BRAGA ACOLHE FESTEJOS DOS 95 ANOS DA ORDEM

ADVOGADOS

A Ordem dos Advogados (OA) assinala no próximo sábado, em Braga, os 95 anos da Instituição. A data de criação da OA – a primeira ordem profissional portuguesa – remonta a junho de 1926, mas em virtude da pandemia covid-19, só este mês será…

INFILTRÁMO-NOS NO MOVIMENTO NEGACIONISTA

MARGARIDA MARTINS RECANDIDATA DO PS DE LISBOA TEM CASA E ORDENADO PENHORADOS. E NÃO PAGA AS COMPRAS NO MERCADO MUNICIPAL EM QUE MANDA

VIAGEM AO MUNDO PERIGROSO DOS NEGACIONISTAS

Estivemos infiltrados nas redes sociais e fomos ;Ia um encontro de negacionistas. Seguimos o percurso profissional e de vida do mais polémico 14 juiz e advogado que é um símbolo, até violento, para grupos como o Habeas Corpus, Defender Portugal e Aliança pela Saúde

O MOVIMENTO

EOSSEUS J PRINCIPAIS ELEMENTOS

Na mesma calçada do grupo de Santo António de Lisboa, mas divididos fisicamente por cordas e por uma pirâmide cheia d de plástico, o Movimento Defender Portugal (MDP) estava acampado (mas sem gente). Liderado por Luís Freire Filipe, de 56 anos, antigo militar paraquedista, o grupo é citado no relatório europeu “Estado de ódio: o extremismo de direita na Europa”e é, ao que apurou a SÁBADO junto de fonte da Polícia Judiciária (PJ), um dos mais monitorizados pelas autoridades portuguesas, não só pelas ligações negacionistas, como também pela ideologia dos membros que vão compondo o movimento, que aglomera militares, conspiracionistas e polícias do Movimento Zero.

“Com os sindicatos, a coisa fica com um cariz político. O Movimento Zero surge exatamente como o Movimento Defender Portugal porque estão isentos na coisa, a lutar por Portugal e pelos portugueses, nós [do MDP] na área civil eo Movimento Zero na área das forças de segurança”, afirmou Luís Freire Filipe num vídeo promocional do movimento, enquanto mostra imagens de jovens negros em confrontos.

Até hoje, as ações de Luís Freire Filipe têm vindo a ser notícia. Em novembro de 2020, o seu grupo conduziu uma caravana até Belém, Lisboa, e “bloqueou” o carro onde seguia o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para lhe pedir “olhos nos olhos” para ouvir as suas teses antlconfinamento, de acordo com declarações do próprio à agência Lusa. Durante a sessão solene do 25 de Abril deste ano, num protesto à porta da Assembleia da República, galgou as barreiras policiais e tentou subir a escadaria da Assembleia, tendo sido detido pelo crime de desobediência.

Não é, contudo, uma figura unânime dentro do movimento. “Ele é um bocado tirano, ninguém do movimento aqui confia nele. Parece que quer retirar isto para seu próprio proveito”, confidencia uma das presentes no jantar. Apesar da fricção interna, nas redes sociais a aparência é que os movimentos colaboram entre si sob o chapéu de um novo (mais um) grupo: Resistência Portuguesa (RP). No dia em que Anabela Seabra insultou Ferro Rodrigues, Luís Freire Filipe tomou a iniciativa como sua: “Hoje, a Resistência exigiu respeito ao presidente da Assembleia da República. Foi só um mero e simples aviso”, escreveu no grupo privado de Facebook, que aglomera cerca de duas mil pessoas, em que a SÁBADO se infiltrou.

Grande parte da atividade de Luís Freire Filipe está agora concentrada na Resistência Portuguesa, que tenta agregar todos os grupos negacionistas dispersos num só. Através do grupo privado, Freire Filipe arregimenta pessoas para os pequenos núcleos da RP, que está a formar de norte a sul, com vista a ficarem responsáveis logísticos das ações do movimento. É nestas cúpulas presenciais de pequena dimensão que são organizadas as ações -e depois fazem apelos de mobilização aos seus seguidores no Facebook. É no grupo privado que se organizam autocarros e boleias, através da plataforma Airtable, e onde também angariam fundos. A mais recente tem como fim a “aquisição de viatura”, tendo recolhido 232 euros num mês.

“No grupo fechado de Telegram HC – Comentários Notícias, alguns membros da Resistência Portuguesa identificam notícias de meios de comunicação social e organizam-se para comentar em catadupa. “Comentem nos links que aqui deixamos. Invadam as secções de comentários dos OCS. Carreguem neles e façam-se ouvir!”, lê-se no grupo, com mais de 375 membros.

As contradiçõesdo líder

A luta de Luís Freire Filipe contra a “ditadura sanitária”, como já chamou em discursos, contrasta com as suas primeiras posições sobre a pandemia. A meio do verão de 2020, com os primeiros sinais de relaxamento nas medidas de combate à Covid-19, Freire Filipe criticou num vídeo quem “andava [na rua] como se nada fosse”. “Essas pessoas são um risco”, acrescentou , apelando para se “ter noção das medidas de prevenção e proteção que devem ter”.

