Imprensa

Lei de “impedimentos de juízes” pode causar muitas complicações

O vice-Procurador-Geral da República admitiu hoje que no âmbito da estratégia anticorrupção, a criação de impedimentos dos juízes que tenham atuado no inquérito de participarem depois nos julgamentos desses processos vai causar muitas complicações.

Carlos Adérito Teixeira falava aos jornalistas à margem do 12º Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que decorre em Vilamoura, Algarve, tendo como temas centrais a Autonomia e a Independência do Ministério Público.

Acerca das recentes alterações legislativas, nomeadamente da estratégia nacional anticorrupção, o ‘vice’ de Lucília Gago referiu que “várias dúvidas estão a suscitar grande inquietação nos tribunais, até de implementação de procedimentos”, motivadas pela lei aprovada na Assembleia da República.

“Por exemplo, no estabelecimento de impedimentos de juízes que tenham participado em atos jurisdicionais no inquérito que depois ficam impedidos de fazer os julgamentos (…), isso tem levado a uma estratégia que, à partida, seria possível e que é concentrar os atos de toda uma comarca – independentemente de ocorrerem num município ou noutro — concentrá-los num só (lugar), mas tudo isto é muito complicado, porque os órgãos de polícia criminal (OPC) têm de apresentar os detidos e é muito diferente apresentá-los em Torres Vedras ou ter de vir apresentá-los em Loures ou em Alenquer”, disse.

Questionado sobre se tais alterações causam também problemas relativamente aos representantes legais das empresas, respondeu afirmativamente, adiantando que estão a ser analisadas medidas para enfrentar esse e outros problemas e que em breve poderá haver novidades a esse respeito.

“Para já, precisamos de perceber, até porque a questão não é só do MP, é também dos juízes e dos órgãos de polícia criminal”, disse, assinalando que é útil haver discussão de tais problemas em fóruns de magistrados.

Em relação à dimensão dos processos, referiu que há megaprocessos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e nos departamentos de investigação e ação penal (DIAP) regionais, que levantam sempre a questão de saber “porque é que não é fracionado o processo”, embora reconheça que “é muito difícil saber onde se deve fracionar” o processo.

“Houve casos em que foram fracionados (processos) e acho que as coisas do ponto de vista da justiça portuguesa não correram assim tão bem. Os casos de Vale e Azevedo, até de (João) Rendeiro, em que havia, por exemplo, pelo menos três processos e três condenações. Agora as coisas complicam-se porque não temos uma pena que, enfim, resultasse de todos os processos e que fosse o resultado do cúmulo jurídico daquelas condenações parcelares”, apontou.

“Acho que a letra das normas do Código de Processo Penal (CPP) que permitem a apensação e separação de processos não são muito permissivas ou muito elásticas. E, se calhar, até precisariam de ser”, disse.

Quanto à criminalidade económico-financeira afirmou que esta é “naturalmente mais difícil de investigar”, reconhecendo que muitas vezes as suspensões provisórias de processo funcionam como uma alternativa à acusação.

“Uma suspensão provisória do processo implica a reparação do dano, implica a imposição de medidas ou de injunções e às vezes até bastante altas. Por exemplo, no DCIAP (..) na Operação Furacão foram recuperados mais de 180 milhões de euros e eu não sei se alguma vez se conseguiria obter isso se levássemos a julgamento e depois as vias de recurso podem eternizar-se”, concluiu.

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Procuradores irão colaborar com ministra

Sindicato dos Magistrados no MP espera que Catarina Sarmento e Castro saiba ouvir

congressoOs magistrados no Ministério Público (MP), que se reúnem este fim de semana no XII Congresso nacional do sindicato da classe, estão na expectativa em relação à …

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Vice-PGR teme “avalanche de prescrições” na justiça

O vice-procurador-geral da República, Carlos Adérito Teixeira, destacou um”decréscimo de ativos” ao longo dos últimos anos e as consequências no futuro em termos de “eficácia de intervenção”.

DN/Lusa

O vice-procurador-geral da República, Carlos Adérito Teixeira, manifestou preocupação com a falta de meios no Ministério Público (MP) e avisa que a atual situação pode conduzir a uma “avalanche de prescrições” na Justiça.

Depois de alertar para uma situação de pré-rutura no discurso de abertura do 12.º congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que decorre em Vilamoura, o número dois da hierarquia do MP assumiu que há, numa “perspetiva minimalista”, um défice de 150 a 200 magistrados, mas também uma escassez ao nível dos recursos humanos nas perícias e dos oficiais de justiça, o que condiciona o seguimento dos processos nos tribunais portugueses.

“Temo que se possa gerar uma avalanche de prescrições e isso será um indício de rutura. Já houve situações dessas nos anos 96/98, sobretudo com crimes ligados aos fundos comunitários, como desvios e fraudes”, disse o ‘vice’ da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, admitindo a esperança de que tal cenário “não ocorra”, por força da “atenção muito grande” da Procuradoria-Geral da República e do Conselho Superior do Ministério Público.

Em declarações a jornalistas, Carlos Adérito Teixeira destacou o “decréscimo de ativos” ao longo dos últimos anos e as consequências no futuro em termos de “eficácia de intervenção”, mas não esqueceu também as manobras dilatórias que a lei ainda permite e que dão azo ao prolongamento da vida de processos na barra dos tribunais.

“A isso teríamos também de somar a complexidade cada vez mais premente de alguns processos e até a complexificação que vai ocorrendo no próprio processo, com muitas intervenções, porventura dilatórias, mas que vão burocratizando os processos. E tudo isso leva a um arrastamento das coisas: dos atos, das diligências e da tramitação normal do processo”, disse.

Questionado sobre o arranque iminente de um novo ciclo, com a tomada de posse do governo na próxima semana, em especial da nova ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, que sucede a mais de seis anos de mandato de Francisca Van Dunem no cargo, o vice-procurador-geral assume ter “sempre uma expectativa positiva”.

“Não quero também dizer relativamente ao passado que não tenha havido alguma colaboração, designadamente do Ministério da Justiça, em fornecer ou criar as condições para esse efeito, mas foram insuficientes”, finalizou.

A 12.ª edição do congresso do SMMP – dedicado este ano aos temas da autonomia, da responsabilidade, da qualidade e da cidadania – começou na sexta-feira, em Vilamoura, e encerra este sábado, com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

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Vice-PGR teme “avalanche de prescrições” na justiça

O vice-procurador-geral da República, Carlos Adérito Teixeira, manifestou preocupação com a falta de meios no Ministério Público (MP) e avisa que a atual situação pode conduzir a uma “avalanche de prescrições” na Justiça.

Depois de alertar para uma situação de pré-rutura no discurso de abertura do 12.º congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que decorre em Vilamoura, o número dois da hierarquia do MP assumiu que há, numa “perspetiva minimalista”, um défice de 150 a 200 magistrados, mas também uma escassez ao nível dos recursos humanos nas perícias e dos oficiais de justiça, o que condiciona o seguimento dos processos nos tribunais portugueses.

“Temo que se possa gerar uma avalanche de prescrições e isso será um indício de rutura. Já houve situações dessas nos anos 96/98, sobretudo com crimes ligados aos fundos comunitários, como desvios e fraudes”, disse o ‘vice’ da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, admitindo a esperança de que tal cenário “não ocorra”, por força da “atenção muito grande” da Procuradoria-Geral da República e do Conselho Superior do Ministério Público.

Em declarações a jornalistas, Carlos Adérito Teixeira destacou o “decréscimo de ativos” ao longo dos últimos anos e as consequências no futuro em termos de “eficácia de intervenção”, mas não esqueceu também as manobras dilatórias que a lei ainda permite e que dão azo ao prolongamento da vida de processos na barra dos tribunais.

“A isso teríamos também de somar a complexidade cada vez mais premente de alguns processos e até a complexificação que vai ocorrendo no próprio processo, com muitas intervenções, porventura dilatórias, mas que vão burocratizando os processos. E tudo isso leva a um arrastamento das coisas: dos atos, das diligências e da tramitação normal do processo”, disse.

Questionado sobre o arranque iminente de um novo ciclo, com a tomada de posse do governo na próxima semana, em especial da nova ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, que sucede a mais de seis anos de mandato de Francisca Van Dunem no cargo, o vice-procurador-geral assume ter “sempre uma expectativa positiva”.

“Não quero também dizer relativamente ao passado que não tenha havido alguma colaboração, designadamente do Ministério da Justiça, em fornecer ou criar as condições para esse efeito, mas foram insuficientes”, finalizou.

