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Sócrates quis dar luta a Ivo Rosa até ao fim. Mas já não foi a tempo

MICAEL PEREIRA

Na última sexta-feira, a defesa do ex-primeiro-ministro interpôs um recurso para a Relação e pediu a Ivo Rosa para suspender tudo, mas foi tarde de mais. O juiz de instrução já decidira enviar o processo para julgamento

Numa última tentativa para evitar que Ivo Rosa enviasse a parte da Operação Marquês que diz respeito aos arguidos José Sócrates e Carlos Santos Silva para julgamento, a defesa do ex-primeiro-ministro interpôs um recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa na passada sexta-feira, 4 dejunho, dando nesse dia conhecimento disso ao juiz de instrução e pedindo-lhe que o recurso subisse de forma imediata à Relação e tivesse “efeito suspensivo” sobre o processo.

O requerimento de interposição de recurso para a Relação foi enviado pelo advogado Pedro Delille por e-mail às 20h21 para o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), mas já não foi a tempo de Ivo Rosa se pronunciar sobre ele. O despacho final do juiz, dando por encerrada a fase de instrução da Operação Marquês e ordenando a “remessa imediata” dos autos para o Tribunal da Comarca de Lisboa, foi feito nesse próprio dia. A partir daí, terminou a competência do TCIC e tudo o mais passará a ser decidido pelo coletivo de juízes que vai sair do sorteio a realizar no Campus da Justiça e irá julgar Sócrates.

Delille enviou a Ivo Rosa o conteúdo integral do recurso para a Relação, em que contesta um despacho anterior proferido pelo juiz de instrução a 23 de abril. Nesse despacho, Ivo Rosa rejeitara dar os 90 dias pedidos pela defesa de Sócrates para arguir a nulidade da sua decisão em pronunciar o ex-primeiro-ministro por seis crimes. O magistrado assumia que Sócrates nunca poderia recorrer dessa pronúncia, porque o Código do Processo Penal não o permite. Essa possibilidade está reservada apenas ao Ministério Público, justificou, restando aos arguidos pronunciados fazerem valer os seus direitos na fase seguinte: o julgamento.

Sócrates não se conformou não só com o facto de Ivo Rosa ter empurrado para canto a sua pretensão de anular o processo antes de chegar a julgamento, como também do modo como o fez: não dando mais do que os três dias previstos na lei para qualquer arguido poder reclamar a nulidade de uma decisão instrutória. O juiz de instrução deixou isso claro no despacho de 23 de abril: “Atenta a impossibilidade de recurso quanto à decisão instrutória por parte do arguido José Sócrates, não se justifica, dada a ausência de interesse em agir, apreciar o pretendido pedido de prorrogação de prazo de recurso.”

A recusa do Ivo Rosa em dar mais tempo para Sócrates esgrimir os seus argumentos, numa fase em que o processo continuava no Tribunal Central de Instrução Criminal, levou Delille a interpor a 10 de maio um pedido de recurso para o Tribunal Constitucional e, como não ainda não tivera qualquer reação a isso por parte do juiz, avançou na última sexta-feira com o requerimento de recurso para a Relação.

No requerimento apresentado, o advogado de Sócrates pediu que o recurso fosse admitido com “subida imediata”, “sob pena de a sua retenção o tornar absolutamente inútil, e com efeito suspensivo do processo, uma vez que da sua decisão depende a validade e eficácia dos seus atos subsequentes”.

Mas o processo não foi suspenso. A essa hora, já o juiz tinha colocado um ponto final na sua relação com a Operação Marquês. Num despacho de mais de 50 páginas em que declarou como terminada a competência do TCIC no processo, Ivo Rosa chumbou a subida para o Tribunal Constitucional do recurso apresentado por Sócrates a 10 de maio e alongou-se nas justificações sobre porque é que, no seu entendimento, não há mais nada que os advogados possam fazer a não ser irem para julgamento defender os seus clientes.

No texto do recurso para a Relação que é reproduzido na íntegra no requerimento que enviou ao tribunal de instrução, é notório o descontentamento de Delille com a evolução do processo nos últimos dois meses, desde que Sócrates foi pronunciado a 9 de abril por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos, em coautoria com o empresário Carlos Santos Silva.

