17/11/2023 | Imprensa, Notícias do dia
HOJE ESCREVO
Costa não pode sacudir a água do capote nem tentar culpar Marcelo pelo que vier a resultar das eleições de março. E se ainda sonha com uma eventual, e muito difícil, reabilitação política, a verdade é que foi ele quem pactuou com tantos ‘casos e casinhos’ enraizados na cultura do PS.
Depois de um outubro que começou tórrido e acabou num comboio de tempestades, novembro chegou com o verão de S. Martinho atrasado e um tsunami político.
Abusando nas metáforas, dir-se-ia que o caldo já estava há muito em banho-maria e ficou entornado quando num repente levantou fervura e apanhou de surpresa o cozinheiro.
Sim, porque independentemente da espuma dos dias, quem se queimou foi mesmo o responsável disto tudo: o primeiro-ministro demissionário e líder cessante do PS.
E a tentativa de voltar a sacudir a água do seu capote e passar as responsabilidades pela crise de instabilidade política e da ingovernabilidade do país para outrem – no caso, o Presidente da República – evidencia um desespero e uma inabilidade que nunca lhe foram reconhecidos.
Para António Costa, foi como se o céu lhe tivesse caído em cima, mas nem assim perdeu a cabeça.
Porque não é de alguém com cabeça perdida a declaração que fez ao país às 20h de sábado, na Residência Oficial de S. Bento. Uma declaração minuciosamente preparada para sua defesa na Operação Influencer, fazendo tábua rasa do princípio, em que sempre se escudou, da separação de poderes – ‘À Justiça o que é da Justiça, à Política o que é da Política’.
Como não é de alguém politicamente desnorteado, antes pelo contrário, a revelação que o ainda líder do PS fez à entrada para a reunião da Comissão Política no Largo do Rato, dois dias antes, dizendo que propôs ao Presidente da República a nomeação de Mário Centeno como primeiro-ministro para assegurar a governabilidade e a estabilidade política no país após a sua demissão.
António Costa demitiu-se por considerar – e bem – que deixara de ter condições para continuar a exercer as funções de primeiro-ministro com a dignidade inerente ao cargo.
E, consequentemente, anunciou a saída de secretário-geral do PS.
Com a revelação da proposta que fez a Marcelo e que envolvia o governador do Banco de Portugal, apesar de se ter demitido de PM e líder do PS e de ter dito que não voltará a assumir um «cargo executivo» até à conclusão deste processo por uma Justiça que se sabe que é tudo menos célere, assim quis deixar claro que a notícia da sua morte política é manifestamente extemporânea.
António Costa vai querer voltar, só não sabe é quando.
Se bem que possa nunca mais vir a ter reais condições para um regresso, por ele, e ao contrário do que sempre disse, talvez as Presidenciais de 2026 sejam agora o objetivo que nunca foram e a Europa, apesar de tudo, continua sem estar definitivamente afastada.
De outro modo, como se acharia em condições de fazer qualquer proposta que fosse ao Presidente da República?
Desde quando um líder demissionário por falta de condições para exercer um cargo se acha competente para escolher e propor quem lhe possa suceder sem sequer ouvir primeiro os seus pares do partido?
Uma vez primeiro-ministro demissionário e aberto o processo de sucessão no PS, António Costa sabe que já não tem condições para nada.
Se até o povo diz que rei morto é rei posto, como pode alguém com a experiência de uma vida feita na política, como António Costa, ter a presunção de continuar no poder depois de ser apeado?
E entre o querer e o poder…
A verdade é que António Costa, com a Al f s P s o a u u o d z p a r e a t l r í r ç u e c a i g i v n l o a e s l o l c ó , a o g l q ç i o l t u ã e v a t e o e s i , v r n d a n e o e r a s r r c t d a e l e a s o s t r p o r o a r l d v u ç o o e õ c c u e e B o s s a t n s a a n s o o m i c g d o F b o e i é d n p m e a a n ra ti o al Times, confirmando ter tido um convite do Presidente da República que não teve.