A 12.ª edição do congresso do SMMP – dedicado este ano aos temas da autonomia, da responsabilidade, da qualidade e da cidadania – começou na sexta-feira, em Vilamoura, e encerra hoje, com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

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“Debate do presente, mas sobretudo do futuro.” A discussão sobre a próxima geração em destaque na Gulbenkian

A conferência “Estado do Futuro”, promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian, “marca o culminar de cinco anos de trabalho da Fundação sobre o tema da justiça intergeracional”. É com estas palavras que Isabel Mota, presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian, começa a sua intervenção na abertura da conferência.

O dia da conferência é, para Isabel Mota, “ao mesmo tempo um ponto de chegada e um ponto de partida”. É um ponto de chegada porque são apresentados as principais conclusões de todos os estudos e trabalhos realizados ao longo dos últimos anos – “e não foram poucos”, brinca a presidente. E é um ponto de partida porque é dado um “pontapé de saída para uma discussão que é inadiável: como desenhar um novo contrato social, baseado em políticas públicas que sejam justas para todos – os mais velhos, os mais novos e ainda os que ainda não nasceram”.

Neste sentido, “a Fundação Calouste Gulbenkian, desde sempre, tem procurado contribuir para a identificação, estudo e discussão dos desafios fundamentais do futuro na sociedade”, explica Isabel Mota, “e a criação do Fórum Futuro (…) em muito tem contribuído para que os estudos que sempre fizemos, e todo esse conhecimento, seja devidamente passado para as universidades e para a sociedade em geral”. O Fórum Futuro vai continuar a trabalhar sobre o tema da justiça intergeracional, assegura a responsável, que acrescenta que este tema “tem vindo a ganhar relevância crescente nos últimos anos devido à progressiva sensação de que o futuro será pior do que o presente e de que o contrato para deixar um mundo melhor para os nossos filhos está a ser quebrado”.

Isabel Mota sublinha que não se pode ignorar que a atual situação geopolítica “trará inevitáveis consequências no curto e no longo prazo para o modelo de sociedade e de estado social com que nos habituámos a viver nas últimas décadas”. A presidente do Conselho de Administração da Fundação refere-se, por exemplo, à atual necessidade de diversificação energética e “sobre isto diria que no curto prazo temos de estar preparados para um abrandar na agenda climática para fazer face à emergência, mas a prazo”, explica, “precisamos de um esforço acrescido que terá de ser feito para acelerar um caminho que não ponha em causa as metas de energia e clima acordadas no âmbito do Pacto Ecológico Europeu”. Isabel Mota pensa também nos “meios e recursos necessários para a nova política de defesa da Europa e da recuperação da economia europeia após o conflito. Tudo isto para dizer que se torna muito previsível uma alteração de prioridades na redistribuição de recursos disponíveis – naturalmente com impacto entre gerações.

“É cada vez mais premente, no contexto da democracia do século XXI, evitar o conflito entre gerações – que se começa a antecipar – e nesse sentido acreditamos que a justiça intergeracional pode contribuir para que o contrato social fundamental entre as diferentes gerações seja respeitado”.

E qual o papel da Fundação Calouste Gulbenkian nisto? “Uma das peças chave da iniciativa Gulbenkian”, explica a responsável, “inclui a criação de conhecimento para a elaboração de um conjunto de estudos, que envolveu diversos investigadores e universidades”, conhecimento esse que já está a ter sementes no meio académico. Neste âmbito, foram promovidos diversos estudos que analisam “as principais desigualdades entre gerações em diferentes áreas de política pública”: habitação, contas públicas, mercado de trabalho e ambiente, como enumerou Isabel Mota.

A transmissão do evento pode ser vista ou revista no Youtube da Fundação Calouste Gulbenkian, mas também pode ver a versão de vídeo resumo.

Convidado para a abertura da conferência, o Presidente da República enviou uma mensagem em vídeo para a Gulbenkian, em que falou da justiça intergeracional, “um tema que tem sido latente na sociedade portuguesa porque é uma sociedade que está a envelhecer muito rapidamente e em que a clivagem, de que tenho falado muitas vezes, entre os menos jovens e os mais jovens se tem aprofundado”. Na opinião de Marcelo Rebelo de Sousa, é um tema que “permanece central na vida das portuguesas e dos portugueses, na orgânica do Estado, na sustentabilidade da nossa democracia porque representa um pilar indiscutível na solidez e na confiança dos cidadãos na sua proteção social”.

“Em Portugal, como na Europa”, diz Marcelo, “o diálogo e a convivência entre gerações foram conseguidos, dentro de uma lógica de Estado social, ao longo de décadas, exatamente por causa dessa confiança e o compromisso de todos entre aquilo de usamos e aquilo que deixamos para as próximas gerações, mesmo aquelas que hoje ainda não conhecemos.

Marcelo Rebelo de Sousa frisou que importa um “debate aberto, construtivo”, face aos índices de natalidade, “com base em evidências e livre daquilo a que muitas vezes se chamam populismos”, e “ao mesmo tempo realista e humanista, oferecendo segurança àqueles que começam a sua vida contributiva agora, os jovens, mas também àqueles que já contribuíram e que continuam a contribuir, e que são os menos jovens”. O Presidente da República sublinha que os estudos apresentados na conferência são um “contributo valioso para o debate”. Marcelo deixa a frase chave: “É um debate do presente, mas sobretudo um debate do futuro”.

Nesta medida, o Presidente entendeu que, na Presidência da República, que a Casa Civil e a Casa Militar do Presidente da República “deveriam ter uma formação na metodologia de avaliação de impacto intergeracional de políticas públicas desenvolvida pela Fundação, em parceria com a School of Internacional Futures.

Mas afinal do que se trata a justiça intergeracional? Luís Lobo Xavier, coordenador do Projeto Justiça Intergeracional começa por explicar que “não é um conflito entre gerações, uma luta em que cada uma procura de melhores oportunidades e recursos. É sim um contrato social que procura promover uma distribuição justa de recursos entre todas as gerações – as de hoje e as de amanhã. Naturalmente”, explica, “temos um olhar especial nas gerações futuras porque estas não têm voz, não têm forma de hoje fazer valer um dos seus direitos”.

Foi com este conceito em mente que, em 2018, a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu lançar uma iniciativa com dois grandes objetivos: “em primeiro lugar, trazer este tema para a agenda pública e para a discussão política, e em segundo lugar, procurar que os decisores políticos trouxessem critérios de justiça intergeracional na altura do desenho das políticas públicas”. Nesse sentido, há cerca de quatro anos, foi feito um “amplo diagnóstico” na sociedade portuguesa com, por exemplo, entrevistas a decisores políticos, e foi feita uma análise da presença do tema da justiça intergeracional nas redes sociais, imprensa e também nos debates parlamentares, bem como focus groups com mais de cem jovens por todo o país.

E que resultados saíram deste diagnóstico? Luís Lobo Xavier explica que o diagnóstico disse que “para todos estes intervenientes, a justiça intergeracional é um tema muito importante, mas está pouco na agenda”. Um dos meios pelos quais se percebeu que o tema está fora do radar foi com a análise aos discursos parlamentares. Foram analisados todos os discursos parlamentares desde 1976 até hoje, à procura de referências às gerações futuras. “E em temas de longo prazo, como as pensões, a dívida pública e ambiente, 3% desses debates mencionavam as gerações futuras”, diz Luís Lobo Xavier, que explica que isto quer dizer que, “quando falamos das pensões, falamos das pensões hoje. Não falamos do que é que irá receber um pensionista daqui a 20, 30, 40 anos. Quando falamos da dívida pública, falamos da dívida pública hoje. Não falamos de quem irá pagar esta dívida pública daqui a 10, 20, 30 anos. E quando falamos do ambiente, falamos das questões ambientais de hoje e não tanto dos impactos destas questões ambientais a longo prazo, nas gerações futuras”.

Luís Lobo Xavier explica que, dada a pouca atenção dada às questões do futuro, foram tentar perceber porque é que isso acontece. “Nas entrevistas que foram feitas e nos inquéritos aos decisores políticos, estes apontaram duas grandes razões para isto acontecer. A primeira razão é a falta de estudos com dados concretos sobre o problema da justiça intergeracional, que ajudassem a trazer este tema para a agenda e a sensibilizar a opinião pública. E o segundo grande obstáculo tem a ver com a falta de incentivos políticos, ou seja, os decisores políticos assumiram que é difícil para um decisor político defender os mais jovens, as gerações futuras, uma vez que o votante mediano em Portugal tem cerca de 56 anos”.

