Rui Patrício devolve a Luís Neves acusação de “terrorismo intelectual”

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Terrorismo intelectual, cruzada e propaganda -1

Rui Patrício

CORPO DE DELITO

Um ataque – com falsos pressupostos, talvez destinado a difundir o medo (na sociedade, e em especial no poder político sob as vestes de legislador) e a, com isso, talvez obter certos objetivos.

A respeito das declarações do Diretor da PJ sobre “terrorismo judiciário”, eu poderia dizer – como digo (e, com mais frequência, penso) de atoardas parecidasque pessoalmente me estou nas tintas. E estou mesmo nas tintas, no que respeita ao apodo de terrorismo ou outro qualquer parecido. Cada qual será mais ou menos urbano, mais ou menos feliz ou infeliz nas expressões que usa, et cetera, e isso não me tira o sono. Sendo certo, também, que há apodos piores (por exemplo, alguns usados pelos bufões twitteiros ou saltitões e afins – e igualmente nas tintas para isso, digo, e digo só assim para não enlamear mais o nível da discussão); e as costas são largas, quem não aguenta o fogo não deve trabalhar na cozinha (como diria o outro), não me sobejam sensibilidades no foro e, last but not least, com opiniões e processos de intenção ofende apenas quem pode e ofende-se só quem quer. Embora, valha a verdade, haja coisas que fiquem mal a quem as diz. Mas dar-lhes muita importância só agiganta na aparência o que é pequeno na essência; e, metáfora por metáfora, dar muita importância é talvez dar trampolim para que tal palavreado possa almejar chegar a um céu que lhe não pertence. Acho eu, salvo sempre o devido respeito, e tal, e mais mesura e vossa excelência e outras coisas que às vezes nos levam a não dizer as coisas exatamente como elas são (ou nos parecem que são, que o mundo é a mais subjetiva das coisas, ao contrário do que poderão pensar alguns portadores da Palavra).

Mas adiante, porque a imputação, em si mesma, a mim tanto se me dá. Aliás, eu também poderia dizer que quem assim disse (ou assim diga) pratica “terrorismo intelectual”, e ficaríamos mais ou menos quites (isto admitindo que eu também era visado na imputação, o que ignoro, porque as generalizações, além de outros defeitos, cometem sempre o pecado da incerteza – mea culpa também, às vezes). Aliás, terrorismo intelectual ficaria bem melhor a quem assim diz do que terrorismo judiciário assenta a advogados que fazem o que é de Lei e lhes compete na lide criminal, pois, como diz a catedral do conhecimento instantâneo, a Wikipédia, “terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, por meio de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a incutir medo, pânico e, assim, obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas, incluindo o restante da população do território; é utilizado por uma grande gama de instituições como forma de alcançar os seus objetivos, como organizações políticas, grupos separatistas e até por governos no poder”. Ora, metáfora por metáfora, parece-me que ficaria a ganhar no acerto se dissesse que o discurso em causa pode ser “terrorismo intelectual”, ou seja, um ataque – com falsos pressupostos, como se verá de seguida neste texto e no seguinte – talvez destinado a difundir o medo (na sociedade, e em especial no poder político sob as vestes de legislador) e a, com isso, talvez obter certos objetivos (nomeadamente uma ainda maior musculação do processo). Da forte suspeita, pelo menos, não se livra.

Mas não me interessa o campeonato das imputações, e menos ainda o das paragonas sonantes que geram baba saloia (e que vendem, já agora – pois os mensageiros, além da pureza dos princípios, claro está, também mercadejam, a mensagem, e também medem e quantificam, as audiências), pelo que prescindo de apontar terrorismo intelectual. E só escrevo algumas linhas sobre o tema, superando o facto de me estar nas tintas para a acusação ela mesma, porque me parece que subjacente pode existir algo que justifica que se reflita, escreva e diga, mais a mais se olharmos de forma diacrónica e abrangente, levando em conta estas declarações e tantas outras, por exemplo, e entre bastantes mais, algumas do presidente do STJ (sobre as quais já escrevi) ou algumas posteriores a estas do diretor da PJ que, não só lhe vieram dar amparo, como também carregaram nas tintas (nada, aliás, que surpreenda, já é o costume, e são os do costume, e a mensagem também privilegia os ou sai privilegiada pelos canais do costume; enfim, bate tudo certo).

