunal/Ministério Público, ou por via postal registada);
19. Alteração do regime de perda de bens a favor do Estado (o regime anterior à alteração do CPP ocorrida no ano de 2007 previa que os bens que tivessem proprietário e não fossem reclamados no prazo de 3 meses eram declarados perdidos a favor do Estado. No actual regime prevê-se o prazo de um ano, o que leva a uma dificuldade na gestão dos objectos apreendidos).
20. Descriminalização de condutas cuja necessidade de tutela penal é constitucionalmente duvidosa;
21. Tornar dependente de queixa ou participação o procedimento quanto a alguns dos crimes em que não existe preponderante interesse público no exercício da acção penal (exemplo do crime de ameaça agravada que até à reforma do Código Penal operada em 2007 tinha natureza semi-pública (esta situação leva a uma actividade processual desenvolvida pelo Estado sem que exista interesse público e dos particulares, que inclusivamente pretendem desistir da queixa apresentada e continuam a ser incomodados);
22. Restrição da fase da instrução à requerida pelo assistente em caso de arquivamento pelo Ministério Público e, em caso de acusação pelo Ministério Público, limitá-la ao debate instrutório;
23. Criação de um tribunal central de julgamento para os casos da competência do DCIAP/TCIC;
24. Introdução de um limite temporal no efeito suspensivo da contumácia na prescrição (v.g., um período de suspensão idêntico ao do próprio prazo prescricional);
25. Alargamento do campo de aplicação das formas de processo especiais:
a. Alargamento dos tipos de crime a julgar em processo sumário – possibilidade de julgamento em processo sumário com intervenção do tribunal colectivo (ou seja, também para crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos)
b. Possibilidade de requerer a aplicação de pena em processo sumaríssimo em concurso de crimes mesmo em caso de concurso de infracções, desde que cada um dos crimes, individualmente considerado, seja punível com pena de prisão de máximo não superior a 5 anos ou com pena diferente da prisão, evitando-se assim a realização de julgamentos quanto a crimes de pequena gravidade;
26. Alargamento das soluções de consenso:
a. Alargamento das possibilidades de suspensão provisória do processo;
b. Audiência de conciliação: nos crimes particulares e semi-públicos, o juiz, ao receber a acusação, deverá marcar «audiência de conciliação» entre arguido e queixoso/assistente em ordem à composição do litígio e ressarcimento de danos/prejuízos;
27. Prova:
a. Possibilidade de leitura e valoração em julgamento de todas as declarações prestadas por arguidos em sede de inquérito ou instrução, em diligências presididas por magistrado judicial ou do Ministério Público, quando na presença de advogado;
b. Possibilidade de leitura e valoração em julgamento de todas as declarações prestadas por testemunhas em sede de inquérito ou instrução;
28. Racionalização do inquérito e dos seus actos:
a. Alteração do regime de validação pelo Ministério Público da constituição como arguido feita pelos órgãos de polícia criminal: a apreciação do acto será feita apenas a requerimento do arguido ou oficiosamente pelo Ministério Público quando dele tomar conhecimento;
29. Redução das exigências de fundamentação das sentenças/acórdãos em termos aproximados aos já existentes para os processos especiais;
30. Realização, muito urgente, por entidade independente, de auditoria ao sistema prisional para detecção de situações de sobrelotação e de falta de condições de habitabilidade e saúde da população prisional, com levantamento das necessidades e planos para o curto e médio prazo, que dispensem soluções legislativas de recurso com prejuízos graves para os cidadãos e para a comunidade;
DIREITO CIVIL (DECLARATIVO E EXECUTIVO) E DIREITO FISCAL
31. Implementar a reforma da acção executiva com base nas medidas já estudadas e propostas pela comissão nomeada pelo actual Governo;
32. Simplificar o processo civil, aproximando-se a tramitação e os poderes do juiz do regime mais flexível previsto para as arbitragens;
33. Alteração do regime e procedimento fiscal referente aos créditos incobráveis, de forma a evitar que inúmeras acções executivas tenham como único objectivo a recuperação de IVA para as empresas que prestaram serviços ou venderam mercadoria que não foi paga;