Referindo-se a decisões que “parecem culminar a brutal injustiça e violentíssimos abusos deste processo”, o advogado concretiza o que quer dizer com isso. “O ponto alto do abuso é demonstrado na excelente caricatura da concessão de apenas três dias para arguir as invalidades do processo; nem um dia mais”, lamentou. “Para mais num processo como este, onde o agora recorrente, os familiares, os amigos e qualquer pessoa com quem se tivesse relacionado, foram sujeitos durante anos e anos às mais truculentas e intrusivas medidas de investigação”.

Mas estes crimes são novos?

No final do recurso, Delille pede para que os juízes-desembargadores da Relação de Lisboa revoguem a decisão de Ivo Rosa de não alargar o prazo para a defesa arguir as nulidade e irregularidades da pronúncia.

Talvez a prever que uma iniciativa viesse a surgir, Ivo Rosa determinou no seu despacho definitivo que “eventuais recursos”, incluindo sobre a sua decisão de indeferir nulidades e irregularidades, terão “efeito meramente devolutivo”, isto é, não suspendem o julgamento, “com subida de imediato e em separado”.

Na base da nulidade reclamada por Sócrates, e que coincide com um pedido de nulidade também apresentado pelo próprio Ministério Público, está a tese de que existiu uma “alteração substancial dos factos” na forma como Sócrates e Santos Silva foram pronunciados por lavagem de dinheiro por Ivo Rosa, em relação aos crimes que estão na origem disso e de que vinham acusados pelo Ministério Público, algo que não é possível ser feito na fase de instrução.

No seu despacho final, no entanto, o juiz contesta essa leitura: “Tanto na acusação, como na pronúncia, o facto ilícito típico gerador das vantagens branqueadas é um crime de corrupção passiva imputado ao arguido José Sócrates, motivo pelo qual não se verifica qualquer alteração quanto ao facto ilícito típico subjacente.” E explica que a diferença consiste apenas no “montante do suborno [que passou de €34 milhões na acusação para €1,7 milhões na pronúncia], que é bastante inferior ao imputado pela acusação, e quanto à modalidade da corrupção passiva, embora punido com a mesma moldura penal”.

Na decisão instrutória, Ivo Rosa concluiu que há indícios de que Sócrates foi corrompido por Santos Silva, mas que o crime prescreveu e não é possível saber a troco de que atos concretos esse suborno foi pago.

mrpereira@expresso.impresa.pt

As decisões de Ivo Rosa “parecem culminar a brutal injustiça” deste processo,escreveu a defesa de Sócrates O juiz sublinhou no seu despacho final que, tal como diz oMP, Sócrates foi corrompido

Sócrates está pronunciado por seis dos 31 crimes de que foi acusado em 2017 | ana baião

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Sócrates quis dar luta a Ivo Rosa até ao fim. Mas já não foi a tempo

MICAEL PEREIRA

Na última sexta-feira, a defesa do ex-primeiro-ministro interpôs um recurso para a Relação e pediu a Ivo Rosa para suspender tudo, mas foi tarde de mais. O juiz de instrução já decidira enviar o processo para julgamento

Numa última tentativa para evitar que Ivo Rosa enviasse a parte da Operação Marquês que diz respeito aos arguidos José Sócrates e Carlos Santos Silva para julgamento, a defesa do ex-primeiro-ministro interpôs um recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa na passada sexta-feira, 4 dejunho, dando nesse dia conhecimento disso ao juiz de instrução e pedindo-lhe que o recurso subisse de forma imediata à Relação e tivesse “efeito suspensivo” sobre o processo.

O requerimento de interposição de recurso para a Relação foi enviado pelo advogado Pedro Delille por e-mail às 20h21 para o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), mas já não foi a tempo de Ivo Rosa se pronunciar sobre ele. O despacho final do juiz, dando por encerrada a fase de instrução da Operação Marquês e ordenando a “remessa imediata” dos autos para o Tribunal da Comarca de Lisboa, foi feito nesse próprio dia. A partir daí, terminou a competência do TCIC e tudo o mais passará a ser decidido pelo coletivo de juízes que vai sair do sorteio a realizar no Campus da Justiça e irá julgar Sócrates.

Delille enviou a Ivo Rosa o conteúdo integral do recurso para a Relação, em que contesta um despacho anterior proferido pelo juiz de instrução a 23 de abril. Nesse despacho, Ivo Rosa rejeitara dar os 90 dias pedidos pela defesa de Sócrates para arguir a nulidade da sua decisão em pronunciar o ex-primeiro-ministro por seis crimes. O magistrado assumia que Sócrates nunca poderia recorrer dessa pronúncia, porque o Código do Processo Penal não o permite. Essa possibilidade está reservada apenas ao Ministério Público, justificou, restando aos arguidos pronunciados fazerem valer os seus direitos na fase seguinte: o julgamento.