E o que é esse algo que justifica que se reflita, escreva e diga, e que me faz dar importância ao que, em si mesmo, não ma merece? Algo que a mesmíssima Wikipédia define assim: “termo utilizado para designar qualquer dos movimentos militares de inspiração cristã que partiram da Europa Ocidental em direção à Terra Santa e à cidade de Jerusalém com o intuito de conquistá-las, ocupá-las e mantê-las sob domínio cristão (…). O termo é também usado, por extensão, para descrever, de forma acrítica, qualquer guerra religiosa ou mesmo um movimento político ou moral.’ Esse termo é, pois, cruzada, e, metáfora por metáfora, preferiria responder ao “terrorismo judiciário” com “cruzada”, porque, na verdade, vai-me parecendo (porventura, erradamente, e será só coincidência de opiniões, e aliás muito legitimas, que eu prezo muito a liberdade – toda, já agora -, incluindo a de opinião) que, mais coisa menos coisa, estamos (e não é de agora – e posso historiar os vários momentos, narrativas e Leis dos últimos dez a quinze anos) em algo que me faz lembrar o caminho dos soldados de Cristo para a aniquilação dos infiéis – e, claro está, para o domínio das coisas. E como é que hoje são travados esses combates? Essencialmente através da propaganda, como se verá. (Continua.)

Escreve quinzenalmente à sexta-feira

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Rede de “Xuxas” ligada aos principais cartéis de droga do Brasil e da Colômbia

Rúben Oliveira fazia negócios com o Primeiro Comando da Capital e Clã do Golfo.

Defesa nega tudo

Além de representar em Portugal os interesses de Sérgio de Carvalho, um antigo militar brasileiro que se dedicou ao tráfico de droga e conquistou o título de “Escobar brasileiro”, a rede de traficantes liderada por Rúben “Xuxas” Oliveira tinha ligações privilegiadas e acesso direto ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e ao Clã do Golfo, duas das maiores organizações criminosas do mundo com ligações ao tráfico de droga no Brasil, México, Colômbia e na Bolívia.

Segundo uma fonte próxima do processo que levou esta semana à detenção de nove elementos da rede liderada por “Xuxas”, “os suspeitos tinham acesso direto às fontes de abastecimento que exportavam cocaína produzida tanto na Colômbia como na Bolívia”. De acordo com a promoção do Ministério Público a que o Expresso teve acesso, o grupo terá importado cocaína tanto do Brasil como da Colômbia num total de, no mínimo, “uma tonelada de droga”. Cada quilo é vendido a €40 mil. Ou seja, o grupo movimentou 40 milhões de euros em droga.

A cocaína chegava a Portugal por duas vias: marítima, através dos portos de Setúbal e Leixões; e aérea, com a cumplicidade de funcionários do Aeroporto de Lisboa pagos para desviarem as malas ou contentores enviados do Brasil ou da Colômbia com droga escondida no interior. Um dos detidos esta semana pela PJ, Punil Narotamo, é um antigo funcionário do Aeroporto Humberto Delgado suspeito de montar um esquema para escoar a droga no antigo local de trabalho. Terá recrutado pelo menos três funcionários de uma empresa de handling para colaborarem numa operação que acabou abortada pela PJ.

A primeira operação lançada pela PJ para ferir este grupo de tráfico de droga teve como epicentro o aeroporto que serve a capital e um avião onde foram apreendidas 3,5 milhões de doses de cocaína escondidas num carregamento de 70 toneladas de papaias. Daí o nome escolhido para batizar a operação: “Exotic Fruit”, que teve três capítulos.

O último terá desbaratado o que restava da rede montada por Rúben “Xuxas”, detido em junho deste ano e em prisão preventiva na cadeia de alta segurança do Monsanto desde então. Punil Narotamo, detido nesta terceira fase, tinha uma relação próxima com o homem que tentou segurar o negócio depois da detenção de “Xuxas”: Dércio Oliveira, o irmão mais novo do líder que também foi preso pela PJ e teria um papel ativo na organização.