Sujeitou-se, assim, ao inevitável (e madrugador) desmentido da Presidência da República e acabou a pedir a retificação das suas declarações.
Como se a imagem de Portugal na imprensa internacional ainda pudesse piorar.
Neste comboio de tempestades políticas, só faltava mesmo o presidente da Assembleia da República vir também pressionar a investigação e o Supremo Tribunal de Justiça, fazendo lembrar o comportamento das cúpulas socialistas (que, aliás, pouco variaram nestas últimas duas décadas) quando o partido se viu mergulhado no escândalo da Casa Pia.
Mais uma vez, vale a pena lembrar o que disse o presidente do Supremo Tribunal de Justiça na véspera de rebentar a Operação Influencer sobre a falta de vontade política para fortalecer a Justiça e dar-lhe meios – recursos humanos, técnicos e normativos – para ser mais ágil e eficaz, nomeadamente, como é o caso, quando se trata de investigar e combater a corrupção.
Sendo que são esses mesmos responsáveis políticos que beneficiam dessa falta de meios, por um lado, ou que, por outro, vêm depois exigir celeridade aos agentes da Justiça e aos tribunais.
Não, não adianta a António Costa tentar passar culpas ou apressar a Justiça.
Se ficou sem condições para exercer o cargo não foi só por estar envolvido pessoalmente no que quer que seja – embora António José Seguro lá devesse ter razões para o apelidar de ‘homem dos negócios’. Mas porque pactuou com a cultura de compadrios ou favorecimentos que está enraizada no PS e menosprezou sempre os ‘casos e casinhos’ que se sucederam no Governo sob a sua liderança.
Aconteça o que acontecer, António Costa é, mesmo, o responsável por isto tudo. Os outros, mais do que muitos, são cúmplices.
mvramires@gmail.com
ILUSTRAÇÃO CARLOS RIVAHERRERA
17/11/2023 | Imprensa, Notícias do dia
Hugo Franco Rui Gustavo
Lucília Gago escreveu parágrafo que demitiu Costa
Crise institucional Procuradora-Geral da República redigiu o último parágrafo do comunicado que levou à demissão do primeiro-ministro. Belém garante que nada teve a ver com o seu teor
Foi Lucília Gago quem tomou a decisão de incluir o último parágrafo, que revelava a existência de uma investigação criminal contra António Costa e que levou à demissão imediata do primeiro-ministro no comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a Operação Influencer.
Segundo fontes judiciais, ainda antes de lançar a operação de buscas e detenção que levou à queda do Governo eleito com maioria absoluta, os três procuradores do DCIAP responsáveis pela investigação enviaram para a PGR — como é hábito em todas as operações minimamente relevantes — “informações sobre o número e os locais das buscas, detenções e o que estava em causa no processo”. Conforme as fontes referidas, os procuradores João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Lamas não fizeram qualquer referência ao facto de, duas semanas antes, terem remetido para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) uma certidão com as referências feitas pelos “suspeitos” do caso à participação de António Costa em alguns dos factos que estavam sob investigação.
Todavia, e ao contrário do que sucede habitualmente — por norma, os comunicados emitidos pela PGR são redigidos apenas com as informações provenientes do DCIAP —, a procuradora-geral quis acrescentar um ponto: segundo ela, o texto tinha de fazer referência às suspeitas que recaem sobre o primeiro-ministro agora demissionário. Segundo as mesmas fontes, temeu que o MP pudesse ser acusado de estar a proteger António Costa quando se soubesse — e isso seria inevitável — que estava a ser investigado por um procurador do STJ (ver texto ao lado). Além disso, era do conhecimento público que, no passado recente, havia escutas relacionadas com a investigação em que o primeiro-ministro fora intercetado acidentalmente: aconteceu em dezembro de 2020, quando uma conversa com o então ministro do Ambiente, Matos Fernandes, foi validada pelo anterior presidente do STJ, António Piçarra.