Estas afirmações foram feitas enquanto “Conselheiro de Prevenção Civil e analista de risco do Gabinete de Análise de Prevenção (GAAP)”, que diz ser a sua profissão. O que é o GAAP? De acordo com a página de Facebook, que tem 997 likes, o gabinete visa “elaborar o Projeto Internacional de Prevenção Civil, através da criação da ASSINPREC – Associação Internacional de Prevenção Civil”. Por sua vez, a página de Facebook da ASSINPREC, que tem 115 gostos, diz que “é uma associação sem fins lucrativos de duração ilimitada”, com o NIPC 516 301 195, com o fim de estar “atenta a situações de carência e/ou emergência social, identificando-as e intervindo prontamente para encontrar soluções que conduzam à sua rápida resolução”.O problema? No Portal da Justiça, não existe qualquer registo associado a este nome ou ao NIPC indicado.

O enredo adensa-se quando se olha para a atividade da ASSINPREC e da GAAP. Além de servirem de plataforma de partilha de números da Autoridade Nacional de Proteção Civil e posts de outros movimentos negacionistas, como o Aliança Pela Saúde, há também iniciaúvas de recolha de fundos para o “fundo Solidário de Emergência social” da ASSINPREC. “Tampas Por uma Causa” é um exemplo: com o “objetivo de mitigar necessidades e carências básicas de cidadãos em risco”, Luís Freire Filipe pretende recolher toneladas de tampas de plástico, que podem ser convertidas em dinheiro. De acordo com o site da Caixa Geral de Depósitos, estas podem valer 200 a 300 euros por tonelada, ou seja, 20 a 30 cêntimos por quilo.

Para onde vai o dinheiro? À SÁBADO, Luís Freire Filipe mostrou-se indisponível para esclarecer prontamente. “Não é possível em tempo útil responder às suas questões. Estou empenhado na análise e monitorização da irrupção [sic] do vulcão da ilha de La Palma”, concretizou.

Médico, negacionista e autarca

Entre os cartazes autárquicos no Campo Pequeno, Lisboa, há um que chama a atenção. “O seu filho é uma cobaia? www.aliancapelasaude.com”, lê-se. Do seu próprio bolso, o médico Diogo Antunes Cabrita pagou o cartaz, aclamando o regresso de um movimento de profissionais de saúde contra a vacinação de crianças. É uma das primeiras ações enquanto fundador e coordenador do rebranding do extinto Médicos Pela Verdade, liderado por Maria Margarida de Oliveira, que foi suspensa pela Ordem dos Médicos por ter recomendado publicamente a recusa da vacina contra a Covid-19.

Cirurgião no Hospital dos Covões desde 2003, o profissional de saúde de 60 anos acredita que as vacinas são “o maior ensaio/experiência clínica da humanidade”. “E tem cobaias – nós!”, afirma no texto “Falta Verdade”, publicado no site do movimento. À SÁBADO, Diogo Cabrita frisa a sua posição: “Estou vacinado com a vacina da Pfizer que ainda é uma vacina autorizada em emergência e nunca foi aprovada pois aguarda os resultados dos ensaios em curso até 2023”, explica. Uma das razões da sua desconfiança com a vacina é por ter sido “acometido em maio de uma grave situação inflamatória que pode estar relacionada com um efeito secundário da vacina”, especula. Contudo, a vacina já foi aprovada nas três fases dos ensaios clínicos necessários para ser dlsponibilizada ao público – que é a quarta fase.

Além de médico, é político. Entre 2013 e 2017, foi vereador da Câmara Municipal de Valença pelo PS e nestas autárquicas é candidato à [unta de Freguesia de São Martinho do Bispo e Ribeira de Frades pela coligação [untos Somos Coimbra (PSD, CDS, Nós Cidadãos, PPM, Aliança, RIR e Volt). Será troca-tintas? “Não tenho qualquer proximidade com o PS marxista-leninista que agora existe e de que saí em 2017. Mantenho as mesmas ideias e as mesmas convicções”, afirma. “A gota de água foi poder mudar de sexo aos 16 e só tirar a carta de condução de pesados aos 21.”

Além de médico e político, é também empresário. Sócio da Artez Medicina e Arte, faz negócio de cirurgia com outros hospitais e, ao mesmo tempo, eventos artísticos – apesar de o CAE da empresa ser de “serviços de medicina e cirurgia geral”. Em fevereiro de 2020, num ajuste direto de 18 mil euros com a Câmara Municipal de Coimbra, liderada por Manuel Machado, que conhece “há décadas”, foi adjudicada à empresa a “aquisição de serviços de concerto de Susan Nidel”. “Os eventos de 2020 foram cancelados por existir uma pandemia. Em 2021, desistimos de construir esta ação da empresa pela instabilidade ainda existente”, afirma, acrescentando que a empresa tem “décadas de trabalho” na área. “Produzimos Né Ladeiras, Tédio Boys, Outorga, Bunnyrunch, Casino Royal, Baldomero Moreiras, Sebastião Formosinho”, afirma. “É Cultura e Medicina, na senda de Miguel Torga. Bissaia Barreto, Joaquim Namorado…” Recentemente, em julho de 2021, firmou um contrato de “prestação de serviços médicoscirurgia” com o Centro Hospitalar do Médio Tejo, no valor de 16 mil euros.

