EXAUSTAO FÍSICA E MENTAL

EXAUSTAO FÍSICA E MENTAL

COMO SOBREVIVER AOS EFEITOS MENTAIS DA PANDEMIA

SAÚDE MAIS DE UM QUARTO DOS PORTUGUESES SOFRE DE ANSIEDADE

Leonor Riso

Ansiedade, depressão, exaustão, falta de sono e esgotamento. A pandemia aumentou os riscos da saúde mental dos portugueses. Treze especialistas explicam à SÁBADO o que pode fazer para enfrentar os males mais comuns e recuperar a autonomia

Da mesma maneira uma perna vamos de não nos dizem parairmos aum psicólogo?” A pergunta é de Joel Barros. 25 anos, que ficou desempregado no início da pandemia e que, nessa altura, começou a confrontar-se com sintomas desconhecidos. “0 ritmo cardíaco disparava, o sensor do telemóvel dava-me uma ideia de como andava. Sentia palpitações e os meus horários de sono foram abaixo”, recorda.

O diagnóstico não tardoufansiedade. uma doença silenciosa que afetou um em cada quatro portugueses de forma moderadaou grave durante a pandemia, de acordo com o estudo Saúde Mental em Tempos de Pandemia (SM-Covidl9). coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

Sem condições financeiras para pagar consultas – no privado o preço das sessões de Psicologia e Psiquiatria varia entre os €45 e os €100, e no público não há oferta suficiente Joel obteve ajuda através daThe Pinèapple Mind, uma associação de saúde mental que ajuda quem precisa através de voluntários que são ou estão a estudar para serem profissionais de saúde ou que já sofreram, eles próprios, de ansiedade ou depressão. Depois de ouvir uma entrevista à f.undadora da associação. Diana Pereira. Joel decidiu pedir apoio. Através da The Pineapple Mind conseguiu encontrar novas rotinas e resolveu dedicar-se ao abate de madeiras para celulose, o negócio da família. “Sinto-me mais capaz de controlar as emoções. mas não deixo de ter ansiedade. Quando tenho um episódio mais extremo, penso nas ajudas dadas pela voluntária: não vale a pena stressar. vamos pensar com calma, escrever e delinear ideias”, afirma.

As melhoras cleveram-se também à ajuda de uma profissional. “A psicóloga ensinou-me várias técnicas de respiração e relaxamento muscular”, conta. Técnicas que fazem com que não se sinta mais ansioso, apesar do segundo confinamento provocado pelo aumento exponencial de casos e mortes por Covid-19. Ainda assim, estará atento aos sinais. De acordo com os vários especialistas consultados pela SÁBADO. a ansiedade – que afeta crianças, adultos e idosos – é apenas um dos vários efeitos mentais provocados pela pandemia. Entre eles estão o overthinking. o agravamento da Perturbação Obsessivo-Compulsiva, a falta de sono, o esgotamento familiar e a depressão. Conheça os respetivos sintomas e saiba o que poderá fazer para enfrentar a doença com base nos conselhos de 13 especialistas em saúde mental.

Controlar as preocupações extremas

Cansaço mental, problemas gástricos, falta ou excesso de apetite, uma pressão na zona do peito, dores de cabeça ou uma tensão na cervical são alguns sintomas de ansiedade. Antes de a Covid-19 entrar na nossa vida, a Ordem dos Psicólogos já identificava as perturbações de ansiedade como a doença mental com maior prevalência em Portugal, descrevendo-as como sensações desagradáveis que surgem quando uma coisa nos faz sentir nervosos, nos assusta, inquieta ou preocupa.

Por vezes essa preocupação atinge um ponto tal que se traduz num cansaço mental extremo. Os especialistas chamam-lhe overthinking, pensar demasiado. Neste caso nas consequências da pandemia, como
as financeiras ou o receio de perder alguém devido à Covid-19 que. segundo um estudo do Instituto Dinamarquês da Felicidade, são os motivos de maior preocupação da população.