Ainda assim, a decisão de Lucília Gago não terá provocado mal-estar na equipa de magistrados liderada por João Paulo Centeno, que está debaixo de fogo depois de o juiz de instrução Nuno Dias Costa ter libertado os cinco arguidos detidos e ter reduzido a um caso de tráfico de influências e recebimento indevido de vantagem o processo de alegada corrupção investigado pelo MP durante quatro anos. A decisão do juiz traduz-se, para já, numa derrota embaraçosa para os procuradores. Ainda por cima o processo está a ser investigado diretamente pelo DCIAP, que, contrariamente ao que é habitual, não delegou poderes a um órgão de polícia criminal, mas a uma equipa da PSP que trabalha no DCIAP e que se limita a cumprir as ordens dos magistrados. Ou seja, só o MP pode ser responsabilizado por qualquer erro ou omissão.
Em entrevista ao Expresso, Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, assegurou que a demissão de Costa apanhou “de surpresa” tanto Lucília Gago como os procuradores que investigam o caso. Carvalho disse o parágrafo foi usado como um “pretexto” para justificar uma demissão que seria inevitável pelo envolvimento do seu chefe de gabinete no caso — e pelo facto, conhecido mais tarde, de terem sido encontrados 75,8 mil em notas no seu gabinete, a escassos 20 metros do local de trabalho do primeiro-ministro.
O primeiro a saber
Marcelo Rebelo de Sousa soube antes de António Costa que havia um parágrafo que o comprometia no comunicado da PGR de 7 de novembro. Nesse dia, o primeiro-ministro ligou ao Presidente da República às oito da manhã, mas, segundo a revista “Sábado”, o mais alto magistrado da nação ainda estava a dormir. O chefe de Governo ligou então ao chefe da Casa Civil, Fernando Frutuoso de Melo, a pedir uma audiência matinal urgente.
Uma hora e meia depois, os dois reuniam-se numa conversa que durou 40 minutos e em que o ainda líder do Executivo admitiu uma possível demissão depois de ter ficado a saber das buscas matinais do MP e da PSP na casa do ministro João Galamba e das detenções do seu chefe de gabinete, Vítor Escária, e do seu então melhor amigo, Diogo Lacerda Machado. Mas não pediu a demissão. Segundo fonte de Belém, pediu ao Presidente para falar com Lucília Gago no sentido de obter mais informações sobre o caso (ver texto da página 11). Às onze e meia, convocada pelo Presidente, Lucília Gago entra no Palácio de Belém e reúne-se com Marcelo, dando-lhe conta da existência de um inquérito autónomo no STJ ao primeiro-ministro. Marcelo ficou a saber que o comunicado fazia referência direta a António Costa.
Pouco depois do meio-dia, a PGR publica um comunicado sobre a operação que na altura ainda não se sabia chamar-se Influencer — ao invés do costume, a nota de imprensa não fazia referência ao nome da operação. Nessa altura, Lucília Gago ainda estava em Belém com Marcelo, assegura uma fonte da Presidência da República. Por volta da uma da tarde, Costa voltou a Belém, desta vez para pedir a demissão. A reunião não terá durado mais de 12 minutos e Costa invocou o “parágrafo assassino” como a gota de água que derrubaria o Governo.
Fonte de Belém assegura que Marcelo não teve qualquer interferência no teor do comunicado da PGR e que ficou a saber por Lucília Gago da existência de um processo criminal contra o primeiro-ministro. O processo autónomo, que ainda não terá arguidos, está a ser conduzido pelo coordenador do MP no Supremo, Duarte Silva. O Expresso enviou um conjunto de perguntas a Lucília Gago e ao Ministério Público do STJ. Ninguém respondeu.