A Fundação decidiu então apostar na resposta a estas duas barreiras. Primeiro, a Fundação Gulbenkian promoveu a realização de quatro estudos “que tocassem na vida concreta das pessoas: habitação, mercado de trabalho, ambiente e contas públicas, de forma a tentar perceber que desigualdades existem entre as várias gerações e também perceber se as gerações futuras poderão contar, pelo menos, com as mesmas oportunidades que os seus pais e avós tiveram nestas áreas”. Luís Lobo Xavier explica ainda que, ao perceber esta falta de incentivos nestas áreas, chegaram à conclusão de que os processos de tomada de decisão têm de ser repensados de forma a que os interesses das gerações futuras sejam considerados.

Nesse sentido, a Fundação promoveu o estudo das condições económicas, sociais e políticas que promovem políticas de longo prazo, ou seja, “como é que os decisores políticos conseguem aprovar uma política que tem um custo hoje (para as gerações atuais) e têm benefícios que esses decisores políticos já não vão ver”. Por outro lado, a Fundação promoveu o desenvolvimento “de uma metodologia de avaliação de impacto intergeracional de políticas públicas”, que permite a decisores políticos, academia, comunicação social e qualquer pessoa interessada fazer a avaliação do impacto de uma política pública, de uma decisão de longo prazo, “não só hoje, mas também daqui a dez anos, vinte anos, em várias gerações diferentes.

Ainda na introdução, discutiu-se, com a participação do público presente e que acompanhava a conferência via transmissão online, se deveriam existir limites ao endividamento público por forma a não deixarmos um encargo tão grande às gerações futuras. Vistos os resultados instantâneos online, 53% votou que concordava, 33% votou que concordava totalmente, 3% não concordava nem discordava e o restante não concordava.

Pedro Pita Barros, comissário da conferência, introduziu os debates que iriam decorrer durante toda a manhã e toda a tarde, debates esses em que ficaria claro que há perguntas que é importante fazer. Começou-se por painéis que analisaram os quatro estudos promovidos pela Fundação: “Habitação Própria em Portugal numa Perspetiva Intergeracional” – um estudo com autoria de Romana Xerez, Elvira Pereira e Francielli Dalprá Cardoso, do Centro de Administração e Políticas Públicas do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa; “Finanças Públicas: Uma Perspetiva Intergeracional” – um estudo de Francesco Franco (NOVA SBE), Tiago Bernardino (Stockholm University) e Luís Teles Morais (NOVA SBE e IPP); “A Equidade Intergeracional no Trabalho em Portugal” – um estudo de Pedro S. Martins (Nova School of Business and Economics); e por fim “Limites Ecológicos. O Impacte Intergeracional do Uso de Recursos Naturais” – um estudo realizado por uma equipa do Instituto Superior Técnico, coordenada por Tiago Domingos e Ricardo da Silva Vieira.

No sentido de perceber o que é preciso fazer a partir daqui, surgem questões como “será que as gerações que vão surgir terão as mesmas oportunidades de vida própria e independente que os seus pais tiveram?”, “será que o mercado de trabalho vai dar as mesmas oportunidades numa carreira ao longo da vida às novas gerações, como deram às anteriores?”, “será que o peso da dívida pública vai ser tal que teremos travagens bruscas no futuro?”, “será que a pegada ambiental já é suficientemente forte para sabermos que as gerações futuras vão ter de viver com limites que as gerações anteriores não tiveram?”. São perguntas que Pedro Pita Barros lança na apresentação da conferência.

Agora que se organizou a informação e se obteve conhecimento sobre estas quatro matérias e áreas, Pedro Pita Barros lança ainda outra questão: “o que é que nos falta para gerar decisão e ação” porque não basta o conhecimento. “É preciso mais algo. Daí que houve a necessidade de procurar encontrar uma forma de tornar permanente, sistemática, esta ideia de justiça intergeracional nas políticas, de uma forma de que com o tempo se torne presente quase sem se notar que lá está. E isso implicou o desenvolvimento de uma metodologia, que é nova, que coloca Portugal e a Fundação Calouste Gulbenkian na liderança destes processos de discussão e que é simples o suficiente para ser atrativa e complexa o suficiente para ir ao detalhe que é necessário”. O comissário da conferência, Pedro Pita Barros, acrescentou que houve várias entidades que já aplicaram esta metodologia.

O primeiro painel a promover a discussão debruçou-se sobre uma questão: “Há trabalho para a geração mais escolarizada de sempre?”. Presentes estiveram Pedro S. Martins, da NOVA SBE, que realizou o estudo sobre o qual se discute este painel (“A Equidade Intergeracional no Trabalho em Portugal”) e João Cerejeira, da Universidade do Minho.

A Fundação Calouste Gulbenkian realizou assim um estudo com o objetivo de analisar a evolução do mercado de trabalho em Portugal, nas últimas décadas. O trabalho é uma atividade crucial para avaliar e melhorar a justiça intergeracional, uma vez que no mercado de trabalho estão, ao mesmo tempo, várias gerações, com diferentes níveis de rendimento, proteção social, tipos de contrato, entre outros. Uma das conclusões deste estudo, apresentada em vídeo, diz que dois terços das pessoas nascidas nos anos 90 têm contratos a prazo, o que representa quase o triplo dos nascidos em 1980. Atualmente, menos de 15% dos contratos a prazo são convertidos em contratos permanentes.

Pedro S. Martins diz que a sua análise procurou contributos em análises empíricas e um dos temas prendeu-se na escolaridade no mercado de trabalho, ou seja, em que medida é que estudar compensa, numa perspetiva de criar remunerações mais elevadas. “Se olharmos para análise desta natureza, ao longo das últimas décadas, verificamos que nos anos 80 e 90, o chamado prémio salarial da escolaridade era particularmente elevado. Isso refletia, pelo menos em parte, nessas décadas, Portugal ter ainda níveis de escolaridade médios muito baixos. O que o estudo apresentou foi uma quebra muito grande deste prémio salarial de educação. Verificamos que para as gerações mais velhas, as que nasceram nos anos 40, 50, e até 60, os prémios salariais de educação eram cerca de 10% por ano de escolaridade e esse prémio cai para cerca de metade para as gerações mais jovens, nomeadamente aquelas nascidas nos anos 80 e 90. Há aqui um fenómeno muito importante, que levanta muitas questões ao nível das políticas públicas”.

Parte desta tendência de quebra, explica Pedro S. Martins, “deve-se ao aumento do nível de escolaridade da população, nomeadamente dos mais jovens. E penso que há aqui uma outra dimensão, que se prende com a informação disponível ao nível do mercado de trabalho, nomeadamente em termo de áreas, por exemplo ao nível de temas ou assuntos em cursos superiores, mas também porventura em cursos profissionais, áreas essas que deverão ter alguma relevância ao nível do mercado de trabalho. Penso que há aqui uma falta de informação relativamente alargada que cria algumas dificuldades junto dos jovens para tomarem decisões em termos das áreas que possam, efetivamente, trazer retornos mais elevados ao nível do mercado de trabalho. Penso que há aqui um trabalho que pode ser desenvolvido em termos de políticas públicas, no sentido de compilar informação disponível no mercado de trabalho e apresentar as diferentes escolhas disponíveis e os possíveis impactos salariais dessas mesmas escolhas”, conclui.

Já João Cerejeira, que acompanhou o trabalho e leu o resultado final. O seu primeiro comentário vai então para os resultados do estudo. “Quando olhamos para o estudo, não aprofunda o «porquê», (…) mas é um estudo que dá um contributo excelente para percebermos dinâmicas de curto e longo prazo. Ou seja, é um estudo que nos permite ver fotografias de diferentes gerações, mas em simultâneo de vermos o filme. Conseguimos perceber aquelas questões do género «a geração dos meus pais ou meus avós, quando entraram no mercado de trabalho, como é que era e como foi a sua evolução ao longo do tempo»”.

João Cerejeira, da NOVA SBE, referiu também alguns resultados que lhe pareceram “inovadores”. “A primeira questão: o efeito das crises a longo prazo, algo que é completamente exógeno porque ninguém tem culpa de nascer em 1985 ou 1987 e, no momento em que está a entrar no mercado de trabalho, estar a suceder uma crise. Portanto, que efeito é que isto tem?”. João Cerejeira afirma que a meritocracia é importante, mas o contexto onde a vida e carreira de cada um se desenvolve também é fundamental. “Um segundo aspeto que é também marcante (…) é duas grandes transformações do mercado português das últimas cinco décadas, que são, primeiro, a entrada das mulheres no mercado de trabalho em força. Isto está bem documentado nas diferenças entre as várias gerações, a participação feminina no mercado de trabalho é notória. É um salto brutal, uma transformação total do que é o mercado de trabalho português nas últimas décadas”. E a segunda questão que é “a entrada em massa e a expansão do ensino superior”.