Sócrates não se conformou não só com o facto de Ivo Rosa ter empurrado para canto a sua pretensão de anular o processo antes de chegar a julgamento, como também do modo como o fez: não dando mais do que os três dias previstos na lei para qualquer arguido poder reclamar a nulidade de uma decisão instrutória. O juiz de instrução deixou isso claro no despacho de 23 de abril: “Atenta a impossibilidade de recurso quanto à decisão instrutória por parte do arguido José Sócrates, não se justifica, dada a ausência de interesse em agir, apreciar o pretendido pedido de prorrogação de prazo de recurso.”

A recusa do Ivo Rosa em dar mais tempo para Sócrates esgrimir os seus argumentos, numa fase em que o processo continuava no Tribunal Central de Instrução Criminal, levou Delille a interpor a 10 de maio um pedido de recurso para o Tribunal Constitucional e, como não ainda não tivera qualquer reação a isso por parte do juiz, avançou na última sexta-feira com o requerimento de recurso para a Relação.

No requerimento apresentado, o advogado de Sócrates pediu que o recurso fosse admitido com “subida imediata”, “sob pena de a sua retenção o tornar absolutamente inútil, e com efeito suspensivo do processo, uma vez que da sua decisão depende a validade e eficácia dos seus atos subsequentes”.

Mas o processo não foi suspenso. A essa hora, já o juiz tinha colocado um ponto final na sua relação com a Operação Marquês. Num despacho de mais de 50 páginas em que declarou como terminada a competência do TCIC no processo, Ivo Rosa chumbou a subida para o Tribunal Constitucional do recurso apresentado por Sócrates a 10 de maio e alongou-se nas justificações sobre porque é que, no seu entendimento, não há mais nada que os advogados possam fazer a não ser irem para julgamento defender os seus clientes.

No texto do recurso para a Relação que é reproduzido na íntegra no requerimento que enviou ao tribunal de instrução, é notório o descontentamento de Delille com a evolução do processo nos últimos dois meses, desde que Sócrates foi pronunciado a 9 de abril por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos, em coautoria com o empresário Carlos Santos Silva.

Referindo-se a decisões que “parecem culminar a brutal injustiça e violentíssimos abusos deste processo”, o advogado concretiza o que quer dizer com isso. “O ponto alto do abuso é demonstrado na excelente caricatura da concessão de apenas três dias para arguir as invalidades do processo; nem um dia mais”, lamentou. “Para mais num processo como este, onde o agora recorrente, os familiares, os amigos e qualquer pessoa com quem se tivesse relacionado, foram sujeitos durante anos e anos às mais truculentas e intrusivas medidas de investigação”.

Mas estes crimes são novos?

No final do recurso, Delille pede para que os juízes-desembargadores da Relação de Lisboa revoguem a decisão de Ivo Rosa de não alargar o prazo para a defesa arguir as nulidade e irregularidades da pronúncia.

Talvez a prever que uma iniciativa viesse a surgir, Ivo Rosa determinou no seu despacho definitivo que “eventuais recursos”, incluindo sobre a sua decisão de indeferir nulidades e irregularidades, terão “efeito meramente devolutivo”, isto é, não suspendem o julgamento, “com subida de imediato e em separado”.

Na base da nulidade reclamada por Sócrates, e que coincide com um pedido de nulidade também apresentado pelo próprio Ministério Público, está a tese de que existiu uma “alteração substancial dos factos” na forma como Sócrates e Santos Silva foram pronunciados por lavagem de dinheiro por Ivo Rosa, em relação aos crimes que estão na origem disso e de que vinham acusados pelo Ministério Público, algo que não é possível ser feito na fase de instrução.

No seu despacho final, no entanto, o juiz contesta essa leitura: “Tanto na acusação, como na pronúncia, o facto ilícito típico gerador das vantagens branqueadas é um crime de corrupção passiva imputado ao arguido José Sócrates, motivo pelo qual não se verifica qualquer alteração quanto ao facto ilícito típico subjacente.” E explica que a diferença consiste apenas no “montante do suborno [que passou de €34 milhões na acusação para €1,7 milhões na pronúncia], que é bastante inferior ao imputado pela acusação, e quanto à modalidade da corrupção passiva, embora punido com a mesma moldura penal”.