O netode Marcello Caetano

Diogo Cabrita pode ter saído do movimento Aliança Pela Saúde por “algumas divergências insanáveis referentes às posições”, explica, mas deixou obra. Além do cartaz e de aparições públicas, criou uma estrutura para o movimento, que reúne psicólogos, ortopedistas, pediatras, dentistas e até medicina alternativa. Um dos dirigentes éo homeopata [oão Marcello Caetano, neto de Marcello Caetano, sucessor de António Oliveira de Salazar na liderança do Estado Novo. “Está comprovado cientificamente que é muito fácil instalar uma ditadura. Basta um bicho danado, multas televisões, especialistas contratados, políticos incompetentes e corruptos, um militar fardado e falta de bom senso. Ah, e é rápido, em ano e meio a coisa faz-sel”, escreveu no seu Facebook pessoal, a 15 de setembro de 2021.

A Aliança Pela Saúde destacou-se também pela Marcha Pelas Crianças. Numa iniciativa com o apoio do Movimento Defender Portugal e do Habeas Corpus, do juiz Rui Castro, Diogo Cabrita e uma pequena comitiva (onde estava presente Luís Freire Filipe e Marcello Caetano) caminharam dos Covões, Cantanhede, até Lisboa. Pelo caminho, recolheram tampas de plástico para a associação do “amigo” Freire Filipe, como descreveu Cabrita à SÁBADO. A iniciativa de recolha de tampas de plástico chegou até a ser promovida no próprio site do Aliança Pela Saúde. O cirurgião nega, porém, qualquer ligação ao MDP.

Na anarquia de movimentos e de opiniões, os movimentos vão continuando -e sem um claro aval de núcleos duros partidários. Há porém algumas ligações indiretas ao Chega. A começar por João Tilly, líder do Conselho Nacional do Chega e youtuber negacionlsta, com mais de 48,3 mil subscritores, entre outros membros do partido liderado por André Ventura. No grupo privado da Resistência Nacional, por exemplo, está Sérgio Borge, candidato à Junta de Freguesia de Fernão Ferro. Contudo, o Chega recusa qualquer ligação ao movimento negacionista. “Nós seguimos as regras da DGS escrupulosamente. Só somos a favor de, se uma pessoa não se quiser vacinar, que tenha essa liberdade”, afirma Pacheco de Amorim à SÁBADO, que não se vacinou, como André Ventura. Ambos foram contagiados.

[OJUIZ]

QUEVOLTOU PARAABALAR O SISTEMA

Até há pouco tempo Rui Fonseca e Castro era um perfeito desconhecido em Vila Nova de Milfontes, para onde se mudou depois de voltar à magistratura. Tanto que, depois de insistir em entrar sem máscara no centro de saúde local, um idoso que assistia à discussão gerada com uma funcionárla comentou. “Já parece o juiz de Odemira.”E era. Só que ninguém o conhecia.

Na verdade, o agora famoso “juiz de Odemira” pouco parou por lá. Tomou posse a 2 de março deste ano e dias depois anunciou que ia sair para ir buscar a mulher, a alemã Isabel Stodden, que estava em Nuremberga. “Tomou posse e foi-se embora nesse dia”, conta uma advogada de Odemira. A ausência valeu-lhe as faltas injustificadas que desencadearam o processo disciplinar que deve ter decisão final no dia 7 de outubro, no próximo plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM).

Uma vida de mala às costas

Rui tem passado a vida de mala às costas. Nasceu em Luanda dois dias antes da Revolução dos Cravos, mas já fez o liceu na Penha de França, em Lisboa, na Escola Secundária Patrício Prazeres. Ser um filho de Abril não o fez, porém, olhar com entusiasmo para os capitães que derrubaram a ditadura. “Agora parecem uns bonacheirões. Convém lembrar que foram eles, entre outros, quem tentou instalar um regime comunista totalitário em Portugal, culminando com o 25 de Novembro de 1975”, escreveu no Facebook no 25 de Abril de 2016, sobre uma imagem de Otelo Saraiva de Carvalho e de Vasco Lourenço.

Estudou na Universidade de Lisboa, mas pouco depois de acabar o curso de formação de juízes, no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), já estava de partida para o Nordeste, em São Miguel, nos Açores. Nos cinco anos em que foi juiz, trabalhou em Lisboa, no Barreiro e em Oeiras, até conhecer uma brasileira que o fez mudar de vida. Largou tudo. Pediu uma licença sem vencimento e passou a trabalhar como advogado entre Portugal eo Brasil. Mas a vida voltou a trocar-lhe as voltas e cinco anos depois já estava apaixonado por Isabel Stodden, uma alemã, com quem chegou a viver em Nuremberga, antes de decidir regressar a Portugal eà magistratura.

Foi para ir buscar Isabel que o juiz faltou ao trabalho. Quem assistiu à tomada de posse garante que “saiu à pressa”, explicando ter de ir buscar a mulher. A explicação causou estranheza, porque tinha sido Rui Fonseca e Castro a indicar a data de regresso ao serviço.

Fonseca e Castro alegou ter ficado retido para cumprir quarentena na Alemanha, mas quando regressou os comportamentos que teve vieram engrossar a matéria para o processo disciplinar. Gravou vídeos na escadaria do tribunal e até dentro do gabinete de juiz, apelando à desobediência às regras de confinamento, numa violação do dever de reserva a que estão sujeitos os magistrados. E interrompeu um julgamento, quando um magistrado do Ministério Público e um funcionário judicial se recusaram a retirar as máscaras durante a audiência. Foi a gota de água que levou à suspensão preventiva por seis meses.