O segundo painel da manhã focou-se na habitação. Com o nome “Comprar casa aos 30? Ou ficar em casa dos pais?”, juntaram-se Romana Xerez (autora do estudo “”Habitação Própria em Portugal numa Perspetiva Intergeracional””), do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa; a economista Susana Peralta, da NOVA SBE; e Adolfo Mesquita Nunes, advogado, ex-deputado e antigo secretário de estado centrista.

Com base neste estudo, sabemos que a percentagem de jovens até aos 29 anos com casa própria tem vindo a diminuir drasticamente desde o início do século. Estima-se que, em 2017, apenas 24% tinha casa própria.? Paralelamente, a percentagem de jovens adultos, entre os 18 e os 34 a viver na casa dos pais tem vindo a aumentar. Em 2018, esta percentagem atingiu os 64%.

A primeira a intervir foi a autora do estudo, Romana Xerez, do ISCSP, que sublinha que o primeiro desafio foi a falta de dados e que foi preciso fazer uma enorme revisão da literatura. O primeiro passo foi analisar os dados do Censos, com os dados de 1970 até 2011, e, num segundo passo incorporaram os dados do ICOR com dados de 2011 e 2017. Depois, introduziram três perguntas: “Como evolui a habitação própria numa perspectiva intergeracional”, “que riscos sociais surgem” e “que impacto têm estes riscos no acesso à habitação”.

Assim, foi possível verificar que a habitação própria cresceu em Portugal entre 1970 e 2001 – “e cresceu de uma forma muito acentuada”. Neste sentido, Romana Xerez sublinha que “Portugal, no âmbito das sociedades do sul da Europa, tornou-se numa sociedade de casa própria” e, portanto, “no século XX tivemos uma importante mudança que foi as sociedades tornaram-se sociedades de casa própria. E esta mudança verificou-se, muito em particular desde meados do século até mais ou menos ao final”. Mas as circunstâncias parecem mudar-se “e os dados mostram essa alteração”. Romana Xerez nota que a habitação própria é um ativo financeiro muito importante e positivo.

Ao estudar o tema, o que verificaram foi que “este aumento da habitação própria verificou-se, de uma forma continuada, mas há de facto duas sub-tendências”. A primeira prende-se com a “descida dos proprietários sem hipoteca e um aumento de habitação própria com hipoteca”. Tendo em conta estes dados, verificou-se que haverá repercussões muito grandes no futuro. “E, portanto, as gerações mais novas podem ficar mais prejudicadas em relação às outras gerações”.

E sobre isto, Romana Xerez é clara: “Nós não apontamos um conflito de gerações. Apontamos para a necessidade de um novo contrato social entre gerações”. A autora do estudo sublinha que é importantíssima a discussão. Outro dado verificado é que “entre 2001 e 2011, há uma ligeira diminuição da habitação própria, mas essa diminuição é visível nas gerações mais jovens (o que chamamos Geração X e os Millennial, que são os que têm entre 22 e 40 anos). Isto vai configurar um conjunto de consequências, que não são só do foro privado das famílias, mas são consequências no âmbito de todos nós, nomeadamente dos governos e das políticas públicas”. Foram analisados também os riscos sociais “e resulta exatamente porque os riscos sociais são mitigados com as políticas públicas, nomeadamente com o conhecido Estado social”. Ora, estes riscos “são basicamente um risco associado à sobrecarga das despesas com habitação. Para terem uma ideia, a sobrecarga significa que as despesas com habitação ascendem a 40% ou mais das despesas das famílias. Há claramente aqui um risco.”

O outro risco prende-se com a sobrelotação das casas. E aqui, Romana Xerez faz uma comparação com o que aconteceu durante a pandemia, em que nos foi pedido para que se ficasse em casa, um pedido que “só foi possível para algumas pessoas e foi mais adequado para outras”. Outro risco é a privação de habitação. “Ora, estes riscos têm uma enorme consequência naquilo que é o acesso. O acesso à habitação reduziu e tem de facto um agravamento nas gerações mais novas”.

No comentário ao estudo, Susana Peralta começa por concordar que há falta de dados, problema que em breve será resolvido porque em breve os investigadores terão acesso aos Censos de 2021. A primeira mensagem que a economista traz é que “ainda não sabemos muito” e que “as pessoas mais novas cada vez têm menos casa própria. Há uma parte disso que tem a ver com restrição” porque tem que ver com o aumento do preço das casas, que “é bastante substancial sobretudo nas zonas urbanas do país”.

Susana Peralta explica que para além do fator do preço, há também a parte que tem que ver com a oferta, sendo que não está quantificado qual o nível das necessidades a suprir no mercado de habitação. A economista lembra que a terra, onde se constrói, é um recurso limitado e, por exemplo, não há muito espaço livre para construção na cidade de Lisboa. Susana Peralta falou ainda de uma questão que tem, aliás, estudado, que são os arrendamentos de curta duração, como os Airbnb. “Depois, continuamos a ter um licenciamento que é lento, continuamos a ter, apesar de tudo, muitos espaços por utilizar nas cidades – desde logo em Lisboa. Sem resolvermos o problema da oferta nunca vamos resolver o problema do preço. Há um desequilíbrio entre a oferta e a procura”, conclui.

Por fim, intervém Adolfo Mesquita Nunes, que começa por dizer que “a habitação não é apenas um ativo, mas é uma questão de mobilidade social. Há muitos estudos que mostram que o sítio onde nascemos ou onde vivemos diz muito sobre as nossas oportunidades de futuro”. E esclarece que a pergunta que dá o mote ao debate é limitada porque ter acesso à habitação não se faz apenas através da compra de casa própria. “Há outras formas de acesso à habitação. O arrendamento é uma hipótese, mas há outras formas ainda”, conclui o ex-deputado.

“A discussão do acesso à habitação tem sido muito frequente nos últimos dez anos, mas quase que me atrevo a dizer que ela surge nos últimos dez anos talvez seja porque a classe média-alta que a começou a sentir. Porque a dificuldade de aceder a casa no centro da cidade, a dificuldade de aceder a casas em Lisboa, existe há décadas e não comoveu ninguém quando a linha de Sintra se foi fazendo, quando os arredores de Lisboa se foram fazendo, com casas com uma construção de menor qualidade. No confinamento, era habitual pensarmos nessas pessoas que estavam em casas muito pequenas com famílias numerosas. Mas não é só a questão da qualidade da casa”, sublinha Adolfo Mesquita Nunes, “é também o ordenamento do território, bairros habitacionais sem grandes condições de convívio, de socialização”.

E o ex-deputado clarifica: “O primeiro alerta que gostava de fazer (…) é que o desafio habitacional não é «eu quero ir viver para o Chiado e não consigo». Há o desafio habitacional que existe no país há muitos anos e é fruto de políticas públicas que não foram, com certeza, criadas para dificultar o acesso a casa, mas que tiveram esse efeito secundário”. Assim, para Adolfo Mesquita Nunes, “a questão dos centros das cidades é uma questão enviesada desde o começo porque – e aí penso que faz falta um estudo sobre a escassez, o centro da cidade é escasso. E eu acho que já não se deve dizer que já não se consegue ir para o centro. É que já não cabe lá mais gente. Mesmo que desocupássemos todas as pessoas que lá estão e fizéssemos um sorteio para ver quem é que ficava com as casas do centro da cidade, havia milhares e milhares de pessoas que iam ficar sem casa porque não cabemos lá”. Assim, o ex-deputado acha que o desafio habitacional é muito mais amplo do que a discussão do que habitualmente acontece nas páginas dos jornais sobre o preço da casa no Chiado. “E é também um problema que não se fica pela questão dos preços”, estando de acordo com Susana Peralta, “porque as casas implicam muito mais do que a questão do preço: as questões de salubridade, as questões de eficiência energética, as questões do ecossistema em que a casa se encontra”.

Aqui, Adolfo Mesquita Nunes toca numa outra questão: “as casas não estão preparadas para a idade que as pessoas têm” e dá o exemplo de pessoas que vivem em terceiros e quartos andares sem elevador e que já não saem à rua porque não têm essa capacidade. E nesse sentido, a existência de elevador faria com que tivessem uma vida muito melhor. “E quando se fala em desafio habitacional quase nunca se fala disto, como também não se fala dos sem abrigo”, explica.