As vítimas do overthinking “estão sempre a pensar na mesma coisa, não conseguem desligar o pensamento”. explica à SÁBADO a psicóloga Rita Morais. “É um cansaço fora do normal” que pode afetar “qualquer pessoa” e denunciar “exaustão emocional”. Alguns pensamentos são tão intrusivos que causam mesmo dores de cabeça ou na cervical e limitam o quotidiano, relata. A pandemia e a falta de controlo em relação ao futuro vieram agravar o problema. Sem as rotinas diárias de ir para o trabalho, falar com os colegas, muitas pessoas viram-se em casa a refletir sobre a sua vida, a “olhar para dentro”, diz a psicóloga. E não conseguem parar.

A Covid-19 também agudizou o problema de quem já tinha ansiedade. Fátima Freitas, de 26 anos, lia todas as notícias sobre o assunto no trabalho e viu a sua “insuportável” fobia de aranhas piorar: “Entro num estado em que qualquer coisa me assusta, fico encolhida e com os ombros encostados ao pescoço. Estou sempre a olhar para todo o lado para ver se há uma aranha. Fico exausta por estar sempre alerta e sem relaxar”, descreve. Desde janeiro que é acompanhada por uma psicóloga. que lhe ensinou exercícios de respiração e a relaxar o corpo. Aprendeu a abandonar um pensamento com os cinco sentidos: Fátima foca-se em encontrar cinco coisas da mesma cor à sua volta, ou em identificar os odores que estão ao pé dela, para se desligar do que a deixa ansiosa. Os ataques de ansiedade deixaram de ser tão frequentes.

Um episódio de ansiedade pode causar tonturas, aumento do ritmo cardíaco e da temperatura. Se for mais intenso, dá-se um ataque de pânico, em que “achamos que vamos morrer”, explica a psicóloga Filipa Jardim da Silva. “A sensação é de um ataque cardíaco e AVC. Podemos sentir que estamos a pairar.”

Já quando tudo causa preocupações e receios, o diagnóstico é síndrome de ansiedade generalizada.

Para Filipa Jardim da Silva, a ansiedade em si não é o problema: “É não a saber regular.” Para isso, deixa algumas sugestões que todos podem pôr em prática. Uma delas é o exercício da auto-observação para desacelerar, focando-se em como respira, no que pensa, que emoções experiencia eo que sente no corpo num determinado momento: “É como se fôssemos investigadores de nós próprios.” Outra sugestão é a do planeamento estratégico do dia, para perceber como distribui o seu tempo pela família, trabalho e outras dimensões da vida e se se adequa às suas necessidades.

No entanto, também a alimentação pode ajudar a controlar a ansiedade. Evite os salgados ou processados que geram maiores oscilações de humor e desequilíbrio neuroquímico. Comer nozes e amêndoas, por outro lado, ajuda à produção de serotonina, um neurotransmissor que influencia o bem-estar, adianta Filipa jardim da Silva. A psicóloga sugere também aquilo a que chama “manhãs poderosas”: depois de acordar tire nem que seja 15 minutos para meditar, escrever um diário ou praticar exercício físico.

Mas recorde: não há uma solução ideal para todas as pessoas, explica o psicólogo António Américo Salema. “Cada um de nós deve fazer uma descoberta em busca do que faz sentido para si. A psicoterapia vai em busca das necessidades individuais de cada um.” António Salema aconselha que se “viva o dia a dia” e se exerça o “autocontrolo” da quantidade de informação sobre a pandemia a que somos expostos. Já a psicóloga Renata Benavente recomenda que se apele à memória: “As pessoas por norma têm recursos que lhes permitiram ultrapassar situações difíceis. Todos tivemos momentos menos bons. Temos que pensar no que funcionou na altura.”

Em junho de 2020, a descoberta de uma investigadora portuguesa gerou uma esperança redobrada contra a ansiedade: Joana Marques, da Faculdade de Medicina do Porto, descobriu que uma enzima presente no cérebro, a Tet3, serve para nos adaptarmos a diferentes situações e que a sua ausência nos deixa mais ansiosos. Caso seja possível regulá-la, os comportamentos associados à ansiedade tornam-se mais fáceis de controlar.