Na verdade, nas três semanas que esteve em funções no Tribunal de Odemira, Rui Fonseca e Castro pouco mais fez do que o interrogatório a um arguido preso. “Esteve poucos dias”, justifica uma advogada de Odemira. Nesses poucos dias, foi “de trato muito afável” com os funcionários, mas não despachou o multo trabalho acumulado naquela comarca pela baixa médica da magistrada que veio substituir.

Quando chegou ao litoral alente jano, Fonseca e Castro não vestia a toga de juiz há 10 anos. A licença de longa duração tinha sido pedida em março de 2011, com validade até 2026. “Saiu e foi para o Brasil. Casou com uma brasileira”, conta um magistrado, explicando que até aí o colega pouco dava nas vistas, mas que a saída intempestiva causou estranheza. Em cinco anos na judicatura não houve nada em que se distinguisse.

Como a esmagadora maioria dos juízes teve “Bom” na primeira avaliação e no seu registo consta apenas um processo disciplinar por violação do dever de zelo, por causa do acumular de processos em atraso. Uma falha “comum”, segundo fontes do Conselho Superior da Magistratura. “Enquanto esteve ao serviço não demonstrou nada de anormal. Mesmo esse processo disciplinar não é nada que não aconteça a quem não tenha o trabalho em dia”, nota outro magistrado ouvido pela SÁBADO.

No Barreiro, onde foi juiz de instrução criminal, os colegas recordam um magistrado que “ia pouco ao tribunal” por causa das diligências nas comarcas e que “fazia pouco”.Se alguma coisa foi notada nesses tempos foi “uma timidez excessiva”.

No CEf, onde se formam os juízes, também não se evidenciou. “Nunca tive notícia de comportamentos fora do normal. Era um tipo calado, de poucas falas”, conta um colega do 22a curso do CEJ. Sóo bom aspeto físico fazia destacar o aluno mediano que ficou em 49a entre os 84 alunos que concluíram o curso em 2005. “Era bastante apreciado pelas colegas auditoras pela aparência. Estava no top dos mais giros”, recorda a mesma fonte, que diz que nem o sucesso entre as mulheres o fazia perder a timidez.

A mudança na personalidade fez-‘ssee nn0o1tar nos anos que passou a exercer advocacia entre Portugal eo Brasil. Nas redes sociais começam a aparecer as fotografias em tronco nu, os retratos em que evidencia a boa forma física, as conversas distendidas com os amigos sobre saídas e os comentários elogiosos das seguidoras, a que responde em tom de brincadeira, sem entrar em jogos de sedução.

Com cédula ativa no Brasil

Cinco anos depois de chegar ao Rio de Janeiro, assume nas redes sociais a relação com Isabel Stodden, uma alemã que estudou Moda e Design em Hamburgo, com quem está casado desde 2017 e tornam-se frequentes as fotografias juntos e os comentários apaixonados. No Facebook, Rui Fonseca e Castro não se coíbe de mostrar a sua vida mais íntima. Partilha várias fotos com os filhos e com Isabel, com quem troca mensagens públicas de carinho ou pequenas brincadeiras de namorados.

Mas o lado mais romântico é só uma faceta. Rui exibe fotos de treinos das artes marciais que pratica (Jiu Jitsu e MMA) e revela até um humor negro, como quando partilha a imagem da roupa manchada com o sangue do adversário cujo ouvido O rebentou e só lamenta ter estreado o quimono branco novo na luta.

Depois de sair da magistratura, Fonseca e Castro especializou-se em crime e em processos relacionados com a imigração e até deu cursos onlíne por Skype em Direito Processual Penal português. Andava entre Portugal – onde só cancelou a inscrição na Ordem dos Advogados um dia depois de tomar posse como juiz -e o Brasil, onde continua a aparecer como advogado com inscrição ativa e “situação regular”.

Nesses anos como advogado, as publicações sobre política no Facebook eram regulares, deixando claro o posicionamento à direita e até a defesa de Donald Trump. “Portugueses preocupados com as eleições americanas, eu vou encontrar-vos e agarrar-vos by the pussy”, escrevia em 2016 naquela rede social.

Mas na barra do tribunal também se notava uma atitude bem “mais agressiva” do que seria de esperar do “tímido” estudante do CEJ de que os colegas se lembram. “Como advogado já era uma personalidade muito complicada”, recorda quem com ele se cruzou num caso em que Rui Fonseca e Castro defendia um português que fugiu para o Brasil depois de ser constituído arguido por uma burla de milhões ao Montepio.

No julgamento, levantou incidentes de suspeição em relação a cada um dos juízes do coletivo. Num deles acusava um dos magistrados de estar a dormir nas sessões, noutro questionava os almoços entre juízes e procuradores. Nenhum teve provimento. “Eram coisas sem qualquer fundamento, manobras dilatórias com uma postura agressiva”, diz a mesma fonte que lhe notou “algumas características que não são normais na advocacia em Portugal, como a forma de se dirigir ao tribunal”, quando se cruzou com ele neste processo já em 2018.

Na altura, trabalhava com o irmão, Paulo Fonseca e Castro, que agora o representa no processo disciplinar como advogado. O escritório, com sede em Setúbal, apresenta-se como especialista em “soluções jurídicas para estrangeiros e imigração”, com a particularidade de todos os quatro sócios estarem inscritos em simultâneo na Ordem dos Advogados em Portugal e no Brasil. No caso de Rui, a inscrição foi feita na secção da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

A partir de 2020, a pandemia começa a ser um tema cada vez mais frequente nos posts no Facebook. Muitas das publicações acabariam por ser apagadas pela rede social por conterem informações consideradas falsas. “Como forma de contornar a censura comunista, descarada e vergonhosa do Facebook, acabou de ser criado um grupo no Telegram onde passaremos também a partilhar todas as nossas publicações, podendo as mesmas depois ser livremente partilhadas para fora do grupo por todos os membros”, escreveu em dezembro de 2020.