Com Ângela Silva
hfranco@expresso.impresa.pt
Investigação ao PM pode acabar primeiro
Quando fez a sua segunda comunicação ao país, além de ter pedido desculpa por causa dos envelopes com dinheiro de Vítor Escária encontrados pela polícia em São Bento, António Costa deu a entender que não voltaria à vida política porque o processo iria ser “demorado”, dada “a conexão” entre a investigação que esteve na origem das buscas e aquela em que está a ser investigado no STJ. Mas, de acordo com um magistrado que não quer ser identificado, não tem de ser necessariamente assim. “A conexão significa que os processos estão interligados porque os factos são comuns. O procurador que tem o processo no Supremo deverá, por exemplo, ouvir as testemunhas ou os arguidos do processo principal. Mas isso não significa que tenham de ser concluídos ao mesmo tempo, pois são dois processos separados. Não é uma conexão em termos técnicos.” O MP do Supremo é que vai decidir se há indícios suficientes para acusar o ainda primeiro-ministro de algum crime. Há cerca de 20 escutas que envolvem o PM a serem analisadas. R.G.
MP aposta tudo nos discos externos de Escária
Magistrados procuram nos discos externos, computadores e e-mails dos suspeitos novas pistas para uma eventual acusação
Durante a operação de buscas e detenções, os operacionais da PSP apreenderam dois objetos em que os procuradores do Ministério Público depositam esperanças para conseguir mais indícios que possam provar o esquema de corrupção que alegam existir no seio do Governo ainda em funções. Os investigadores encontraram na casa de Vítor Escária um disco externo portátil com capacidade para um número elevado de terabytes de memória. No gabinete de trabalho em São Bento, havia uma cópia igual. O objetivo da investigação é encontrar indícios de pagamentos, algo como um livro de contabilidade.
Segundo uma fonte policial, Escária não conseguiu evitar algum desconforto quer com a apreensão dos discos externos quer com o “achamento” de quatro envelopes com um total de 75,8 mil em notas.
Na promoção que levaram ao juiz de instrução, os procuradores limitaram-se a entregar escutas que, no seu entender, demonstravam a existência de um esquema de corrupção. Esta tese não convenceu o tribunal. Agora, o MP vai tentar descobrir nos computadores e nos e-mails dos suspeitos algo que permita robustecer uma eventual acusação. Para já, o MP limitou-se a recorrer da decisão do juiz Nuno Dias Costa para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Escária pediu empréstimo
Vítor Escária, chefe de gabinete entretanto exonerado, admitiu ao juiz que os 75,8 mil euros em dinheiro encontrados em quatro envelopes no seu gabinete em São Bento não tinham sido declarados às Finanças. O arguido justificou o dinheiro com o recebimento por dar aulas de consultoria, em Angola, antes de 2020. Escária terá dito ainda que o montante pelo trabalho desenvolvido naquele país foi pago à posteriori, em dinheiro vivo, quando já fora empossado chefe de gabinete do primeiro-ministro (o economista entrou oficialmente para o Governo em agosto de 2020) e que iria declará-lo à Autoridade Tributária.
Esta apreensão vai ser tratada num processo à parte, onde poderá ser investigado o crime de fraude fiscal.
Escária foi assessor económico de José Sócrates, entre 2005 e 2011, e mais tarde de António Costa, mas, nessas funções, não tinha a obrigação de declarar o seu rendimento e património junto do Tribunal Constitucional (TC). Só quando assumiu o cargo de chefe de gabinete do primeiro-ministro, em 2020, é que passou a cumprir essa obrigação. Até aí consultor de várias empresas, passou a acumular as novas funções (oficialmente) apenas com a atividade de docência universitária no ISEG, onde leciona há quase duas décadas.
Desde que assumiu o cargo de chefe de gabinete, Vítor Escária duplicou o rendimento do trabalho dependente e reduziu para metade o rendimento do trabalho independente para 110.737,91 e 27.800,00, respetivamente. Já tinha dois empréstimos com a Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas contraiu recentemente um terceiro, no valor de 24.985,21, obrigando a alterar a sua declaração junto do TC, no passado dia 6 de outubro. A essa dívida somam-se mais dois empréstimos ao banco estatal, nos montantes de 67.570,82 e 20.773,57.