Para Adolfo Mesquita Nunes, a habitação é um problema “relevante de justiça intergeracional, mas que é importante sairmos do foco em que ele tem sido colocado nas páginas dos jornais, que é um problema de classe média-alta”. É então “preciso mostrar que o problema é muito mais amplo, muito mais relevante para mobilidade social e para dar acesso aos mais jovens”.

Para terminar, Adolfo Mesquita Nunes explica que “quando se fala na questão habitacional, não é termos apenas direito a uma habitação condigna. O habitação condigna tem que ver com o nosso quotidiano familiar e profissional. Ou seja que seja uma casa condigna para a minha família e para a minha necessidade de estar perto dos meus e perto do meu local de trabalho. O centro da cidade é um bem escasso, e não podemos alterá-lo e levá-lo para o resto das pessoas, mas podemos aproximar as pessoas do centro da cidade. O que é que quero dizer com isto? É necessário concatenar políticas de habitação com políticas de mobilidade e políticas de transporte. Porque se não podemos estar todos no centro das cidades – e isso não podemos mesmo, a menos que construamos arranha-céus – pelo menos podemos aproximar os centros das cidades e as oportunidades que têm para quem não está perto do centro. Por um lado, isso tem a ver com política de transportes, mobilidade dentro das áreas metropolitanas, e por outro lado a requalificação dos arredores das cidades porque esses, que de forma pejorativa se chamam os arrabaldes, têm de se tornar uma oferta que seja atrativa também e ela tem de ser requalificada. Porque é a única forma que nós temos, sem construir mais, ou paralelamente a construir mais, de aumentarmos o stock de casas disponíveis e darmos habitação condigna. Caso contrário, o comprar casa aos 30 [anos], que é uma pergunta relevante (como comprar casa aos 30?), não se discute. E está-se a discutir como garantir que uma família de classe média-alta continua a viver no Saldanha e coitadinha não pode mudar para os Olivais”.

O terceiro painel em discussão focou-se nas finanças públicas. E lança uma pergunta: “As Finanças Públicas são sustentáveis a longo prazo?”, para comentar o estudo “Finanças Públicas: Uma Perspetiva Intergeracional” e responder à pergunta, juntaram-se Francesco Franco, da NOVA SBE; Catarina Reis, da Católica Lisbon SBE e a deputada bloquista Mariana Mortágua.

E primeiro de tudo, um ponto assente: se as finanças públicas não forem sustentáveis, os futuros cidadãos serão obrigados a pagar mais impostos, vão receber menos benefícios ou, obrigados a poupar, vão desfrutar de menos bens e serviços públicos. É o contexto que nos dá Luis Lobo Xavier, coordenador do projeto de justiça intergeracional, num vídeo no site da Fundação Calouste Gulbenkian. Assim, foi feito um estudo com o objetivo de analisar as contas públicas e o seu impacto nas várias gerações.

Algumas perguntas colocadas a este ponto são “que dívida vamos deixar às gerações futuras?”, “que hipótese terá Portugal e as próximas gerações de pagar esta dívida?” e “qual o impacto do envelhecimento demográfico nesta equação?”. É conhecido que na idade ativa, um cidadão ou cidadã paga impostos e que, na juventude e na reforma, já temos direito a mais apoios. O aumento da esperança de vida (em 2018, uma pessoa podia esperar viver até aos 80 anos) e a baixa taxa de fecundidade (no mesmo ano era de 1,4 filhos por mulher) estão a mudar a estrutura etária da população: no futuro haverá menos pessoas em idade ativa, em idade de trabalhar e fazer descontos, e mais pessoas mais velhas a receber apoios, como é o caso das pensões. Em 2100, a maior fatia da população portuguesa vai estar concentrada entre os 60 e os 85 anos. Se nada for feito, acrescenta o vídeo da Fundação, teremos um défice das contas públicas a partir de 2030.

Assim, para equilibrar as contas públicas é necessário aumentar os impostos ou reduzir nas despesas públicas. Agir tarde demais leva a dois cenários: uma carga muito grande de impostos nas gerações futuras ou com muito menos apoios. Assim, decisores políticos, empresas, universidades e sociedade civil têm de procurar alternativas, sendo que não há uma solução única para este dilema.

Para Francesco Franco o trabalho é “desafiante porque estamos a falar das finanças públicas de uma nação, neste caso Portugal, e tem um horizonte temporal muito comprido”. Em seguida, o autor do estudo explicou algumas métricas usadas no estudo e frisou que, no futuro, “o número de pessoas que vão ser pensionistas vai aumentar”.

Na opinião de Catarina Reis, professora da Católica Lisbon SBE, “o grande problema que temos a nível de justiça intergeracional, e uma das razões por que estamos aqui, é porque o crescimento tem vindo a abrandar. E isto tem reflexos para as finanças públicas (…) e também para o mercado de trabalho”. O primeiro ponto de Catarina Reis é, portanto, que precisamos de crescer. “Mas a questão é: será que conseguimos crescer? Portugal ainda tem um longo caminho para percorrer até convergir para economias mais desenvolvidas, mas mesmo além disso, as economias mais desenvolvidas mundiais, neste momento, estão a estagnar”.

Ao mesmo tempo, frisa Catarina Reis, temos o envelhecimento da população. “Não sei se [o envelhecimento] será um problema, porque é um problema bom porque temos o aumento da longevidade e todos queremos viver mais tempo”. Aqui é necessário um redesenho das políticas públicas. “É uma mudança estrutural, mas não necessariamente má. (…) Acho que existe uma tendência dos políticos e dos economistas de serem um bocadinho paternalistas e decidirem qual é a melhor política. Vamos aumentar a idade de reforma, vamos reduzir os benefícios?”. Nesse caso, Catarina Reis acha que “é importante respeitar o facto de que as pessoas têm preferências diferentes, empregos diferentes, portanto dar alguma flexibilidade. Se houver uma pessoa que quer trabalhar até aos 70 anos e tiver condições para o fazer, deverá ter uma reforma calculada de forma justa para refletir o tempo de esperança de vida que tem à reforma e as contribuições que fez. Neste momento há muito a ideia de que temos esta idade de reforma e às vezes é muito difícil antecipar a reforma ou adiá-la. Os benefícios são desiguais de um lado e doutro”. Assim, para concluir, é preciso dar poder às pessoas para escolherem se querem trabalhar mais ou, por outro lado, menos, “com os consequentes ajustes nos benefícios que terão de receber”, conclui Catarina Reis.

Catarina Reis sublinha que temos um nível de fertilidade muito baixo. “E a fertilidade baixa é um problema até para além da sustentabilidade das finanças públicas. Segundo as projeções que vi no estudo, nós íamos passar no final do século para um país de seis milhões de pessoas. É isso que queremos para o nosso país?”, pergunta.

A deputada bloquista Mariana Mortágua completa o painel. Começa por dizer que este estudo agora apresentado “aponta um desafio que as sociedades hoje têm, que é o facto de as nossas estruturas públicas (a estrutura das receitas, das despesas, a organização do Estado) não estar adaptada a um processo de envelhecimento da população e uma alteração demográfica profunda de longo prazo da população”. Este é um problema de Portugal, mas que muitas “economias maduras enfrentam também”.

A deputada explica que é preciso uma leitura cuidadosa do estudo porque, por exemplo, este assume que “o aumento da imigração não altera a taxa de fecundidade. Não tenho a certeza porque não tenho a certeza de que essa imigração jovem, e dependendo das condições da imigração, se altera ou não”. Hoje, essa imigração é predominantemente de jovens adultos, homens, que vêm sem a família porque não têm condições para isso. Mariana Mortágua lança a pergunta: “será que se tiverem condições não trazem as famílias e a taxa de fecundidade aumenta?”.

Um outro ponto interessante no estudo, para a deputada do Bloco de Esquerda, “é que é muito difícil separar efeitos de ciclo e efeitos estruturais. Quando o estudo diz que é preciso aumentar os impostos, descer a despesa 22% para conseguir uma sustentabilidade das contas públicas, isso depende do ponto de partida”.

Neste ponto, Mariana Mortágua fala de desigualdades “que são profundíssimas na distribuição de riqueza, e, se olharmos hoje para como a distribuição de riqueza se tem tornado desigual, isso deve levar-nos a perguntar se o nosso sistema de impostos e de segurança social está adaptado às novas realidades de distribuição de riqueza e da economia. Porque talvez as únicas soluções não sejam descer pensões e aumentar impostos sobre o trabalho, ou sobre o consumo, que são as formas usuais de lidar com este problema a curto prazo. Talvez tenhamos outras possibilidades, nomeadamente indexar a segurança social a outras realidades como o valor acrescentado e não apenas o trabalho”.