Na decisão instrutória, Ivo Rosa concluiu que há indícios de que Sócrates foi corrompido por Santos Silva, mas que o crime prescreveu e não é possível saber a troco de que atos concretos esse suborno foi pago.

mrpereira@expresso.impresa.pt

As decisões de Ivo Rosa “parecem culminar a brutal injustiça” deste processo,escreveu a defesa de Sócrates O juiz sublinhou no seu despacho final que, tal como diz oMP, Sócrates foi corrompido

Sócrates está pronunciado por seis dos 31 crimes de que foi acusado em 2017 | ana baião

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MP vai usar Canals também contra Ricardo Salgado

Gestor de fortunas confirmou tese do MP no julgamento de Armando Vara.

Agora vai depor contra o ex-presidente do GES

Em italiano, através de um telemóvel que uma funcionária judicial segurava bem alto para todos os magistrados e advogados na sala poderem ouvir, o gestor de fortunas suíço Michel Canals confirmou, no julgamento de Armando Vara, que recebeu das mãos do ex-ministro socialista centenas de milhares de euros, que entregou a “Francisco Canas”, o Zé das Medalhas, dono de uma casa de câmbios em Lisboa. O dinheiro “aparecia” numa conta da UBS de que Canais era gestor e que estava no nome de Bárbara Vara, filha de Armando Vara, que era, na verdade, quem controlava o dinheiro.

É esta, aliás, a tese do Ministério Público para imputar a Vara um crime de branqueamento de capitais, o único que sobrou da acusação da Operação Marquês depois da decisão instrutória de Ivo Rosa. A acusação sustenta que Vara terá lavado mais de €2,5 milhões através deste esquema.

Canais justificou ao tribunal que a conta da UBS, titulada pela empresa offshore Vama, estava no nome de Bárbara Vara e que esta tinha “residência fiscal em Espanha”, não tendo, por isso, que declarar as transferências em Portugal.

O senhor 10 milhões

Agora Michel Canals — que chegou a estar em prisão preventiva no âmbito da Operação Monte Branco (investigação que dura há nove anos e que tinha como principal arguido Francisco Canas, já falecido) — faz parte do rol de 12 testemunhas chamadas pelo Ministério Público para o julgamento de Ricardo Salgado. Tal como Vara, também Salgado era cliente de Michel Canals na UBS. 0 ex-presidente do Grupo Espírito Santo será julgado por três crimes de abuso de confiança e este será o primeiro julgamento da sua vida, apesar de já ter sido condenado pelo Banco de Portugal e de ser arguido no caso da derrocada do GES e na Operação Monte Branco. A primeira sessão está marcada para 14 de junho (segunda-feira) e, por coincidência (sorteio), o coletivo de juízes será 0 mesmo, apesar de 0 presidente ser agora Francisco Henriques, em vez de Rui Coelho.

Na tese do Ministério Público confirmada por Ivo Rosa os três crimes de abuso de confiança imputados a Salgado estão relacionados com a alegada apropriação de €10,75 milhões com origem numa conta na Suíça titulada pela companhia ofshore ES Enterprises, 0 famoso saco azul do GES.

Em dois desses crimes, o dinheiro circulou por dois dos acusados na Operação Marquês: Hélder Bataglia e Henrique Granadeiro, que não vão a julgamento por decisão de Ivo Rosa. Bataglia é uma das testemunhas do Ministério Público, mas, como a decisão do juiz Ivo Rosa ainda não transitou em julgado (0 Ministério Público recorreu), pode invocar 0 facto de ainda poder vir a ser julgado na Operação Marquês para não depor, tal como aconteceu com Miguel Horta e Costa e Gaspar Ferreira no processo de Armando Vara.

No despacho de pronúncia, 0 juiz Ivo Rosa concluiu que Ricardo Salgado não teria direito aos mais de €10 milhões que recebeu nas contas da Suíça, ainda que fosse líder do GES e presidente do BES.