H.F., Liliana Coelho e R.G. O terceiro erro do MP: não houve reunião no Rato
Vítor Escária garantiu aos procuradores que nunca se encontrou com Lacerda Machado e Afonso Salema na sede do PS
Durante o primeiro interrogatório judicial no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa ao ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro Vítor Escária, no sábado, os três procuradores da Operação Influencer aperceberam-se de que o despacho de indiciação continha um erro factual. O documento refere que, entre 13 e 22 de dezembro de 2022, Diogo Lacerda Machado — o lobista da Start Campus e amigo de António Costa a quem, segundo o Ministério Público, cabia a missão de influenciar membros do Governo para acelerar os processos administrativos relacionados com o data center de Sines — combinou com Escária encontrarem-se com Afonso Salema, então CEO da Start Campus, na sede do PS, no Largo do Rato, em Lisboa. E, segundo o documento do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), essa reunião terá acontecido precisamente nesse local, às 17h de 22 de dezembro, uma quinta-feira. Só que não.
Confrontado com esta informação pelo juiz de instrução Nuno Dias Costa, Vítor Escária negou que alguma vez se tivesse encontrado com Lacerda Machado e Salema no Largo do Rato. Depois, segundo três fontes contactadas, os procuradores acabaram por admitir que tinham errado, atribuindo o equívoco a uma má interpretação de uma escuta: um dos intervenientes da chamada terá referido que se encontrava a passar pela sede do partido enquanto falava ao telefone com outro, e isso resultou numa confusão quanto ao local da referida reunião. O Expresso pediu ao gabinete de comunicação da Procuradoria-Geral da República um comentário sobre o engano, mas até ao fecho desta edição não foi possível obter qualquer reação oficial.
Por outro lado, Vítor Escária acabou por admitir ao juiz de instrução que se encontrou por quatro vezes com Lacerda e Salema no seu gabinete em São Bento para discutirem aspetos sobre o negócio milionário em
A Procuradoria-Geral da República não fez comentários ao erro do MP na localização de uma conversa suspeita
Sines. O Expresso contactou Tiago Rodrigues Bastos, o advogado que defende Escária no processo, que se recusou a comentar o caso.
A portaria errada
Este é o terceiro erro detetado até ao momento no despacho assinado pela equipa de procuradores João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Correia Lamas. Uma das outras inconsistências no documento do MP foi noticiada pelo Expresso e envolvia João Galamba, o ministro das Infraestruturas que se demitiu esta semana. No texto, o MP aponta a Galamba suspeitas de este ter aprovado, em 2022, uma portaria com contributos dados por advogados ligados à Start Campus em benefício desta. Sucede que a portaria referida pelos procuradores nada tem a ver com o projeto do centro de dados de Sines.
Aconteceu assim: o MP detetou um telefonema, de 9 de setembro de 2022, de Rui Oliveira Neves (que era então administrador da Start Campus) solicitando a alguém um projeto de despacho para o secretário de Estado da Energia autorizar que a concessão da REN na área do gás natural pudesse também incluir a exploração de cabos de fibra para ligação do centro de dados. Rui Oliveira Neves pretendia enviar um rascunho desse projeto à REN e ao secretário de Estado. O draft, ou memo de portaria, foi enviado duas semanas depois Ora, os procuradores do DCIAP escrevem que “a portaria a que se referiram os arguidos e à qual o documento deu origem é a Portaria nº 248/2022, de 29 de setembro”. E defendem que a alteração legislativa introduzida por Galamba foi redigida por pessoas ao serviço da Start Campus, no interesse desta e aprovada a pedido de Salema e Oliveira Neves.
Só que a Portaria nº 248/2022 nada tem a ver com o projeto da Start Campus nem com o projeto de uso dos terrenos dos gasodutos da REN para a passagem de cabos de fibra. Nesse documento estava a permissão para que nos terrenos de antigas centrais termoelétricas (e a EDP tinha várias) e hidroelétricas pudessem vir a ser desenvolvidos projetos distintos dos originais, nomeadamente aproveitando outras fontes de eletricidade que não as térmicas e as hídricas.