Depressão: aceitar a tristeza para recuperar

O Ele metade do ano a correr o mundo em trabalho, Carmo Guedes (nome fictício), de 55 anos, passou para nove horas diárias sentada à frente do computador. Gestora de projetos milionários numa multinacional, em março começou “a sentir-se pior sem perceber o que tinha”: dores de cabeça, problemas gastrointestinais e falta de energia. Passava os dias deitada “sem motivação para nada” e muito triste: “Grande parte da minha depressão foi perceber que as coisas mudaram e não vão voltar a ser as mesmas.”

Esta incerteza quanto ao futuro é cada vez mais associada à depressão. “Vejo pessoas muito afetadas C por isso. As pessoas não saberem como é que se vão projetar no futuro deixa-as deprimidas, de pés e mãos atadas. Há falta de perspetivas de futuro”, diz a psicóloga e cofundadora da Clínica do Sentir, Lisete Gonçalves. “É um pouco como lidar com várias mortes, a de um trabalho, ou de um familiar, de uma realidade que era diferente desta. Quando se fala em ‘voltar ao normal’, é a necessidade de voltar ao que conhecemos e é confortável. Não controlamos coisa nenhuma, mas controlar alguma coisa dá uma sensação de bem-estar e tranquilidade. Agora, é um descontrolo total. As pessoas não sentem que haja algo em que se possam apoiar” e entram “em desespero antecipatório”, continua Lisete Gonçalves.

O estudo sobre saúde mental e pandemia do 1NSA concluiu que entre as pessoas que passaram por quarentena, isolamento ou que já estão recuperadas da Covid-19, metade referiram sintomas de depressão moderada e grave, enquanto 26% do total de inquiridos acusou sintomas de depressão.

Como reagir? “A alternativa tem a ver com a expectativa que as pessoas criam, que é desajustada muitas vezes, porque na realidade não controlamos coisa nenhuma. Um dos trabalhos é desmontar o sistema de crenças que levou à construção dessas expectativas, que conduz as pessoas a uma melhor perceção da realidade. Vivermos a situação exige pensarmos, vivermos o momento cada vez mais sem grandes expectativas quanto ao futuro”, considera a psicóloga.

Sentimentos recorrentes de tristeza. perda de interesse nas coisas que davam prazer, apatia e falta de motivação são um alerta para a depressão. Aceitar os momentos em que se sente triste, criar rotinas para evitar momentos mortos e pensamentos negativos, praticar exercício físico, optar por uma alimentação saudável, dividir os problemas em pequenas partes para que não pareçam tão esmagadores, não se subestimar e cumprir um horário de sono são algumas soluções apontadas pela Ordem dos Psicólogos num dossiê online, para lidar com a tristeza.

Para Carmo Guedes, os medicamentos e as consultas de Psiquiatria e Psicologia foram passos importantes. bem como reconhecer que tinha uma doença: “Sentia que não tinha direito a ter uma depressão porque havia pessoas com Covid-19 sozinhas num hospital, com familiares doentes, a perder o emprego.” Depois de contar aos amigos que estava deprimida, foi apoiada. “Quando o cérebro começa a dizer que ninguém gosta de mim. digo que não é verdade, por ter estas pessoas.”

Após quase meio ano de baixa, em janeiro Carmo voltou ao trabalho com 40% do horário: “Sinto-me capaz de enfrentar os próximos meses”, graças à “fundamental” combinação dos medicamentos com a terapia. Sustenta a ideia de Lisete Gonçalves: “Tudo na vida nos deixa marcas, a questão é o que fazemos com elas. Se trabalharmos com elas, vamos arrumá-las. Se forem perturbadoras e não as tratarmos, têm consequências.”