À procura de protagonismo

A presença de Rui Fonseca e Castro nas redes sociais espalha-se por vários fóruns. Além de duas páginas pessoais no Facebook (uma delas como advogado) e uma no Instagram menos política (com fotos de paisagens e gatos), criou a página Juristas pela Verdade para falar do que diz ser a “fraudemia”, a página Habeas Corpus, Advogado Gratuito (onde dá aconselhamento jurídico e partilha minutas para justificar o incumprimento de regras sanitárias que considera ilegais), tem um canal de YouTubee partilha vídeos no Telegram. Há ainda a página Somos todos Rui Castro, que já ultrapassa os nove mil seguidores.

“Quer protagonlsmo e agitar o sistema”, diz um procurador ouvido pela SÁBADO, que frisa a forma como Rui Fonseca e Castro foi “suspenso em tempo recorde” apenas três semanas depois de voltar a ser juiz. São vários os juízes e magistrados com esta convicção, sustentada no crescendo de provocação nos vídeos, onde chega a apelar ao suicídio do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, a quem acusa de ser pedófilo.

De resto, se no início as publicações eram essencialmente sobre a pandemia, nos vídeos mais recentes já há um discurso antissistema e anticorrupção. “É muita coisa em pouco tempo e em catadupa”, nota um juiz. “Tem vontade de se evidenciar e de cavalgar esta onda. Pode estar a alargar o número de seguidores. As pessoas olham-no como líder”, comenta outro magistrado.

Numa manifestação de negacionistas em Santa Maria da Feira, o juiz foi aclamado e respondeu com um discurso político. “Se outrora era a liberdade de um povo que estava em jogo face ao domínio de uma potência estrangeira denominada Reino de Leão e Castela, hoje éa liberdade do mesmo povo ameaçada por uma política sistemática de supressão de direitos fundamentais e pela inexistência de uma Justiça independente que puna os corruptos e que nos defenda das arbitrariedades do poder”, disse.

A página de apoio a Rui Castro serve, por exemplo, para dar uma ideia da suposta projeção internacional que “o juiz”, como se lhe referem sempre as publicações, tem em entrevistas como a que deu ao canal espanhol EI Toro TV ou nos vídeos em que aparece a provocar agentes da PSP à porta do Conselho Superior da Magistratura, que são partilhados por sites negacionistas dos Estados Unidos, França e Alemanha.

Por cá, Fonseca e Castro tem sido presença regular no podcast de Diogo Bronze, um dos fundadores do Chega. No Bronzepodcast, o juiz aparece a falar de temas jurídicos, mas o espaço é muitas vezes palco para as posições ultraconservadoras de Diogo Bronze, que estudou Teologia na Católica e esteve na fundação do partido de André Ventura, que conheceu na residência de estudantes de São Nicolau, onde o líder do Chega morava. Apesar dessa participação, Rui Castro tem algumas publicações no Facebook – mais antigas – nas quais, de forma jocosa, defende o ateísmo por comparação com os fanatismos religiosos que estão na origem de atentados.

Na magistratura não falta quem ache que “está a fazer todos os esforços para ser demitido, desde o princípio, porque enquanto for juiz não pode fazer parte de um movimento político”e essa é uma ambição que muitos lhe adivinham. Manuel Ramos Soares, da Associação Sindical dos Juízes, diz mesmo que “não há dúvida de que a expulsão éa sanção disciplinar adequada” ao comportamento demonstrado por Rui Castro desde que pediu o reingresso na magistratura.

Contactados pela SÁBADO, nem Rui Castro nem o irmão Paulo Fonseca e Castro estiveram disponíveis para fazer qualquer comentário. O

“INVADAM AS SECÇÕES DE COMENTÁRIOS DOS OCS. CARREGUEM NELES E FAÇAM-SE OUVIR!”, ORDENAM AOS MEMBROS

CIRURGIÃO NO HOSPITAL DOS COVÕES, DIOGO CABRITA ACREDITA QUE AS VACINAS CONTRA A COVID TÊM COBAIAS – NÓS

NO INÍCIO DA CARREIRA COMO JUIZ NÃO DAVA NAS VISTAS. COMO ADVOGADO ERA “AGRESSIVO”

AS POSIÇÕES PÚBLICAS DE RUI FONSECA E CASTRO PODEM VIOLAR O DEVER DE RESERVA DOS JUÍZES

SE NÃO FOR EXPULSO OU PEDIR LICENÇA, O JUIZ NÃO PODERÁ TER QUALQUER ATIVIDADE POLÍTICA OU PARTIDÁRIA

Processos

A Ordem dos Médicos já abriu investigações disciplinares a Margarida Oliveira ea Fernando Nobre, ex-candidato presidencial

No Facebook, Fonseca e Castro fala de política, mas também partilha piadas e fotos ousadas COMEÇOU POR SER UM JOVEM TÍMIDO E POUCO SOCIÁVEL. LARGOU TUDO DEPOIS DE CONHECER UMA BRASILEIRA