Por fim, o quarto painel de discussão que refletiu sobre os resultados de um dos quatro estudos apresentados pela Fundação Calouste Gulbenkian, virou a sua atenção para a disponibilidade de recursos naturais. A discussão deste painel tem por base os resultados do estudo “Limites Ecológicos. O Impacte Intergeracional do Uso de Recursos Naturais” e, com o título e mote “Que Recursos Naturais deixamos para as Gerações Futuras?”, juntou Tiago Domingos, do Instituto Superior Técnico; Antonieta Cunha-e-Sá, da NOVA SBE; e Jorge Moreira da Silva, Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento na OCDE.

Não é possível pensar, hoje em dia, em ambiente sem pensar em alterações climáticas. A pressão que o ser humano aplica no meio ambiente merece reflexão: que recursos vão sobrar para as gerações futuras, ou seja, que legado é que cada geração deixa à geração que se segue? O estudo realizado por uma equipa do Instituto Superior Técnico, coordenada por Tiago Domingos e Ricardo da Silva Vieira, vem responder a estas questões.

Portugal já ultrapassou os limites ecológicos em todas as categorias ambientais: emissões de gases com efeito estufa, produção de resíduos, poluição da água e do ar. Se é verdade que a herança das gerações passadas tem um peso significativo nas alterações climáticas, também o é que as gerações atuais vivem com um limite de emissões 41% inferior ao que se verificou até aos anos 90. Isto acontece devido às várias gerações passadas terem ultrapassado os limites de emissões de carbono.

O coordenador do estudo sobre os limites ecológicos, Tiago Domingos, começou por dizer que “o grande padrão que encontramos neste estudo e que essencialmente ocorreu numa escala de tempo desde 1960 até agora, é que de facto ultrapassámos estes limites ecológicos. Há limites ecológicos, como é o caso das emissões de CO2 [dióxido de carbono] que o nosso efeito é cumulativo. Há um orçamento de carbono que a humanidade pode emitir para não termos alterações climáticas perigosas. Vamos gastando esse orçamento e como nas gerações anteriores tivemos a gastar a mais, agora vamos ter de gastar menos. Portanto, isso é claramente um ónus que fica sobre as gerações seguintes”.

Tiago Domingos explica que há outro aspeto interessante que encontraram no estudo e que não se apresenta como uma surpresa em si mesmo, que é “a clara relação entre crescimento económico e impacto ambiental”. Foi detetado ainda que “principalmente nos últimos 20 anos, o que constatámos foi que em relação a várias destas questões ambientais – e sabendo ainda que estamos acima dos limites – a situação melhorou e conseguimos aquilo que em inglês se chama o «decoupling» (e que em português podemos traduzir por «desligamento»), que foi conseguirmos ter situações como nomeadamente encontramos no caso da deposição de resíduos sólidos ou até das emissões dos gases com efeito de estufa”, e conclui, “nós conseguimos neste momento ter situações de aumento de PIB e diminuição do impacto ambiental”. Tiago Domingos frisa que ter conseguido o desligamento é muito importante.

Com este estudo foi possível constatar outro dado: que há dois tipos de países do mundo. “Há os países que não cumprem os mínimos sociais e estão dentro dos limites ecológicos e os países que cumprem os mínimos sociais e que estão acima dos limites ecológicos”. Isto configura um “problema para a humanidade”, explica Tiago Domingos.

Antonieta Cunha-e-Sá começa por frisar que “a ideia de desenvolvimento não é incompatível com preservação”. Para a professora da NOVA SBE, a questão essencial é “referir que para preservar os recursos que temos, nós temos que, de facto, ser capazes de internalizar os custos associados às nossas atividades”.

A fechar o painel, Jorge Moreira da Silva, Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento na OCDE, começa por dizer que, “ao contrário de outros temas, o tema da sustentabilidade dos recursos e da solidariedade intergeracional, tratando-se de recursos naturais, não se pode resolver numa lógica meramente nacional ou territorial. Eu admito que outros temas possam ser tratados ou outra lógica de solidariedade intergeracional possa ser consagrada por políticas meramente nacionais, [mas] nos temas dos recursos naturais isso é impossível. O «aqui e agora» tem de ser substituído por «em todo o lado e para sempre». E isso torna muito mais difícil a discussão da solidariedade intergeracional no tema dos recursos naturais”. Para compreendermos esta realidade, Jorge Moreira da Silva apresenta dados: “Isso é fácil de perceber quando sabemos que 85% dos pobres do mundo vivem nos 21 países mais ameaçados pela mudança climática, que não são os países que mais emitem. (…) Países que fazem tudo bem podem acabar por ser alvo de consequências desastrosas em função de decisões tomadas por outras gerações, mas também por outros países”. Aqui, dá o exemplo de todo o plástico que é levado pelas correntes marítimas e que vai afetar as costas de um país mais longe.

Jorge Moreira da Silva não perde a esperança no futuro do planeta: “Eu tenho uma enorme esperança que no tema das alterações climáticas, isto se vai resolver. Estamos na direção certa, mas com a velocidade absolutamente errada (…) que não é suficiente”. O que é preciso fazer, neste caso? “Trata-se de pôr o pé no acelerador: promover mais renováveis, mais eficiência energética, mais mecanismos de internalização das externalidades ambientais, mais solidariedade internacional”. E junta à equação um dado que vai auxiliar: a tecnologia. “Metade do problema resolve-se com tecnologias existentes, metade precisa de mais ciência e inovação. Mas está ao nosso alcance”. E explica que irá gerar benefícios económicos: “teremos quatro vezes mais postos de trabalho, teremos um acréscimo de 4% no PIB. Só falharemos se formos absolutamente inconscientes”.

Depois da pausa para o almoço, os painéis de discussão voltaram à carga no auditório da Fundação. Primeiro, com o painel “Políticas Públicas Justas para Todas as Gerações” para apresentar a metodologia de avaliação do impacto intergeracional de políticas públicas desenvolvida no âmbito do projeto.

A primeira a tomar a palavra foi Cat Zuzarte Tully, da School of International Futures, organização que ajuda governos e comunidades a fazerem perspetivas de longo prazo no presente. Desde 2018 que tem trabalhado com a Fundação Calouste Gulbenkian para devolver esta metodologia que ajuda na avaliação do impacto das políticas públicas do presente nas gerações futuras – e para a qual foram consultados especialistas e comunidades um pouco por todo o mundo.

O método assenta em três elementos fulcrais — uma ferramenta de avaliação de política, diálogo nacional e propriedade institucional — e implica cinco passos: diagnóstico das políticas que podem ser injustas, exploração dos potenciais impactos, testagem de cenários alternativos, exame do processo pelo qual as políticas foram criadas e apresentação das conclusões e recomendações a que se chegou.

“Como é que construímos um mundo melhor? Como é que tornamos as nossas políticas justas para as gerações de agora e as do futuro?”, questionou Cat Zuzarte Tully. “Esta é a questão (…) crítica para a transição digital e ambiental, crítica para atingir os objetivos do desenvolvimento do milénio e crítica para a coesão social que está a abalar as nossas sociedades”, sublinhou.

Notando que “é fácil falar” e reconhecer que se quer deixar um legado positivo para as gerações vindouras, Cat sublinhou que “é mais difícil agir” e enfrentar as pressões de curto prazo e a incerteza do futuro. O problema, sublinha, não é uma questão exclusiva de Portugal. É uma questão “global”.

Vanda Cunha, que trabalha há mais de duas décadas no Banco de Portugal, foi a responsável por falar sobre o modo como a instituição pôs em prática a metodologia desenvolvida pela School of International Futures e pela Fundação Calouste Gulbenkian.

“Aceitámos o desafio de testar esta nova metodologia para testar a reforma do banco”, explicou a oradora, concluindo que se tratou de um exercício “muito interessante”, com uma perspetiva diferente daquela a que estava habituada.

“Os economistas, em geral, costumam ter uma perspetiva limitada das consequências sociais das políticas, por isso, o maior valor desta ferramenta foi essa mudança na forma de pensar”, frisou. Uma perspetiva partilhada por Ariana Paulo, do Conselho das Finanças Públicas, que salientou a importância da “sustentabilidade” nesta área. “A discussão da justiça intergeracional tornou-se particularmente relevante”, uma vez que Portugal é um dos países “mais afetados” pelo envelhecimento da população, alegou.