O alerta do sono

O Ana Lopes (nome fictício), 24 anos, passou noites em claro ao longo dos meses de março e abril de 2020, depois de a pandemia se instalar e de o emprego numa loja ter ficado suspenso. “Ficava a noite inteira acordada e nem de dia dormia. Não tinha força para conseguir fazer alguma coisa”, relata. “Telefonei à minha mãe e ela teve de se encontrar comigo, por eu ficar sem ar de tanto chorar. Eu disse que precisava de alguma coisa, ‘não suporto mais e eu não consigo sozinha’”.

A família ajudou-a a encontrar apoio psicológico em maio. “Só de ter alguém que me escute e entenda, é uma ajuda enorme. A sensação que tenho é que as outras pessoas à volta não conseguem compreender o que estou a sentir.”

Desde o início da pandemia, o sono dos portugueses piorou 10%, o que “não é catastrófico”, diz a neurologista e especialista em sono Teresa Paiva, responsável pela investigação Covid, Sono, Saúde e Hábitos. “Todas as alterações mentais e psicológicas, como a depressão, ansiedade e irritabilidade, afetam o nosso sono.” Dores crónicas, tonturas e zumbidos são os sintomas que Teresa Paiva mais detetou deste março, a par da fadiga.

“A depressão é não ter vontade de fazer as coisas. A fadiga é não ser capaz de as fazer”, explica. Essa é mesmo uma das principais queixas dos recuperados da Covid-19 que Teresa Paiva já recebeu no consultório, além de dificuldades de concentração e de tomada de decisões. “Pensam de forma pouco nítida, uma espécie de nevoeiro…” Três meses depois de testarem positivo ao novo coronavírus, uma em cada cinco pessoas são diagnosticadas com ansiedade, depressão ou insónia, revelou uma investigação da Universidade de Oxford.

Passar mais de 12 horas na cama indicia depressão, tal como ir dormir demasiado cedo: “As pessoas deitam-se para tentar não pensar”, explica Teresa Paiva. Já estar deitado mais do que 10 horas diárias, para um adulto, é um risco para a saúde.

As pessoas devem ainda manter uma ocupação intelectual – como o trabalho ou atividades como tricô, jardinagem, pintar ou cantar – e outra afetiva. “Há uma grande diferença entre viver sozinho ou ter solidão. Se a pessoa não tem enquadramentos afetivos, interações, amigos, deve arranjar um animal de companhia”, aconselha Teresa Paiva.

Para adormecer, a psicóloga Bárbara Ramos Dias sugere o uso de aromas tranquilizantes, como alfazema, na almofada. Exercícios de respiração abdominal, ou beber um shot de chá de camomila (colocando uma saqueta em dois dedos de água), também ajudam. Os telemóveis? Ficam fora do quarto- e os pais devem dar o exemplo aos filhos.

Nem tudo é Covid-19

A Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) caracteriza-se por pensamentos intrusivos e incontroláveis, como ser contaminado, e por comportamentos repetidos de forma compulsiva. Em novembro de 2020, psiquiatras do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa e do Hospital Garcia de Orta avisaram num artigo da Revista Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental que “as pessoas com perturbação obsessivo-compulsiva (POC) são talvez um dos grupos mais afetados diretamente pela pandemia”, devido à “situação atual de perigo iminente suscitada pela possibilidade de ser contagiado” pelo coronavírus.

Foi o que aconteceu a Manuel Fonseca (nome fictício), de 25 anos, que tinha a POC controlada. Até ao dia em que acordou a sentir-se “maldisposto”. “Comecei a associar à Covid-19 todos os sintomas”, como dores de garganta, de cabeça, tosse ligeira. Antes de ir de férias fez o primeiro de três testes, em dois meses. Todos deram negativo. Para conseguir “paz de alma”, saiu da casa onde viviam os pais e o irmão mais novo. “Se estiver alguém a tossir à minha volta, vou fazer um filme. No meu pico de ansiedade tomo um Valdispert. Isto afetou-me o apetite, o sono, as relações pessoais, o humor.”

“O facto de se estar hipervigilante quanto aos sintomas não ajuda”, diz a psicóloga Rita Morais. “É preciso ter paciência, e não agir no imediato”, porque uma dor de garganta pode ser passageira. “Procura-se o alívio imediato da dor através do teste à Covid. Mas essa questão manifesta-se muitas vezes quando não se consegue lidar com outros problemas”, como laborais. por exemplo.