Insultos

a membros do Conselho Superior da Magistratura e provocações à PSP já terão de constar num novo processo

O

A saída

Licença sem vencimento

Os juízes podem pedir uma licença de longa duração para ficar até 15 anos fora É possível deixar de ser juiz e regressar sem controlo Licença para voltar A interrupção

As regras As licenças só são dadas a juízes com mais de cinco anos de serviço efetivo

O regresso

Sem testes Basta pedir o reingresso. O juiz só será sujeito a avaliação um ano depois de estar em funções

Pedofilia

Como os conspirativos do QAnon americano, Castro faz várias vezes acusações de pedofilia a políticos

Os processosdisciplinares

Rui Fonseca e Castro enfrenta várias acusações

Expulsão é a pena proposta pelo inspetor para o processo que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) deve decidir no dia 7 de outubro

Mas nem todos os vídeos constam deste processo, já que Rui Castro não parou de os produzir.

Vídeos de apelo à desobediência e com insultos a Ferro Rodrigues e ao diretor da PSP, Magina da Silva, estão em pelo menos mais três processos disciplinares que, ao que a SÁBADO

apurou, estarão já numa fase adiantada da instrução.

Usurpação de funções éa acusação feita pela Ordem dos Advogados, que moveu um processo disciplinar a Rui Castro (apesar de ter a inscrição suspensa) pelo aconselhamento jurídico que dá nas redes sociais para furar o confinamento.

Rui Castro já tem seguidores e faz discursos políticos contra o sistema e a corrupção

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Nas redes sociais, mostra um lado íntimo e exibe a boa forma física

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O irmão, Paulo, com quem trabalhou como advogado, está a defende-lo no processo disciplinar

Rui e Isabel não têm problemas em mostrar o lado mais íntimo da relação no Facebook 0 Imigração

Como advogado era especialista a ajudar imigrantes a legalizar-se em Portugal.

Muitos eram judeus sefarditas

o

o Uma reunião um dos núcleo do Movimento Resistência e taPmoprtausguesa

Anabela Seabra foi Miss Moçambique e agora integra o grupo radical Santo An tónio de Lisboa. Usa o nome “Ana Desirat”

mil likes tem o Movimento Defender Portugal no Facebook. A página é usada para mobilizar pessoas e angariar fundos

Luís Freire Filipe não respondeu às questões da SÁBADO. Disse que estava ocupado com o vulcão de La Palma

RELATÓRIO MINORITÁRIO

Nuno Rogeiro

Politólogo

Na campanha para as autárquicas, o ruído e a confusão abundaram. Em muito poucos casos foram discutidos exclusivamente problemas locais

Dicionário autárquico

Alianças -a política dos grandes neste domínio é contestável e c…

A LAGARTIXA EO JACARÉ

José Pacheco Pereira
Professor

Quais são os piores cartazes? Quase todos, piores graficamente, sem imaginação e sem conteúdo, e alguns piores politicamente como os dessa gigante da presunção que é a candidata do PSD da Amadora

– A maldição da Figueir…

INTANTÂNEOS

(OU QUASE)

Diretor-adjunto António José Vilela

– Acordaram
A Ordem dos Advogados descobriu que existiu Bolonha. Uma revolução no ensino superior feita pelos estados da UE. Mas isso, mais de uma década depois, já não chega para tentar ser advogado. Qu…

Lisboa é uma República soberana

Subdiretor Carlos Rodrigues Lima

HÁ UNS ANOS, ALGUÉM PERGUNTOU AO ATOR KEANU REEVES O QUE É QUE O MANTINHA com os “pés na terra”, ou seja, como se diz por cá, “tão terra a terra”, ao contrário, presume-se, do estereótipo da estrela de Hollywood. O ator respondeu: a gravidade. Por vezes, aquilo que consideramos como fenómeno extremamente complexo e fora do nosso alcance de entendimento tem, na origem, uma prosaica explicação, como, por exemplo, a deslocalização do Tribunal Constitucional de Lisboa para Coimbra.

Em duas linhas, na declaração de voto contra o sentido do parecer da maioria dos juízes, o professor Manuel da Costa Andrade, hoje juiz do TC, sintetizou o que verdadeiramente parece estar em causa: “Todos os juízes do tribunal que moram em Lisboa pronunciaram-se contra a transferência; enquanto isto, todos os que votaram a favor da transferência residem fora de Lisboa, mais precisamente em Braga, Porto e Coimbra. Aliquld novum sub sole?” Sim, já não há mesmo nada de novo debaixo do Sol.

Os 10 a favor bem se esforçaram, como alguns de nós o fazíamos nos testes de Filosofia do 10a e do 11a anos. O objetivo, como bem se recordam, era encher as folhas, nada de espaços em branco, sinal de falta de estudo ou completo alheamento da matéria. Ora, o que não custa a um jurista, ainda por cima juiz constitucional, é encher páginas e páginas de argumentos a favor da sua posição.

Habituados a discorrer centenas de carateres sobre tudo e até sobre o nada – que, em Direito, precisa de ser fundamentado – 10 juízes do Constitucional esmeraram-se num longo parecer contra a mudança para Coimbra. “A transferência da sede do TC para fora da capital não constituiu uma medida de descentralização no sentido jurídico-administrativo rigoroso do termo”; “O Tribunal Constitucional apresenta uma individualidade institucional marcada pela especificidade das atribuições que lhe são cometidas no domínio da fiscalização da constitucionalidade das leis e da defesa do Estado de direito”; A Constituição confia ao Tribunal Constitucional “a missão específica de intérprete supremo na lei fundamental e garante da força normativa das suas disposições”. A mudança para Coimbra equivale a “tratar um órgão de soberania com lugar cimeiro na Constituição como mero instrumento de prossecução de políticas públicas de ‘deslocalização’, sacrificando-se irremediavelmente o valor simbólico inerente à presença dos poderes do Estado, na sua esfera e especificidades próprias, na capital do País”.