Afonso “Xulinhas” é outro dos nomes que faziam parte do núcleo duro da organização. Segundo a mesma fonte, associava-se ao grupo de “Xuxas” quando isto o beneficiava, e investia nos negócios que introduziam a droga em Portugal. Terá sido preso em casa, um apartamento de luxo em Moscavide, onde montou uma piscina interior e tinha guardada uma coleção de relógios Rolex que foram apreendidos. Na garagem, estavam vários carros de gama alta, incluindo Mercedes e BMW. A PJ acredita que tem a mesma dimensão e o mesmo peso de “Xuxas” na quantidade de droga que é importada para Portugal. Foi ainda detido Ricardo Macedo, um operacional que é cunhado dos irmãos Oliveira.

Além da apreensão no aeroporto, a PJ também intercetou carregamentos que chegaram por via marítima e que estarão ligados a este grupo. A droga foi escondida em carregamentos de bananas e viajou desde o porto de Turbo, na Colômbia, até Setúbal. Há pelo menos um estivador detido no âmbito de outro processo e que terá colaborado com a rede de “Xuxas”. Os bananeros, como são conhecidas as embarcações que transportam o fruto consumido na Europa, seguem depois para Espanha, Itália ou Turquia.

Um pormenor essencial para o sucesso desta rede no tráfico por águas internacionais é o método rip on/rip off, em que os criminosos colocam a droga no interior de contentores sem o conhecimento dos proprietários desse carregamento legal. Para a droga passar despercebida é fundamental a colaboração de alguém de um porto, pois quando o selo que protege o contentor é aberto, o cúmplice que introduz a droga no seu interior coloca de imediato outro idêntico. “Tem de vir um selo. Isso é que não pode falhar”, diz um dos operacionais da rede numa conversa telefónica intercetada pela PJ.

Mas este não era o único modus operandi usado. Em outras ocasiões, os traficantes usavam firmas de importação de mercadorias lícitas para poder escoar o seu produto ilícito.

“A defesa desconhece em absoluto”

Ao Expresso, Margarida Vicente, advogada de “Xuxas”, nega qualquer ligação do seu cliente a organizações internacionais de droga. “A defesa desconhece em absoluto qualquer ligação de Rúben Oliveira a cartéis ou a outros países. Não vejo o que este caso tem de extraordinário em relação a outros que têm sido investigados. Não sei de onde a PJ extrai essas conclusões.” A advogada critica a polícia, considerando que tem tido uma “atitude muito pouco deontológica”, quer “internamente no processo”, quer “nas notícias que veicula para a comunicação social”.

Porém, o Ministério Público não tem dúvida em considerar que Rúben Oliveira assumia “a posição de líder” e era o “homem de mão da organização internacional”, aquele que ficava afastado dos locais do descarregamento da droga, mantendo, no entanto, o contacto telefónico com os operacionais e outros membros do grupo “de forma a controlar toda a atividade delituosa desenvolvida”.

O grupo comunicava entre si por serviços telefónicos encriptados, como o Encrochat, o Sky ECC e o Signal, mas apesar do secretismo, a PJ e a Polícia Federal brasileira conseguiram detetar dezenas de conversações suspeitas entre o alegado líder e os vários cúmplices. “Mano, apreenderam as peças lá em São Paulo fds”; “Grande azar, não andamos com sorte nenhuma”, lamentava um dos suspeitos depois da operação policial que apreendeu 67 quilos de cocaína num avião com destino a Lisboa no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, em junho de 2020. Noutra tentativa para fazer chegar cocaína a Portugal por via aérea, nesse mesmo ano, Dércio mandou uma mensagem de alerta ao seu irmão mais velho: “A PJ está no avião.”

As mensagens escritas revelaram também a proximidade entre o barão da droga brasileiro Sérgio de Carvalho e “Xuxas”. Numa descarga de um contentor com 220 quilos de droga no porto de Leixões, no início de 2021, o brasileiro enviou mesmo fotografias com embalagens de cocaína quando esta se encontrava ainda no porto de Santos.

O MP conclui: “Todos os arguidos agiram de acordo com o plano da organização criminosa de que faziam parte, planeando e executando o transporte da cocaína do Brasil para Portugal.”

Hugo Franco e Rui Gustavo

hfranco@expresso.impresa.pt

O grupo de “Xuxas” traficou uma tonelada de cocaína no valor de 40 milhões de euros

Rúben “Xuxas” Oliveira foi detido em junho por tráfico de droga. O seu irmão Dércio foi preso quatro meses depois | D.R.

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