O outro erro foi revelado pela CNN Portugal esta semana, que noticiou um lapso do MP na transcrição de uma escuta telefónica numa conversa entre Lacerda Machado e Salema, em agosto do ano passado. O amigo do primeiro-ministro demissionário comprometeu-se a mover influências junto do Governo, garantindo que ia abordar “António Costa”. Mas Lacerda Machado referia-se a António Costa Silva, ministro da Economia. Os próprios procuradores terão reconhecido o equívoco durante o interrogatório a Lacerda Machado esta semana.
H.F., Miguel Prado e R.G. Costa admitiu demissão antes do “parágrafo assassino”
Antes do comunicado da PGR, Costa admitiu ao Presidente sair para não prejudicar defesa de pessoas próximas
António Costa só apresentou a demissão ao Presidente da República após a Procuradoria-Geral da República ter divulgado a investigação que corre sobre si no Supremo Tribunal de Justiça, mas logo na primeira reunião que teve com Marcelo Rebelo de Sousa, pelas 9h30 do dia das buscas na sua residência oficial, o primeiro-ministro admitiu que podia não ter condições para continuar.
A convicção que transmitiu ao Presidente era simples: se visse que, mantendo-se em funções, podia prejudicar a investigação ou a defesa de pessoas que lhe são próximas (o seu chefe de gabinete e o consultor que um dia assumiu ser o seu melhor amigo), isso colidiria com a sua visão do que deve ser a dignidade do Estado e seria ele o primeiro a decidir sair.
Antes de fechar a decisão, António Costa pediu, no entanto, ao Presidente que chamasse a procuradora-geral da República, para ter uma noção mais clara do que estava em causa. E quando, durante a audiência de Lucília Gago em Belém, saiu o comunicado de imprensa da Procuradoria sobre os processos que correm há três anos envolvendo responsáveis do Governo e também sobre o processo autónomo que envolve o próprio primeiro-ministro, Costa pediu para voltar a falar com o Presidente. A sua primeira suspeita ou intuição estava certa e teria que se demitir.
Dois dias depois, na reunião do Conselho de Estado que partiu ao meio os conselheiros do Presidente da República sobre se seria melhor manter o Governo com outro primeiro-ministro ou convocar eleições, António Costa voltou a admitir que, mesmo que o seu nome não tivesse sido envolvido, podia não ter condições para ficar.
“Ele admitiu que, mesmo sem aquele parágrafo, podia
PGR criticada no Conselho de Estado. Marques Mendes voltou a chamar-lhe “uma inexistência”
ter que sair”, relatou ao Expresso um dos presentes na reunião, tese confirmada por outros conselheiros, que referem as críticas de que Lucília Gago foi alvo naquele órgão de aconselhamento do Presidente. Com o comunicado da PGR sob fogo, houve quem alertasse que primeiro investiga-se e depois publicita-se. E Marques Mendes chegou a acusar a procuradora-geral de ser “uma inexistência” (repetindo o que já tinha dito na SIC quando das buscas a casa de Rui Rio) e a acusar António Costa de ter culpas (que, a existirem, terão que ser repartidas com Marcelo) por ter sido ela a nomeada para o cargo, em vez de terem reconduzido Joana Marques Vidal.
Na resposta final aos conselheiros, o primeiro-ministro não focou a responsabilidade da sua demissão apenas no texto da Procuradoria e admitiu que porventura não poderia manter-se em funções mesmo sem o tal parágrafo que o envolveu diretamente e que entrou no comentário televisivo como “parágrafo assassino”.
Ângela Silva
avsilva@expresso.impresa.pt
PGR TEMEU QUE MP FOSSE ACUSADO DE ESTAR A PROTEGER COSTA QUANDO SE SOUBESSE QUE ERA INVESTIGADO NO SUPREMO
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A procuradora-geral da República foi ao Palácio de Belém, na manhã das buscas, falar com Marcelo Rebelo de Sousa sobre o caso que envolve Costa
FOTO MIGUEL A. LOPES/LUSA