Já Ana Furtado, do Tribunal de Contas, explicou o envolvimento da entidade na aplicação desta metodologia garantindo que, apesar de não ser olhada como uma instituição que tradicionalmente olhe para as políticas públicas, ela é-o. Em relação à justiça intergeracional, “é ainda uma novidade tratar este assunto, ao nível das instituições superiores de controlo”, notou.

“Quando fomos convidados, aceitámos logo participar nesta utilização piloto desta nova metodologia”, referiu Ana Furtado, expressando o desejo de poder aplicá-la, futuramente, nos relatórios de auditoria e na interação com as restantes entidades públicas.

Ainda no âmbito das Políticas Públicas Justas para Todas as Gerações, foram expostas experiências internacionais. António Vicente, do Fórum Futuro, propôs um olhar sobre “o que outros países, regiões e instituições” fizeram neste campo, para perceber que erros forma cometidos e que podem ser evitados e que exemplos devem ser seguidos.

Jane Davidson, ex-ministra do Ambiente e da Sustentabilidade do País de Gales, marcou presença para falar sobre a lei que implementou – uma das primeiras em todo o mundo – que regula a ação para o bem-estar das gerações futuras. A legislação veio fazer com que as políticas para um futuro justo passassem de “recomendadas” a “obrigatórias” no País de Gales.

“Quanto já ouvimos falar sobre os problemas da sustentabilidade? Aquilo que Greta Thunberg chamou de ‘blá, blá, blá’. Temos de passar das palavras à ação”, defendeu Jane Davidson, para quem a resposta passa de deixar de falar num dever dos políticos e dos serviços de “promover” a sustentabilidade, e passar na obrigação de “agir” para a sustentabilidade.

A lei galesa assenta em sete metas (pautadas pela prosperidade, resiliência, saúde, equidade, coesão, cultura e responsabilidade global) para concretizar os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável definidos pela Organização das Nações Unidas: erradicar a pobreza, erradicar a fome, saúde de qualidade, educação de qualidade, igualdade de género, água potável e saneamento, energias renováveis e acessíveis, trabalho digno e crescimento económico, indústria, inovação e infraestruturas, redução das desigualdades, cidades e comunidades sustentáveis, produção e consumo sustentáveis, ação climática, proteger a vida marinha, proteger a vida terrestre, paz, justiça e instituições eficazes, e, finalmente parcerias para a implementação dos objetivos.

“Um pequeno país, onde quer que seja, pode demonstrar, pela convicção, que consegue criar desfechos diferentes para a sua população”, sustentou a antiga governante.

“Não sei quais serão os desejos das populações futuras, mas sei que se continuarmos a comportarmo-nos como nos termos comportado, vamos restringir as oportunidades que terão”, atirou.

Por sua vez, Moritz Ader, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), questionou o motivo pelo qual ninguém duvida da pertinência da existência de museus, de deixar património às futuras gerações, mas, quando toca a políticas públicas, não incorporamos esta mentalidade.

Um relatório recentemente publicado pela OCDE sobre justiça intergeracional analisa o modo como este princípio pode ser aplicado e, nesta conferência, Moritz Ader trouxe para a mesa os exemplos de inclusão de participação intergeracional na tomada de posições públicas postos em prática em países como a Dinamarca, a Suécia e o Japão.

Moritz Ader sublinhou as diferentes “peças do puzzle” necessárias para integrar a justiça entre gerações na criação de políticas públicas, particularmente num momento de recuperação de uma pandemia que afetou de forma distinta as gerações mais jovens e as mais velhas.

Depois foi tempo de discutir as diferenças de pensamento entre os mais velhos e os mais novos e o que cada geração tem a dizer sobre esta questão da justiça intergeracional. Margarida Gaspar de Matos, especialista do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), começou por afirmar que o “discurso de clivagem social” entre os mais velhos e os mais novos é “estéril”. “Afasta-nos de soluções, afasta-nos de sinergias, afasta-nos da coesão social e favorece totalitarismos”, defendeu. “É um risco para o desenvolvimento, para a democracia e pela paz.”

Para Margarida Gaspar de Matos, a resposta tem de passar por pôr os mais jovens a dialogar com os mais velhos, num discurso de “afetos e confiança”. Por esse motivo, foram organizados ‘focus groups’, no âmbito do estudo “Uma Visão dos Jovens sobre Justiça Intergeracional – #GeraçõesComVoz”, nos quais se promoveu o debate dos jovens com os seus pais e avós. Em discussão estiveram temas como a família, o trabalho, a educação e a habitação.

Cátia Branquinho, psicóloga e investigadora da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, enumerou algumas das conclusões a que o estudo em causa chegou. Ficámos a saber, entre outros aspetos, que os jovens conferem um maior conhecimento e capacidade de ação aos seus descendentes; que a família e a habitação são as áreas em que são identificados mais problemas; que o meio ambiente é a área para qual apresentam mais estratégias para o futuro e que apontam a relevância da escola na implementação dessas estratégias, mas que, no que toca a assuntos relacionados com política e economia, há menor interesse e conhecimento por parte da geração mais nova.

Considerando que, com a experiência do #GeraçõesComVoz, o valor do diálogo intergeracional saiu reforçado, as investigadoras tecem como recomendações: um estudo nacional pós-pandemia com vista a estabelecer uma base de apoio no desenho de futuras ações; a criação de uma plataforma online que congregue gerações e promova o diálogo intergeracional; a criação de um painel de cidadãos multigeracional, a nível nacional, que se pronuncie sobre temas atuais e do futuro; a implementação de programas presenciais em contexto escolar para a promoção da justiça intergeracional, além do incentivo à consciencialização e motivação para ação de stakeholders, assim como a capacitação dos professores e outros agentes educativos para este efeito.

A palavra passou então, num tom mais informal, para alguns dos participantes dos ‘focus groups’ do projeto, representantes de três gerações distintas — um pai e um filho, e uma avó e uma neta — que relataram as suas experiências no âmbito do estudo.

Em seguida, colocou-se a pergunta “governar para a próxima geração ou para a próxima eleição?”, num painel composto com Catherine Moury, da NOVA FCSH; Lídia Pereira, eurodeputada; Miguel Costa Matos, Deputado da Assembleia da República; e Raquel Vaz Pinto, do Fórum Futuro. A discussão deste painel baseia-se nos resultados do estudo “Governar para a próxima eleição ou para a próxima geração? O caso de Portugal (1995-2019)”.

Catherine Moury começa por explicar que o ponto de partida para este estudo é que “é difícil para um decisor político tomar decisões de longo prazo”. Para ilustrar este ponto, Catherine dá um exemplo de uma junta de freguesia onde a canalização é muito velha. É portanto necessária canalização nova, mas a obra vai aborrecer os vizinhos e é um resultado que não se vê: “ninguém vai ver que a canalização é nova”. Este é um entrave no pensar no futuro. Catherine explica que, de um modo geral, não se investe na renovação de infraestruturas. Noutro exemplo, a professora alude a um relatório da OCDE que explicava que, nas despesas de saúde, há 20% de desperdício, com a prescrição de medicamentos inúteis, operações que não precisavam de ser feitas. Evitar este desperdício significaria aumentar a qualidade do serviço de saúde sem gastar mais. “O problema é que se um ministro quiser fazer isso, vai tomar o risco de ser acusado de destruir o Sistema Nacional de Saúde, de ter alguns médicos insatisfeitos, de ter a indústria farmacêutica a batalhar contra ele”.

Neste estudo, olhou-se para “casos de sucesso e fracasso em Portugal dessas medidas de longo prazo”, sendo que foi mais agradável, diz Catherine, estudar os de sucesso. “Um exemplo no estudo é a política das drogas, em Portugal, (…) que é uma política de longo prazo porque está baseada na prevenção de uso problemático das drogas”. No estudo é mostrado que há vários caminhos para se optar por políticas de longo prazo, “mas isso acontece quando há várias estrelas que se alinham e tudo começa quando um decisor político dá a sua atenção a um problema”. Outra variável é a necessidade de haver “estratégias para que a medida seja aceite. Às vezes as medidas de longo prazo não são populares, têm um custo “. Um caminho, diz a autora do estudo, é “negociar, aceitar fazer compromissos, aceitar fasear a reforma para que no princípio seja menos ambiciosa do que queremos. (…) É preciso também pensar na resiliência porque há exemplos de medidas que foram adotadas e depois revertidas”. Por fim, “outra variável muito importante é a qualidade do processo. Em todos os casos de sucesso, houve um processo de tomada de decisão de qualidade, onde se procurou obter os dados científicos, falar com as pessoas no terreno e integrá-las na decisão. E, uma vez que a política esteja adotada, criar mecanismos de diálogo entre as pessoas que estão no terreno e os decisores políticos para se assegurar que a política está a funcionar bem”.

