Governo deixa em banho-maria autorizações para legislar

ECONOMIA 8 e 9

Governo deixa em banho-maria autorizações para legislar

FILOMENA LANÇA filomenalanca@negocios.pt

ORÇAMENTO DO ESTADO

O Orçamento do Estado para 2020 concedeu ao Governo autorização para legislar em matérias, que vão dos vistos gold à criação de benefícios fiscais. A esmagadora maioria ainda não saiu do papel.

Vistos gold, contraordenações em matériaeconómica, IVA para as bebidas na restauração, benefícios fiscais vários ou nova taxa sobre os plásticos de uso único. Estas são algumas das matérias para as quais o Governo pediu autorização ao Parlamento para legislar, no âmbito do Orçamento do Estado (OE) para este ano. As autorizações legislativas foram concedidas, mas as matérias, sobre as quais o Executivo se deveria debruçar, acabaram por não sair do papel, tendo a única exceção sido a do IVA da eletricidade.

Se é certo que se criaram expectativas nas pessoas, em teiiipo decovid-19, “é maisou menosexpectável” que algumas autorizações legislativas não sejam usadas, admite Luís Leon, especialista em fiscalidade da consultora Deloitte. “O Governo está com uma balança difícil de equilíbrio entre a queda do PI B e o controle da pandemia”, pelo que, “tendo em conta que caiu uma bomba atómica na economia mundial, é admissível que as prioridades tenham sido alteradas”, refere Luís Leon.

As prometidas alterações à lei dos vistos gold, o chamado do regime das autorizações de residência para investimento, foram as primeiras a cair por terra. Logo em abril, o Ministério dos Negócios Estrangeiros veio dizer publicamente que a mudança da lei prevista no OE não era “uma prioridade neste momento” e não teria efeitos até ao fim do ano. A alteração, recorde-se, passava por favorecer a promoção do investimento nas regiões de baixa densidade, restringir ao território das Comunidade Intermunicipais (CIM) do Interior e das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira os investimentos em imobiliário com vista à obtenção de uma autorização de residência. Com a economia em queda e o país em confinamento, o Governo não quis criar mais uma perturbação ao investimento estrangeiro enquanto alavanca para a recuperação e portanto meteu na gaveta a alteração aos Vistos Gold, tão desejada pelos partidos mais à esquerda.

Outra medida que cedo ficou pelo caminho, foi a que previa uma descida da taxa da energia, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE) que é cobrada a empresas como a EDP, a REN e a Galp, deveria começai’ a reduzir-se este ano. A autorização legislativa concedida ao Governo pelo Parlamento previa isso mesmo, mas tinha uma duração de apenas 90 dias e caducou no final de junho. Em setembro, o ministério das Finanças – para o qual o Ministro do Ambiente e da Transição Digital tinha remetido o assunto – respondeu ao Público que “o processo [da CESE] encontra-se em avaliação”, não adiantando se pretende retomar a questão ainda este ano.

Impostos em stand-by

A maioria das autorizações legislativas concedidas ao Governo pelo Parlamento têm natureza fiscal e implicações na receita. E a nível fiscal, diz Luís Leon, “já há alguma tradição” de deixar pelo caminho um ou outro pedido, o que ainda mais é de esperai’ nesta altura de pandemia. Não sendo executadas as autorizações caducam no final do ano, já que, se outro prazo não ficar previsto, duram enquanto vigorar a lei do OE, ou seja, um ano.

Desta vez, o Governo propôs-se, nomeadamente, a criar regime de benefícios fiscais para as empresas no âmbito do Programa de Valorização do Interior; mais um regime de benefícios no âmbito dos Planos de Poupança Florestal, ou ainda alargar o elenco de beneficiários e as aplicações relevantes do regime de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR). No IRS estavam também previstas novas deduções ambientais para quem adquirisse unidades de produção de energia renováveis para autoconsumo ou bombas de calor. O Negócios pediu um ponto de situação ao Ministério das Finanças, mas não foi possível obter uma resposta em tempo útil.

,A nível fiscal, avançou uma das autorizações legislativas, a referente ao IVA da eletricidade e, já este mês de setembro, o Conselho de Ministros aprovou a redução da taxa de IVA da eletricidade para 13% para os escalões mais baixos de consumo da baixa tensão. Em matéria de TVA estão em banho-maria outras mudanças prometidas, como a descida para a taxa intermédia de um conjunto de medidas, por forma a aumentar o pacote que já existe para a restauração.