Escrever pensamentos, sentimentos e comportamentos permite entender quais são os gatilhos que fazem aumentar a ansiedade, que se pode gerir através de meditação e de técnicas de respiração, explica Rita Morais.

Superar os conflitos familiares

O Apesar de estar mais associada ao trabalho, a pandemia causou situações de ansiedade e stress continuadas vividas em família que levam à exaustão e ao burnout. explica a psicóloga e professora catedrática de Psicologia Social Maria Luísa Pedroso de Lima.

Um inquérito internacional realizado junto de 12 mil pessoas de 130 países, incluindo Portugal, mostra que o stress familiar durante a pandemia recaiu de forma desproporcional nas mulheres que moram com mais do que uma pessoa. Dentro de casa, as desigualdades de género agudizaram-se: “As mulheres ficaram a trabalhar até mais tarde, depois das 10h da noite, porque ainda deitaram os filhos e fizeram o jantar”, descreve Maria Luísa Pedroso de Lima.

A psicóloga Renata Benavente reforça: “Quando trabalho e casa se misturam é mais difícil fazer a transição.” Alguns empregadores “tornaram-se mais vigilantes e exigentes”. sem respeitar hora de almoço ou folgas. “Isso exacerbou quadros ansiosos, problemas de sono, quadros depressivos marcados”, afirma.

Já aqueles que tinham familiares a cargo tiveram que lidar com o encerramento dos centros de dia e a redução do apoio domiciliário, ficando sobrecarregados e exaustos, em desgaste emocional e físico. Renata Benavente aconselha que os cuidadores sejam ajudados “a alterar crenças” para ativar a rede de apoio e não fazerem tudo sozinhos.

Como se devem superar os conflitos no seio familiar? A terapeuta familiar e de casal Catarina Mexia sugere que qualquer solução passa primeiro pela “nossa individualidade”. “Precisamos de regressar dentro do possível às nossas rotinas, e cada pessoa deve cuidar de si”, explica. Depois, “fazer em conjunto coisas que dão prazer”.

A Ordem dos Psicólogos divulgou ainda vários conselhos para evitar e resolver conflitos familiares. Deve manter uma atitude calma e tranquila, praticar exercício físico para fazer com que a tensão escape, manter horários, respeitar os espaços de cada um. escutar e conversar, e afastar-se quando não aguenta mais para um sítio onde possa acalmar-se sozinho.

As crianças também sofrem de ansiedade

OA pandemia fez com que os pais deixassem de poder entrar com os filhos dentro da creche, ficando à porta. As crianças são “depositadas sem mais nem menos de forma rápida”, critica a psicóloga Ana Rita Dias. “A criança está rodeada de estranhos, não entende porque é que chora e não tem a mãe. não reconhece as caras tapadas por máscaras. Isto fica gravado no desenvolvimento e como elas se começam a comportar, a sentir e a agir no mundo.”

Estas condições abrem a porta ao trauma do abandono, que “implica ansiedade, depressão, a longo prazo, e provoca angústias e dependências emocionais e afetivas derivadas do medo”.

“Medidas que não sejam tão nefastas para a sociabilização das pessoas” são uma resposta, considera Ana Rita Dias. As pessoas “não estão com um grau de medo que seja realista. Uma das coisas principais é vivermos isto de outra forma, entendermos que a vida por si só implica riscos”, defende.

A pandemia fez com que pelo consultório de outra psicóloga. Bárbara Ramos Dias, passassem crianças ansiosas, stressadas, com ataques de pânico e distúrbios intestinais. Algumas ficam com diarreia por pensarem em ir para a rua. Outras não dormem por “imaginar a Covid”, e até o desenham.

Se o seu filho tiver pesadelos, entre na fantasia. “Não se deve dizer que não existem monstros. Tem que se perguntar ‘onde está?’, e ‘vamos buscar uma vassoura e vamos matar”‘, explica a especialista em crianças e jovens. Devido ao odor, dormir com uma peça de roupa dos pais dá conforto, bem como luzes de presença.