Rui Gustavo

rgustavo@expresso.impresa.pt

Tal como Vara, também Ricardo

Salgado era cliente do gestor de fortunas suíço, que já esteve preso em Portugal

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GRUPO ESPIRITO SANTO SÓ TEM VERBAS PARA PAGAR 2,6% DAS DIVIDAS

Massas falidas de três sociedades do GES, que era liderado por Ricardo Salgado, só contam com €300 milhões para saldar créditos reclamados de mais de €11 mil milhões

E16

ssado e futuro O rasto de perdas deixadas pelo Grupo Espí Império Espírito Santo só paga 2,6% das dívidas

diogo Cavaleiro

quilo que resta do universo Espírito Santo e que se encontra atualmente em liquidação no Luxemburgo para poder vir pelos credores a ser distribuído vale cerca de €300 milhões. São perto de 2,6% do valor dos créditos que estão a ser reclamados junto daquelas que foram as empresas que, um dia, permitiram a Ricardo Salgado mandar num império familiar que acabou destruído em 2014- As perspetivas são baixas, já que eventuais vendas de ativos estão dificultadas pelos arrestos judiciais.

Para se ter uma noção, o montante dos bens agora depositados nas contas das antigas três empresas de topo do Grupo Espírito Santo (GES) equivale sensivelmente ao valor de um único dos ativos que o GES detinha antes da derrocada: sozinha, a Espírito Santo Saúde (hoje Luz Saúde), quando no início de 2014 foi para a bolsa, tinha uma avaliação em torno dos €300 milhões.

A perda de valor daquele que foi um império com ramificações em áreas tão distintas como banca, agricultura e turismo, com presença em países como Suíça, Brasil e Paraguai, faz agora com que os credores pouco possam vir a recuperar dos investimentos ali feitos, pelo menos à luz das contas que, de tempos a tempos, são reveladas pelos responsáveis por gerir a insolvência da Espírito Santo Control (ESC), da Espírito Santo International (ESI) e da Rioforte.

O último relatório é referente ao final de abril de 2021 e os €300 milhões resultam da soma dos bens depositados por cada uma destas três holdings que estão em insolvência. Ou melhor, de apenas duas — ESI e Rioforte —, pois a ES Control, de que eram acionistas os membros da família Espírito Santo e os seus mais próximos aliados, não dispõe de qualquer verba. Já as reclamações de crédito às três sociedades que foram já entregues ascendem a €11,5 mil milhões. É daí que resulta a percentagem global de recuperação em torno de 2,6%.

Esta é uma soma, mas as insolvências das sociedades são distintas, pelo que 0 eventual ressarcimento a credores, como detentores de papel comercial, será diferenciado. Mas igualmente diminuto. Em abril, a ESI, com cerca de €150 milhões em caixa, recebeu 542 requerimentos em busca de €7,4 mil milhões — ou seja, aqui 2,1% das responsabilidades podem ser saldadas.

Na Rioforte há pouco mais de €153 milhões depositados, que podem vir a ser usados para reembolsar as 358 reclamações, que totalizam €3,7 mil milhões, ou seja, 4% do total. Já a ESC “não dispõe de fundos líquidos” para fazer face às 11 declarações que reclamam €267 milhões.

Falta confirmação dos créditos Os números dão uma ideia da dimensão do universo de perdas impostas pela queda de um dos principais grupos económicos portugueses, ainda que sejam incertos. Pode haver reclamações não justificadas, e não é possível somar estes requerimentos aos créditos reclamados junto do BES (atingiram mais de €5 mil milhões os créditos reconhecidos), já que pode haver credores a procurar 0 ressarcimento em várias insolvências de empresas do grupo. Mas há ainda a somar os lesados de outras entidades, como 0 suíço Banque Privée Espírito Santo ou 0 Espírito Santo Financial Group, por exemplo.

A Pharol, empresa que ficou com os €897 milhões investidos pela antiga Portugal Telecom na Rioforte, tem vindo sistematicamente a baixar as perspetivas de recuperação no Luxemburgo. No final de 2020, apontava já para uma estimativa inferior a 6%, indicando para €52 milhões de todo 0 montante aplicado.

De qualquer forma, os créditos reclamados às sociedades do

HERDADE DA COMPORTA GEROU €16 MILHÕES À RIOFORTE, MAS VALOR ESTÁ ARRESTADO PERTO DE 17% DOS FUNDOS DEPOSITADOS PELAS EMPRESAS DO GES ESTÃO CONGELADOS PELA JUSTIÇA

grão-ducado ainda têm de ser confirmados pelos responsáveis da insolvência. Parajá, 0 que está previsto é apenas a contestação em tribunal sobre declarações que consideram ter sido duplicadas, a 13 de outubro, tanto para a ESI como para a Rioforte.