34. Alteração do regime jurídico do processo de inventário, uma vez que neste momento o novo regime ainda não entrou em vigor e foi revogado o regime antigo;
DIREITO DO TRABALHO
35 – Criação de privilégios creditórios especiais, preferentes aos do próprio Estado, para créditos de trabalhadores desde que judicialmente reconhecidos;
36 – Reposição da total isenção de custas, em processos de acidentes de trabalho, a cargo dos sinistrados, portadores de doença profissional e seus familiares com direito a pensão;
37 – Actualização das tabelas para cálculo do capital de remição de pensões devidas por acidente de trabalho ajustando-as ao aumento da expectativa de vida activa e ao aumento da idade de reforma;
38 – Reposição (ou clarificação) no Regulamento das Custas Judiciais das custas devidas pela entidade responsável, na fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho;
DIREITO DA FAMÍLIA
39 – de equipas interdisciplinares junto dos tribunais de menores ou, pelo menos, junto dos serviços do Ministério Público desses tribunais, através da celebração de protocolos e mecanismos de colaboração e interacção com as universidades;
40 – Criação de espaços/salas de acolhimento das crianças e adolescentes e seus familiares nos tribunais de família e menores, com o recurso a apoios graciosos por parte de entidades privadas relativamente a material didáctico e mobiliário de apoio;
41 – Incremento de instituições vocacionadas para mães/ jovens com os seus filhos, em situações de risco, ao nível da promoção e protecção;
42 – Melhoria na resposta do instituto da adopção, com o objectivo de se contrariar a realidade de muitas crianças e adolescentes que vêem a sua situação eternizada em instituições de acolhimento, por falta de candidatos à adopção (campanhas de sensibilização social; incentivos financeiros e de apoio social às famílias candidatas; melhor coordenação entre núcleos de adopção nacionais e serviços ligados à adopção internacional);
43 – Ao nível da intervenção da lei tutelar educativa, criação de protocolos com entidades de utilidade pública que prevejam maior diversidade de programas de execução de tarefas a favor da comunidade;
44 – Novo reforço da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, devendo ser revistos os critérios restritivos introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 70/2010 de 16.VI, de forma a que voltem a estar abrangidos agregados familiares com situações de flagrante fragilidade económica;
45 – Reforço nos recursos humanos e logísticos necessários ao funcionamento de organismos do Estado, na área da saúde (toxicodependência, pedopsiquiatria, psicologia, terapia familiar, etc.), cuja eficácia é vital para a actuação dos Tribunais de Família e Menores (exemplo do Plano de Integração e Apoio à Comunidade – PIAC- que recentemente viu diminuídos os seus quadros);
46 – Maior sensibilização e reforço da formação de magistrados, funcionários judiciais e elementos das forças policiais e defensores a trabalharem na área da família e menores;
47 – Melhoria da coordenação e articulação necessárias entre as medidas de protecção instituídas para as vítimas de violência doméstica e a intervenção nesses agregados familiares ao nível da promoção e protecção, das responsabilidades parentais e da intervenção tutelar;
PATRIMÓNIO DO ESTADO / REDUÇÃO DE DESPESAS
48 – Renegociação dos contratos de arrendamento de estabelecimentos prisionais e outros imóveis pelo Ministério da Justiça;
49 – Melhoria da gestão do parque imobiliário do Estado, designadamente aproveitamento dos imóveis que se encontram devolutos, ou subaproveitados, alguns deles em zonas nobres das cidades;
50 – Criação de um “centro nacional de traduções” de modo a optimizar os recursos humanos do Estado, designadamente proceder ao aproveitamento de professores de inglês, francês, alemão, etc. que não tenham sido colocados e se encontrem a receber o subsídio de desemprego.
11 de Maio de 2011
A Direcção do SMMP
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Propostas do SMMP para Melhorar a Justiça – maior eficiência com menores custos.