Em linguagem futebolística, os 10 juízes que se pronunciaram contra a mudança colocaram “toda a carne no assador”. Nada de novo (uma citação em Latim é suficiente). Foi assim com o Infarmed, recordam-se? Se nem uma Agência Pública se consegue tirar de Lisboa, acham que o Tribunal Constitucional vai mesmo para Coimbra? Pelo sim, pelo não, António Costa já foi lá, durante a campanha autárquica, prometer uma maternidade.

A moral destes episódios é simples: nada pode sair de Lisboa, até porque, como reconheceram os juízes do Constitucional, há uma tradição centralista. O melhor, e ficam aqui as propostas, é deslocalizar tudo o que esteja fora para dentro de Lisboa.

Por exemplo, na tradição centralista, não faz sentido o Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto estar dividido entre Peso da Régua eo Porto. Em Lisboa, ficaria muito melhor, seria mais produtivo, acompanharia de perto todo o progresso. O Castelo de Melgaço bem que também poderia ser desmoralizado para Lisboa. Do lado de lá, já não existe ameaça, apenas sã confraternização. E, como toda a gente sabe, os turistas estão em Lisboa. O mesmo se pode aplicar ao Forte de Nossa Senhora da Graça, em Eivas.

Mas, para que tudo fique constitucionalizado, convém operar uma cirúrgica revisão constitucional. Basta no Artigo Ia: “Lisboa é uma República soberana…” O

VÁ LÁ À SUAVIDA

Os juízes do Tribunal Constitucional que votaram contra a transferência para Coimbra moram em Lisboa. Os três que votaram a favor moram fora da capital. Para acabar com isto, o melhor seria deslocalizar para Lisboa tudo o que por aí há de bom

oAutárquicas, a bazuca do PS

Diretor Eduardo Dâmaso

EDITORIAL

Estas são as eleições autárquicas em que a bazuca europeia se está a transformar, tragicamente, no eixo central do sistema político e partidário. E, claro, na bazuca do PS. Não de Portugal, do PS

As eleições autárqui…

Acesso à advocacia

Não faz sentido que a profissão tenha requisitos de acesso inferiores.

A Assembleia Geral da Ordem dos Advogados (OA) deliberou propor ao Parlamento uma alteração ao seu Estatuto no sentido de consagrar a exigência, para o acesso ao estágio, não só da…

Costa diz que “lição” à Galp é defender quem foi despedido

Matosinhos

Primeiro-ministro esclarece em artigo no PÚBLICO declarações polémicas sobre a empresa. Galp nega proposta do Governo para formação de trabalhadores

Política, 15 e Economia, 26

Coerente, por uma transição justa

António Costa Primeiro-ministro

Opinião

Muita tinta tem feito correr a minha intervenção sobre o encerramento da refinaria da Galp em Matosinhos. Aproveito o repto lançado pelo diretor do PÚBLICO para esclarecer o que agora disse e que decorre diretamente do que afirmei como primeiro-ministro em maio aquando da Cimeira Social no Porto.

Nessa ocasião, referi que, (…) “na transição climática, temos o exemplo da cidade de Matosinhos, onde acabou de fechar uma refinaria. Matosinhos vai dar um contributo muito bem-vindo para o esforço de redução das emissões de CO2. É verdade. Mas também é verdade que o fecho da refinaria elimina os postos de trabalho de centenas de trabalhadores, os da própria refinaria e de outras atividades a ela ligadas, que serão obrigados a mudar de emprego, ou a requalificarem-se para as novas atividades que aí virão a desenvolver-se. Como este, podemos encontrar seguramente muitos outros exemplos que demonstram a necessidade de um forte Pilar Social para combater as desigualdades, para criar novos empregos e assegurar a requalificação e a proteção social nos processos de transição”.

Ora, o que agora disse é totalmente coerente com estes princípios e a reação consequente perante a situação criada pela Galp. Mas, para que não restem dúvidas, nada melhor do que transcrever o essencial do que afirmei:

(…) “Um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta, senão o maior, é o das alterações climáticas. E esse desafio perde-se ou vence-se nas cidades, porque são estas que emitem 70% do CO2 para a atmosfera. Para vencermos esta batalha há duas áreas de intervenção fundamentais: a eficiência energética dos edifícios e a mobilidade sustentável.

Mas enfrentar as alterações climáticas implica também mudar o paradigma energético. Portugal é, segundo a União Europeia, o país mais bem colocado para conseguir cumprir as metas a que nos propusemos em matéria de redução de emissões: fomos o primeiro país do mundo, em 2016 em Marraquexe, a assumir o compromisso da neutralidade carbónica em 2050.