E apesar de as crianças se queixarem de dores de cabeça, falta de ar e sufoco por usar a máscara o dia todo, não a tiram: “Nas crianças entre os 8 e os 12 anos nota-se muito mais a preocupação de infetar a família do que nos adolescentes.” “Os miúdos são o espelho do que somos e fazemos”, explica Bárbara Ramos Dias. “Se demonstrarmos demasiado stress e ansiedade, o deles também aumenta”: deve transmitir-se “segurança” apesar da situação difícil. A psicóloga sugere ainda a prática de exercícios de respiração abdominal, cuidados com a alimentação evitando os açúcares e beber muita água.

Outro exercício prático para todas as idades recorre a uma bola de ténis, que deve ser pressionada contra a almofada do pé antes dos dedos. “Acumulamos stress aí. Se todos os dias fizermos uma massagem ao pé com uma bola de ténis contra o chão, os níveis baixam”, adianta. Finalmente, o colo e os abraços não devem ser esquecidos.

Casais ansiosos: pedir ajuda é a solução

O Entre julho e setembro de 2020, registaram-se mais 235 divórcios que no período homólogo. Ao todo, 3.862 casais separaram-se, indicam os dados do Ministério da Justiça. “Quando as relações já estão podres, qualquer situação vem criar maior conflito que estava mascarado pelo dia a dia. Mas os casais que tinham uma relação saudável até melhoraram muito”, assume o psicólogo e terapeuta sexual António Américo Salema, que crê que a sexualidade melhorou: com o teletrabalho, o sexo já não era só ao fim do dia e apesar do cansaço.

Por outro lado, as pessoas ficaram menos “disponíveis mentalmente para ajudar os outros” -e isso afeta a relação conjugal, bem como a libido. “Há casais que nunca tinham estado tanto tempo juntos no mesmo espaço”, explica a psicóloga Lisete Gonçalves. E depois de uma discussão, as pessoas não puderam ir para o trabalho, desabafar e voltar a casa mais leves.

O teletrabalho é a nova realidade para muitos casais. Fazer tudo dentro de casa “é propício aos conflitos”, e pode levar à exaustão e ao fim da relação. Aos casais, a Ordem dos Psicólogos faz algumas sugestões, como reconhecer que a pandemia é uma situação stressante, em que se devem diminuir expectativas sobre o que se pode fazer neste cenário de incerteza e crise. Promover atividades que motivem a proximidade ea intimidade, dedicar tempo um ao outro, expressar sentimentos e ser sensível às necessidades um do outro também são alguns conselhos.

Face aos problemas conjugais, a terapeuta de casal Catarina Mexia aconselha: “Peçam ajuda antes de estar tudo escaqueirado.” Não sente que tenha havido muitas separações. mas recorda a crise de 2008, em que muitos casais continuaram a viver juntos apenas por “não terem forma de sustentar outra casa”: “Ainda é cedo para perceber o que se passa.”

É importante valorizar o outro, “ser capaz de apreciar, de elogiar, mostrar a nossa gratidão no sentido de quanto é importante para nós”.

“Se eu mostrar a quem vive comigo o quanto é bom vê-lo com um sorriso, ou se contribuir nas tarefas caseiras. o clima é bom”, sustenta.

O dilema dos idosos

O “Estamos a dizer aos idosos, nas notícias, que estão mais em risco que os outros. Mas não são as pessoas mais velhas que se sentem mais ameaçadas pela Covid. A ideia da morte já lhes passou pela cabeça: não querem perder os anos que lhes restam sem contactos com as pessoas”, explica Maria Luísa Pedroso de Lima, professora catedrática de Psicologia Social no ISCTE. “Os idosos estão a ser isolados de coisas que davam sentido e alegria às suas vidas.”