Raquel Vaz Pinto, do Fórum Futuro, destacou alguns dos pontos do relatório. “Eu diria que um dos aspetos muito interessantes neste relatório é, para além de estudar os sucessos, é estudar os fracassos. Nós, em Portugal, estudamos pouco os fracassos, ou seja, perceber porque é que errámos para que não se volte a cometer os mesmos erros, mas sobretudo para todos nós aprendermos, enquanto professores, alunos, médicos, juristas, todos nós.”

Para a eurodeputada Lídia Pereira, há, sobretudo, dois pontos interessantes no estudo “sobre a perspetiva intergeracional, que se prende com o facto de os decisores políticos, independentemente da sua ideologia, concordarem com o diagnóstico. Estamos a falar em 89% dos inquiridos, que consideram que a presença da justiça intergeracional no discurso político é insuficiente. (…) Isso significa que há uma base de acordo, que há um défice de justiça intergeracional no discurso político e isso depois plasma-se na construção das políticas públicas”.

Depois, a eurodeputada traz uma reflexão: “Os ciclos políticos são curtos e há um certo egoísmo. Os partidos políticos tendem a ser egoístas com a visão que vão apresentando perante os ciclos políticos que, já de si, são curtos. Por isso é que, ao longo deste dia, temos ouvido tanto falar da palavra «compromisso», na necessidade de haver um compromisso alargado, na definição daquilo que são as prioridades de um país, de uma autarquia, de uma junta de freguesia, com uma visão mais de longo prazo. E é isso que eu noto. Mesmo na minha atividade enquanto deputada no Parlamento Europeu, há sempre a pressão daquele assunto que marca a agenda do dia, que vai marcar a semana, o mês da sessão plenária. E, portanto, esse prevalece perante todos os outros que devem ter uma condução mais distante no tempo.”

Miguel Costa Matos, deputado da Assembleia da República, começa pela equidade intergeracional. “É uma das coisas que, de facto, quando lemos este estudo, importa falar do conteúdo, do que é governar para a próxima geração. Porque há muito esta visão de que os governos têm visões curtotermistas ou visões clientelares, mas será que o é respeitar quem trabalhou uma vida toda e aumentar-lhes a pensão? Será que é uma visão curtotermista ou que tem pouca equidade intergeracional adiar, para o futuro, medidas que apoiem jovens ou é mais correto, para a equidade intergeracional, fazer as medidas agora?”. Miguel Costa Matos é da opinião de que Portugal tem investido bastante no seu futuro, “no ponto de vista do conteúdo das políticas. Se nós olharmos para o exemplo clássico, quando se fala deste dilema do ponto de vista da economia política de governar para a próxima geração. A Lídia disse muito bem, nas finanças públicas há um consenso hoje em dia. Tivemos o primeiro superavit na história da nossa democracia, mas olhamos para outros exemplos. No investimento na educação, que aumentou 30%, na Investigação e Desenvolvimento, que aumentou 45%, olhamos para o investimento na ferrovia, em que tivemos concursos que não eram para aquele ciclo político, mas era para entrega de comboios dali a sete, oito, dez anos. Isso não é governar para as eleições. É governar para as próximas gerações porque beneficiaremos de ter uma ferrovia mais forte, e, por isso, usarmos menos o carro e termos menos emissões de dióxido de carbono.

O deputado dá ainda o exemplo, do passado recente, da construção das linhas de alta velocidade. “Verificamos que se calhar não pensámos nas próximas gerações quando, num momento de aflição, abdicámos de um projeto que hoje em dia seria estrutural para a mobilidade no nosso país. E o resultado deste investimento nas próximas gerações, acho também que se têm manifestado não só no futuro, mas também no presente. Isso vê-se quando o nosso crescimento económico multiplicou-se por sete vezes neste último período face ao período de 2000 e 2015 (…) e é notável verificar como a nossa geração hoje também beneficia de termos cá grandes empresas, como a Google, a Microsoft, a Wolkswagen, trazendo os melhores empregos do mundo deles para as nossas cidades”.

Um segundo ponto que Miguel Costa Matos enaltece deste estudo é que “é importante as medidas estarem no programa e não é necessário imposições externas. Eu acho que esta conclusão pode ser contestada. Por exemplo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ( é certo que não é se calhar uma questão de equidade intergeracional), ela entrou na legislação nacional porque numa fase anterior não estava no programa, foi chumbado por um partido que, na altura, era maioritário, o PS, e, depois, quando entrou no programa voltou a estar. (…) Para mim é, de facto, muito importante que as medidas entrem nos programas eleitorais”.

Para terminar o dia, vieram as conclusões, com a intervenção de Pedro Pita Barros, Comissário da Conferência; Luís Lobo Xavier, Coordenador do Projeto Justiça Intergeracional e Miguel Poiares Maduro, Presidente da Comissão Científica do Fórum Futuro.

Pedro Pita Barros regressa para “uma viagem pelo que foi o dia”. Começou pela pergunta fundamental «o que é que podemos deixar às gerações futuras», onde se foi para além da questão do ambiente, abarcando outras dimensões essenciais da vida. Em seguida, deixou um curto resumo de cada área em estudo: habitação, mercado de trabalho, contas públicas e ambiente. Os desafios centrais são como assegurar que as gerações sem voz são ouvidas, “seja as gerações mais novas ou as futuras”, e como medir o impacto das políticas a longo prazo.

Luís Lobo Xavier partilhou ainda as respostas a algumas perguntas lançadas ao público, como se considera importante haver um enquadramento institucional que defenda os interesses das gerações futuras, seja um Provedor das Gerações Futuras, um Ministério do Futuro, uma rede de instituições para as Gerações Futuras.

Por fim, Miguel Poiares Maduro, Presidente da Comissão Científica do Fórum Futuro, dirigiu-se ao palanque. Depois dos devidos agradecimentos, Miguel Poiares Maduro diz que “estes estudos demonstram claramente, e de forma não surpreendente, que as políticas públicas tendem a favorecer o presente face ao futuro. Os processos de decisão das nossas políticas públicas e a estrutura de incentivos do nosso sistema político não valorizam os riscos nem sequer os benefícios futuros e criam uma espécie de externalidade temporal. (…) Isto é um problema de défice democrático. E porquê? Porque significa que as decisões de hoje não incorporam boa parte do seu impacto nas gerações futuras. Há, portanto, uma sub-representação democrática nas decisões que são tomadas hoje. Os interesses futuros vão ser condicionados pelas decisões que estamos a tomar hoje. Uma política justa, no fundo, é uma política em que o exercício da nossa liberdade deliberativa democrática, hoje, não deve limitar exercício da liberdade deliberativa democrática das gerações futuras. Ou seja, nós devemos deixar o mesmo espaço deliberativo para deliberar, a mesma amplitude de opções às gerações futuras do que temos hoje. Ora, quando as decisões do presente não fazem isso e condicionam a liberdade deliberativa do futuro, isso é um problema de défice democrático”.

A correção destes problemas exige, portanto, como deixou claro Miguel Poiares Maduro, “trabalhar sobre a qualidade da nossa democracia. A sustentabilidade e a equidade intergeracional só será verdadeiramente conseguida se nós corrigirmos os nossos processos de decisão e a qualidade da nossa democracia, de forma a corrigir esse défice democrático”.

Miguel Poiares Maduro termina dizendo que não cabe à Fundação Gulbenkian nem ao Fórum Futuro “decidir quais são as medidas de reforma do nosso sistema democrático ou mesmo os processos de decisão das políticas públicas. Nem muito menos é a nossa função, nem foi a função destes estudos a de fazer propostas de políticas públicas concretas. (…) São três as funções de uma Fundação: a primeira é a de informar o debate, criar dados e fazer análises através do estudo (…) e através disso informar o debate. A segunda função é a de promover o debate (como foi feito hoje e é algo que queremos continuar a fazer, no futuro). E, em terceiro lugar, apoiar e incentivar, sem as definir nem as determinar, reformas nos processos de decisão públicos e privados, de forma a que eles atendam a esta informação e que eles sejam suscetíveis de gerar decisões de políticas públicas, que respeitem melhor a equidade intergeracional.”

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