Ainda a nível fiscal, mas sujeita à aprovação da União Europeia, estava a promessa de avançar com novos incentivos à internacionalização das empresas, como isenções de Imposto do Selo sobre os prémios e comissões relativos a apólices de seguros de créditos à exportação.

A nível ambiental, o Governo propôs-se também criar uma contribuição sobre as embalagens de uso único. Em maio, o ministro do Ambiente garantia que, apesar da “pausa” provocada pela pandemia, se mantinham as medidas previstas para este ano, como a proibição de produtos de plástico de uso único (como pratos, talheres, palhinhas ou cotonetes), ou a contribuição sobre embalagens de pronto a comer, prevista no OE. Entretanto, a proibição dos descartáveis na restauração já foi adiada e o Negócios questionou o ministério de Matos Fernandes sobre se mantém o objetivo de criar a contribuição, mas não obteve resposta

REVISÃO DA LEI DOS VISTOS GOLD

0 objetivo era alterar o regime das autorizações de residência para investimento, os chamados vistos gold no sentido de favorecer a promoção do investimento nas regiões de baixa densidade, restringindo ao território das Comunidades Intermunicipais (ClM) do Interior e das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira os investimentos em imobiliário com vista à obtenção de uma autorização de residência. Pretendia-se também aumentar o valor mínimo dos investimentos e do número de postos de trabalho a criar. 0 Governo já disse que, por agora, não avançaria.

No IRS estava prevista a criação de deduções ambientais no IRS, a incidir sobre as aquisições de unidades de produção de energia renovável para autoconsumo, bem como de bombas de calor com classe energética alta. Para estimular o financiamento das florestas, outra autorização legislativa previa novos benefícios fiscais no âmbito dos Planos de Poupança Florestal (PPF). Outra promessa era a de criar um regime de benefícios fiscais no âmbito do Programa de Valorização do Interior, este para as empresas. E, também para estas, ficou a promessa de alargar o elenco de beneficiários e as aplicações relevantes do regime de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR).

CRIAÇÃO DE UMA CONTRIBUIÇÃO SOBRE AS EMBALAGENS DE USO ÚNICO

Uma medida de natureza ambiental que prevê que passem a ser taxados os utensílios de plástico usados no “take away”. Até agora não foi concretizada, sendo que, em nome da pandemia, uma outra medida prevista nesta área – a proibição de plásticos de uso único nos restaurantes – foi adiada pelo Executivo.

REVISÃO DAS CONTRAORDENAÇÕES EM MATÉRIA ECONÓMICA

A autorização dada ao Governo prevê que seja revisto o regime jurídico das contraordenações em matéria económica, nomeadamente criando um novo processo e procedendo a uma revisão de coimas. Esta medida tinha um prazo de seis meses para ser concretizada. O Negócios questionou o Ministério da Justiça, mas não obteve nenhum esclarecimento.

Tendo em conta que caiu uma bomba atómica na economia mundial, é admissível que as prioridades [do Governo] tenham sido alteradas.

LUÍS LEON

Partner da Deloitte

Entre as autorizações legislativas há matéria de benefícios fiscais, impostos, ambiente

TOME NOTA

As autorizações que o Parlamento deu ao Governo para 2020

As autorizações concedidas ao Governo com o Orçamento do Estado caducam ao fim de um ano, desde que outro prazo não seja previsto. Depois disso, e já que são matérias nas quais o Executivo não tem competências próprias, o Parlamento terá de novo que se pronunciar.

BENEFÍCIOS FISCAIS EM IRS E IRS CONTRIBUIÇÃO SOBRE O SETOR ENERGÉTICO

Aqui o objetivo era avançar com uma descida da taxa da energia, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE) que é cobrada a empresas como a EDP, a REN e a Galp, deveria começar a reduzir-se este ano. Esta autorização tinha um prazo de execução de 90 dias e caducou no final de junho.

IVA DA ELETRICIDADE E MAIS BEBIDAS NA TAXA INTERMÉDIA

Ao nível do IVA o Governo avançou com a descida da taxa da eletricidade para 13% para os escalões mais baixos de consumo da baixa tensão. Mas também tem autorizações legislativas para trazer para a taxa intermédia outras prestações de serviços de bebidas e colocar na taxa reduzida do imposto bens para reabilitação de deficientes.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, já admiti

e não vai avançar com a autorização legislativa que permitiria rever o regime dos vistos gold. Tiago Petinga/Lusa