Comporta ajuda, mas arrestos complicam Estes fundos que estão depositados pelas antigas holdings do GES são os que resultam das recuperações e vendas de ativos, e ainda poderão aumentar caso haja ativos por liquidar ou vender. Mas há um problema: nem todo este dinheiro estaria disponível para servir como reembolso aos credores neste momento, tendo em conta os arrestos judiciais decretados.

Um dos exemplos é a Herdade da Comporta. “Em março de 2021, a empresa falida recuperou um crédito sobre a Herdade da Comporta — Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado em torno de €16,2 milhões”, indica 0 relatório mais recente. O montante serviu para engrossar os ativos da Rioforte, mas há um senão. “Estes fundos foram arrestados pelo procurador em Portugal.”

Os arrestos judiciais em torno do GES têm como objetivo da Procuradoria-Geral da República 0 eventual ressarcimento de eventuais lesados após a conclusão das investigações em curso, onde já há uma acusação contra Ricardo Salgado, entre outros, mas nenhuma decisão do tribunal. Por isso quaisquer vendas de operações sob a cadeia de empresas do grupo precisam de ser negociadas com a justiça.

Na Rioforte, com os fundos recebidos do fundo da Comporta, devido à venda finalizada em 2020, há um arresto judicial global de €19 milhões em Portugal, a que acrescem quase €29 milhões bloqueados no Luxemburgo. Na ESI são €2,8 milhões congelados em Portugal. Assim, dos bens depositados por estas empresas 16,7% estão em risco.

“As informações atualmente disponíveis não permitem aos curadores fazer uma estimativa de recuperação em favor da massa”, aponta 0 mesmo documento.

Até porque, com a demora nestes processos — as liquidações iniciaram-se no final de 2014 —, há despesas que continuam a cair sobre as sociedades, como os honorários dos próprios responsáveis por liderar a insolvência e de advogados, seguros, comissões e até juros negativos (há bancos europeus que cobram para que 0 dinheiro lá esteja colocado, 0 que não é permitido em Portugal).

dcavaleiro@expresso.impresa.pt

Ex-presidente da CMVM defende que transmitiu tudo o que envolvia a ligação ao BES à comissão de inquérito há seis anos

A existência de um relatório de autoavaliação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre 0 acompanhamento feito aos últimos meses de vida do Banco Espírito Santo (BES) levou ao adiamento da audição desta semana de Carlos Tavares, então presidente do regulador, na comissão de inquérito ao Novo Banco. Mas a verdade é que 0 documento não impediu a realização das duas sessões que protagonizou, em 2014 e em 2015, no inquérito parlamentar ao BES.

“Temos, neste momento, um relatório bastante detalhado sobre aquilo que fizemos e devo dizer que 0 resultado me deixou confortável”, declarou Tavares na primeira audição, em novembro de 2014. Foi até mais longe, acrescentando que tal documento dava garantias: “Olho para trás e não vejo 0 que é que a CMVM poderia ter feito que não tenha feito”.

O documento foi depois aprovado pela administração de Tavares em janeiro de 2015, que foi novamente ouvido em março, sem que 0 documento tivesse sido impeditivo da sessão parlamentar.

Mais de seis anos depois, 0 agora presidente do Banco Montepio considerou que 0 “relatório de autoavaliação da atuação da CMVM” devia ser lido pelos deputados antes de ser questionado e 0 presidente da comissão, Fernando Negrão, decidiu adiar a audição. “O motivo que levou 0 Dr. Carlos Tavares a fazer esta sugestão foi 0 facto de se tratar de um documento sistemático e factual, que relata com detalhe a atuação da CMVM relativamente ao BES no período em questão, 0 que, a esta distância temporal, constitui um auxiliar precioso, resolvendo simultaneamente a questão do sigilo profissional”, responde a assessoria de imprensa do banco ao Expresso.

“Não há nada da atividade da CMVM sobre 0 BES/NB e relativo ao período em que foi presidente que não tenha sido transmitido de forma completa e verdadeira à anterior CPI sobre 0 BES”, é 0 que diz, lembrando que tal comissão é que entendeu não solicitar 0 envio do documento.

Há exatamente sete anos, a 11 de junho de 2014, 0 BES captou €1000 milhões junto de acionistas e investidores, que, menos de dois meses depois, sofreram perdas totais na resolução do banco. A CMVM sempre defendeu que não podia impedir esse aumento de capital e que os riscos estavam publicados no prospeto. D.c.

Herança do BES Tavares “confortável” com autoavaliação

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