Agora, sabemos que esta transição energética também tem custos e foi por isso que a principal prioridade na nossa Presidência foi organizar aqui no Porto a Cimeira Social, foi permitir que a Comissão Europeia apresentasse um Plano de Ação para o Desenvolvimento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e que o Conselho Europeu aprovasse esse Plano de Ação, porque sabemos bem que para assegurar a transição digital e para assegurar a transição energética é fundamental garantir, a todas e a todos, boa formação para continuarmos a ser ativos nas novas ferramentas da sociedade digital. E precisamos, finalmente, de uma rede social de apoio para que ninguém fique para trás nestas transições que temos pela frente.

Gostava de chamar a atenção para o facto de ter sido criado o Fundo da Transição Justa, que visa apoiar os territórios e as pessoas que são afetadas pelas consequências do encerramento de atividades em resultado da transição energética.

E não tenho nenhum medo em dizer claramente que o processo da Galp, aqui em Matosinhos, é um exemplo de escola de tudo aquilo que não deve ser feito por uma empresa que seja uma empresa responsável.

A Galp começou por revelar total insensibilidade social ao escolher o dia 20 de dezembro, a 5 dias do Natal, para anunciar aos seus 1600 trabalhadores que ia encerrar a refinaria de Matosinhos.

Em segundo lugar, a Galp revelou total irresponsabilidade social porque, ao contrário do que estão a fazer as empresas que estão agora a encerrar as suas centrais a carvão, não preparou minimamente a requalificação e as novas oportunidades de trabalho e de prosseguir a vida ativa, para os trabalhadores que iriam perder os seus postos de trabalho.

Em terceiro lugar, não revelou a menor consciência da responsabilidade que qualquer empresa, e em particular uma empresa daquela dimensão, tem para com o território onde está instalada, onde deixa um enorme passivo ambiental de solos contaminados, não dialogando previamente com a câmara nem com o Estado sobre o que pretende fazer depois de encerrar a refinaria.

Ou seja, era difícil imaginar tanto disparate, tanta asneira, tanta insensibilidade, tanta irresponsabilidade, tanta falta de solidariedade como aquela de que a Galp deu provas aqui na refinaria de Matosinhos.

Sim, nós temos de fazer a transição energética, nós temos de trabalhar para a descarbonização da nossa economia, mas isso tem de ser feito com consciência social e com responsabilidade!

É por isso que o Fundo de Transição Justa tem de ser ativado, para trabalharmos em conjunto com o município de Matosinhos para garantir que, em primeiro lugar, aqueles que perdem aqui o seu posto de trabalho têm novas oportunidades para prosseguirem com dignidade as suas vidas, tendo acesso a formação e apoio à criação de emprego ou à obtenção de emprego porque têm direito de continuar a viver com dignidade as suas vidas.

Temos de trabalhar como o município de Matosinhos para garantir que aquele território que ali fica disponibilizado não é utilizado como a Galp lhe der ‘na real gana’, mas vai ser utilizado para desenvolver a economia e para o progresso do território de Matosinhos, porque é isso que o Fundo de Transição Justa visa garantir.

Queria também deixar à Luísa Salgueiro e à Câmara de Matosinhos um pequeno encargo: é que utilizem todos os mecanismos legais que a leis do ordenamento do território colocam nas mãos do município para garantir que naqueles terrenos só se fará o que o município de Matosinhos autorizar e só autorizará o que for para bem do progresso desta região.

Eu quero deixar claro: nada tenho contra a empresa. Agora, há algo que tenho, é que no início deste processo de transição, este processo tem de ser exemplar. E quem se porta assim tem de levar uma lição para que esta lição seja exemplar para todas as outras empresas que vão ter de enfrentar processos semelhantes neste processo de transição energética.”

Espero que esta contextualização clarifique que não há contradição com o que disse anteriormente. E que a pretendida “lição” não é mais do que a utilização do Fundo de Transição Justa e a aplicação da legislação para proteção dos trabalhadores e do futuro do território.

A ‘lição’ não é mais do que usar o Fundo de Transição Justa e aplicar as leis para proteção dos trabalhadores

RITA FRANÇA

Galp nega proposta de formação dos trabalhadores

Ana Brito

Depois de o Ministério do Trabalho ter afirmado que o IEFP apresentou à Galp uma proposta para assegurar formação para os trabalhadores abrangidos pelo despedimento, e que esta foi recusada, a petrolífera veio ontem dizer que a única coisa que houve foi uma “conversa exploratória sobre possíveis planos de formação” e nenhuma proposta concreta com “plano de formação subsidiado, objectivos, prazos, competências a adquirir e valores associados”.

Num esclarecimento divulgado ontem, a empresa presidida por Andy Brown conta que realizou “um conjunto de reuniões” com o Ministério do Trabalho/DGERT e com a comissão central de trabalhadores da Petrogal, “onde foram discutidas oportunidades de requalificação para os colaboradores da refinaria de Matosinhos”.

Na última reunião, realizada a 1 de Junho de 2021, “ocorreu uma conversa exploratória sobre possíveis planos de formação, sem que tenha sido apresentada à Galp qualquer proposta de plano”, adiantou a empresa. “Foi nesse âmbito que o representante da DGERT abordou a possibilidade de ser dada formação profissional aos trabalhadores a despedir, suspendendo-se os respectivos contratos de trabalho durante os anos necessários à concretização dos projectos em causa”, relatou a Galp.

“Todavia, confrontado [pela Galp] com as consequências legais da suspensão, constatou-se pela inviabilidade da referida solução, atentos os efeitos agravados que traria para os trabalhadores em causa”, destaca a empresa.

Galp decidiu fechar refinaria de Matosinhos no final de 2020