Viúva de ucraniano morto no aeroporto pede ao Estado €230 mil de adiantamento de indemnização

Viúva de ucraniano morto no aeroporto pede ao Estado €230 mil de adiantamento de indemnização

Marcos Borga

Requerimento foi entregue à Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes

Sem condições para esperar pelo trânsito em julgado do processo do assassínio do seu marido, Ihor, que o Ministério Público (MP), em acusação recentemente deduzida, concluiu ter sido morto à pancada por três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa, a ucraniana Oksana Homenyuk deu agora entrada com um pedido de adiantamento de indemnização ao Estado português. Através do seu advogado, José Gaspar Schwalbach, a viúva de Ihor solicita um adiantamento de indemnização de 230 mil euros, mediante um requerimento à Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes (CPVC).

Oksana Homenyuk, 38 anos, refere perdas de rendimentos de 700 euros mensais, “até à data e vincendos”, no documento entregue à CPVC, organismo administrativo tutelado pelo Ministério da Justiça e que delibera sobre compensações a atribuir às vítimas quando, na sequência de um crime, estas não conseguem ser indemnizadas pelo agressor. É exatamente isto o que a viúva ucraniana e o seu advogado perspetivam face à provável condenação, em julgamento, dos inspetores do SEF Duarte Laja, Bruno Sousa e Luís Silva, que o MP acusa da prática dos crimes de homicídio qualificado e de detenção de arma proibida, considerando, assim, que os três arguidos tiveram a intenção de matar ou que, pelo menos, conformaram-se com essa possibilidade, quando agrediram de forma bárbara Ihor Homenyuk, 40 anos, a 12 de março passado, no aeroporto de Lisboa.

Dois dias antes, Ihor tinha sido barrado por um inspetor do SEF, após desembarcar de um avião que o trouxe de Istambul. Motivo: não ter documentos que provassem que vinha a Portugal como turista, “visto” de que os ucranianos, por sinal, não precisam para entrar no nosso país.

Por estar a “causar distúrbios” e recusar-se a embarcar de volta para Istambul, Ihor foi isolado na sala “Médicos do Mundo”, onde na manhã de 12 de março entraram os inspetores do SEF Duarte Laja, Bruno Sousa e Luís Silva. Segundo o relato do MP, “obstando ao registo dos seus nomes na receção”, algemaram “as mãos da vítima atrás das costas”, amarraram-lhe “os cotovelos com ligaduras” e desferiram-lhe “um número indeterminado de socos e pontapés no corpo”.

Oksana Homenyuk refere perdas de rendimentos de 700 euros mensais, “até à data e vincendos”, no documento que fez chegar à Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes

Com Ihor prostrado no chão, prossegue a acusação, os arguidos continuaram a agredi-lo, usando também um bastão extensível. Sairiam daquela sala “deixando a vítima prostrada, algemada e com os pés atados por ligaduras”, e proferindo expressões, ouvidas por testemunhas, como “hoje já não vou ao ginásio” e “agora está sossegado”.

Ihor terá agonizado ao longo de dez horas até um outro inspetor do SEF encontrá-lo já moribundo, a que se seguiu a chamada de uma viatura médica de emergência do INEM, com o clínico da tripulação a verificar, no local, o óbito do imigrante ucraniano.

Se os três inspetores do SEF (em prisão domiciliária desde finais de março) arriscam a pena máxima (25 anos de cadeia), uma família de Novoiavorivsk, perto da fronteira da Ucrânia com a Polónia, ficou irremediavelmente destruída. Ihor, operário da construção civil especializado em fachadas de edifícios, e Oksana, professora do ensino básico, eram um casal com dois filhos (uma rapariga de 14 anos e um rapaz de 8). Ele passava com frequência temporadas no estrangeiro, a trabalhar para compor o rendimento familiar. Era o que, uma vez mais, ia acontecer após aterrar em Lisboa a 10 de março: a viúva assegura que Ihor só veio à capital portuguesa para assinar um contrato com uma empresa nacional de construção civil que tem obras em curso na Bélgica, país onde ficaria os seis meses seguintes a trabalhar, como anteriormente já sucedera.

Hoje sozinha e com dois filhos menores a cargo, Oksana aguarda agora a resposta ao pedido de adiantamento de indemnização que fez à Comissão portuguesa de Proteção às Vítimas de Crimes, presidida por Carlos Anjos, inspetor-chefe da Polícia Judiciária, e constituída pelo juiz Artur Cordeiro, a procuradora Maria Fernanda Alves, a jurista Paula Silva, indicada pela ministra da Justiça, e, em representação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, Pedro Cabeça.