Perante este dilema, revoltam-se. “Há discursos sobre proteger os mais velhos em que não se ouviu a sua opinião”, explica o psiquiatra Júlio Machado Vaz. “Foram infantilizados e ficam irritados. Oiço muita gente da minha idade (71 anos) e mais velhos que dizem ‘estou bem informado, portanto eu é que decido que riscos corro, para sentir que continuo a ter vida e a viver, não a sobreviver'”.

Um estudo da Kaiser Family Foundation determinou que um em cada quatro idosos se sentiu ansioso ou deprimido devido à pandemia. “Há sempre decisões a tomar e não existe o risco zero”, aponta Júlio Machado Vaz. Outro flagelo para os idosos foi o da solidão, “um fator de risco para a saúde física e mental”: “Agora imagine os mais velhos nos lares…”

Nos casos de demências, a presença eo toque, que tanto foram limitados nos lares, são fundamentais para momentos de reconhecimento, afirma a terapeuta Catarina Mexia. Algumas soluções passam pela tecnologia. “Cada lar já devia ter ferramentas, computadores, em que as pessoas pudessem contactar com mais frequência pela Internet”. afirma Maria Luísa Pedroso de Lima.

A OMS emitiu algumas orientações acerca da saúde mental dos mais idosos em pandemia, ea primeira éo contacto regular com os entes queridos. Estabelecer rotinas para necessidades básicas e lazer e manter-se ativo com exercício físico que seja possível fazer em casa são outras dicas.

Júlio Machado Vaz apela à resiliência individual, bem como ao reforço dos laços comunitários. Mas arrisca: “Se calhar vamos tornar-nos mais nórdicos. Haverá maior cuidado, sobretudo fora das zonas de conforto. Um dos meus netos pode contagiar-me. mas não penso duas vezes em estar perto deles. Se estiverem ao pé do grupo de amigos. terei mais algumas cautelas.”

Luto roubado

A pandemia impediu rituais para lidar com a morte Na semana entre 19 e 25 de janeiro de 2021 estão os sete dias em que se registaram mais mortes em Portugal, um terço das quais devido à Covid-19. Por trás dos números estão famílias e amigos que não conseguem viver o luto da mesma maneira que antes da pandemia.

Um estudo publicado no jornal científico Death Studies aponta que 66% dos inquiridos acusaram níveis de dor disfuncional depois da morte de um ente querido por Covid-19. Os investigadores norte-americanos consideram que as circunstâncias da pandemia põem os enlutados em risco de “um luto prolongado, devido ao isolamento social, à morte repentina e à dificuldade para tirar algum sentido da perda”.

É uma ideia apoiada pela psicóloga e professora catedrática de Psicologia Social Maria Luísa Pedroso de Lima. “Os rituais sociais de partilha de emoções e apoio quando as pessoas se juntam para se apoiar mutuamente desapareceram”, reflete.

A Ordem dos Psicólogos alerta para as possibilidades de lutos antecipatórios, face à infeção por coronavírus de uma pessoa, ou adiados, pela falta de uma despedida ou pela sua rapidez. Por isso, apela ao não adiamento do luto, a que as pessoas não se isolem e que respeitem as suas emoções (sejam elas raiva, medo, ou alívio, por exemplo) e o seu próprio tempo de luto que pode ser longo. É importante manter as rotinas e cuidar da saúde emocional e física.

“A PANDEMIA CAUSOU SITUAÇÕES DE ANSIEDADE E STRESS VIVIDAS EM FAMÍLIA E QUE LEVAM À EXAUSTÃO E AO BURNOUT”

A psicóloga Rita Morais diz que em determinados momentos da vida todos somos vulneráveis

SNS

Nos cuidados primários de saúde em Portugal, só há 2.5 psicólogos por cada 100 mil habitantes

AS VÍTIMAS DO OVERTHINKING

ESTÃO SEMPRE A PENSAR NA MESMA COISA, NÃO CONSEGUEM DESLIGAR UM EPISÓDIO DE ANSIEDADE PODE CAUSAR TONTURAS, AUMENTO DO RITMO CARDÍACO E DA TEMPERATURA

Joel Barros ficou desempregado no início da pandemia e começou a ter sintomas de ansiedade Fadiga pandémica

Cansadas, as pessoas não cumprem as regras

Segundo a OMS, atinge 60% da população. O cansaço faz com que as pessoas se sintam menos motivadas para ter cuidado. avisa o psicólogo David Neto. A fadiga pandémica também pode derivar de stress ou ansiedade e levar as pessoas a desligar: “É um coping disfuncional.” Em vez de se pensar em catástrofe, a pandemia deve ser encarada como algo que se gere “enquanto sociedade”.

Fátima Freitas já sofria de ansiedade e o problema piorou ao ler todas as noticias sobre a pandemia

61.068 chamadas atendidas desde abril na Linha de Apoio Psicológico do SNS24 (disponível através do 808 24 24 24)

METADE DAS PESSOAS QUE PASSARAM POR QUARENTENA OU ISOLAMENTO TIVERAM SINTOMAS DE DEPRESSÃO

Profissionais de saúde

Os peritos estão preocupados com stress pós-traumático

O estudo SM-COVID19, do INSA. revelou que. relativamente à população em geral, os profissionais de saúde têm maior sofrimento psicológico, no que toca a ansiedade moderada a grave. Quem trata pacientes com Covid-19 é mais afetado, com um risco 2,5 maior do que quem não interage com esses pacientes, e também sofre de maiores níveis de burnout. Esteja atento a sinais como dificuldade em tomar decisões e de desligar do trabalho, alterações do sono e do ritmo cardíaco, transpiração, perda de apetite, choro fácil e irritabilidade.

A ansiedade em si não é o problema: “É não a saber regular”, diz a psicóloga Filipa Jardim da Silva

51% dos profissionais de saúde estavam em exaustão física ou psicológica em junho de 2020, revelou um estudo

AS PESSOAS DEVEM MANTER UMA OCUPAÇÃO INTELECTUAL E OUTRA AFETIVA, ACONSELHA TERESA PAIVA O

A psicóloga Lisete Gonçalves aconselha os pacientes a baixarem as expectativas em relação ao futuro para lidarem com a depressão

A professora catedrática Maria Luísa Pedroso de Lima salienta que as desigualdades de género se agudizaram na pandemia

ENTRE OS 8 E OS 12 ANOS NOTA-SE MAIS A PREOCUPAÇÃO DE INFETAR A FAMÍLIA DO QUE NOS ADOLESCENTES

Ramos Dias

A psicóloga diz que as crianças são o nosso espelho e que, por isso, devemos transmitir-Ihes segurança

Como ser mais feliz

As dicas do Instituto Dinamarquês da Felicidade

Passar pelo menos

15 minutos ao ar livre

Experimentar atividades artísticas ou do it yourself como pintar ou cozinhar

Fazer curtos exercícios de meditação

Ajudar os amigos ea família Manter o contacto com as pessoas próximas, mesmo através de telefone ou videochamada

Manter-se ativo com exercício físico regular UM EM CADA QUATRO IDOSOS SENTIU-SE ANSIOSO OU DEPRIMIDO DEVIDO À PANDEMIA

Catarina Mexia

A terapeuta de casal recorda a importância de se valorizar o outro para uma vida familiar saudável

António Salema

O psicoterapeuta acredita que com o teletrabalho a sexualidade dos casais melhorou

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Júlio Machado Vaz recorda que muitos idosos foram infantilizados, como se não tivessem informação sobre a pandemia

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A psicóloga Renata Benavente aconselha os pacientes a recordarem como superaram momentos difíceis

Teresa Paiva Um estudo da neurologista concluiu que o sono dos portugueses piorou 10% com a pandemia

Manuel sofre de Perturbação Obsessivo-Compulsiva. Começou a associar todos os sintomas à Covid-19

O pequeno e triste espetáculo da vacinação

POR MAFALDA ANJOS Diretora

Entre todas as missões fundamentais para o País, há uma mais fundamental do que qualquer outra. Chama-se vacinação contra a Covid-19. A inoculação da população é a única coisa que nos permite pensar no dia a seguir à pandemi…