O que falta esclarecer sobre casa de Montenegro
Oito perguntas e oito respostas sobre o caso da moradia de Espinho do líder do PSD
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Perguntas e respostas sobre o TC e a casa de Espinho
Micael Pereira
Um artigo sobre a moradia do líder do PSD motivou uma reação enérgica do partido. Oito questões
O que noticiou o Expresso?
Em 2016, quando era presidente do grupo parlamentar do PSD, Luís Montenegro começou a construir em Espinho uma casa de seis pisos com mais de 800 m2 de área total de construção. O atual líder do PSD recusou-se a dizer ao Expresso quanto é que gastou nessa moradia e nas sucessivas declarações de rendimentos e património que entregou, entre 2015 e 2022, ao Tribunal Constitucional (TC) omitiu o valor efetivo desse imóvel e de onde veio o dinheiro para a pagar. A lei obriga os políticos a darem conta de qualquer acréscimo patrimonial efetivo superior a 50 vezes o salário mínimo nas suas declarações de rendimentos.
O que disse Montenegro?
Desde fevereiro de 2023, o Expresso perguntou a Luís Montenegro, por três vezes, qual foi o custo total da casa. Na segunda dessas vezes, o político respondeu: “O custo final foi obviamente o somatório de todas as despesas. (…) A conclusão é que esse custo se inscreveu dentro dos valores de referência praticados no respetivo mercado e atendendo aos materiais escolhidos.” Na terceira vez, questionado sobre quando declarou o valor patrimonial do imóvel ao TC, o líder social-democrata limitou-se a responder que “no que concerne às obrigações declarativas, foram todas cumpridas nos termos da lei”. Na mesma ocasião, ao ser-lhe perguntado de novo quanto custou a moradia, revelou não o custo, mas o número relativo ao valor patrimonial tributário, isto é, fixado pela Autoridade Tributária na caderneta predial: 575 mil. Nem esse valor nem uma cópia dessa caderneta predial foram entregues ao TC.
Como reagiu Montenegro quando saiu a notícia?
A reação veio por meio de uma nota de esclarecimento do PSD. Nessa nota é dito que “o presidente do PSD cumpriu sempre todas as suas obrigações declarativas de natureza patrimonial, nos termos previstos na lei. É falso que haja qualquer omissão de declaração”. E diz ainda: “O bem imóvel referido é o primeiro a constar da declaração entregue no TC, com identificação da sua tipologia e localização, descrição matricial e predial. O formulário não tem nenhum campo para indicação do valor patrimonial, que consta da respetiva caderneta predial junto da Autoridade Tributária (aliás, valor esse referido na notícia).”
O que pede o formulário da declaração e o que diz a lei?
A notícia do Expresso não referia a existência de qualquer campo no formulário da declaração de rendimentos para indicação do valor patrimonial de imóveis, referindo-se apenas ao facto de esse valor estar omisso e à necessidade de reportar qualquer alteração patrimonial superior a 50 vezes o salário mínimo — e que esta indicação não foi feita em nenhuma das declarações entregues entre 2015 e 2022, não tendo Montenegro informado o tribunal sobre o valor efetivo da nova moradia e de onde veio o dinheiro para a pagar. O que existe no formulário, tanto no caso do património imobiliário como de outros ativos, é um campo à esquerda para “bens a declarar em Portugal” e um campo à direita para “indicação do facto que originou a alteração patrimonial quando de valor supe-
A atual lei diz que “é disponibilizado para consulta a identificação de cada imóvel, pela sua matriz, localização e valor patrimonial”
rior a 50 vezes o salário mínimo”. A existência deste campo, de resto, também não consta da notícia. A atual lei, em vigor desde 2019, diz, no seu artigo 13o, que da declaração de rendimentos e património deve constar “a descrição dos elementos do seu ativo patrimonial”. Por outro lado, no seu artigo 17o, sobre acesso e publicidade, a lei diz que “no que respeita a dados sobre rendimentos e património, a consulta da declaração garante” (…) que, “relativamente ao património imobiliário, é disponibilizado para consulta a identificação de cada imóvel, pela sua matriz, localização e valor patrimonial”. Esse valor patrimonial — quer o valor patrimonial efetivo quer o valor patrimonial tributário — está ausente na declaração de rendimentos e património de 2022 de Luís Montenegro.
O que Montenegro podia ter argumentado e não argumentou?
O líder do PSD poderia ter dito que uma vez que deixou de ser deputado em 2018 e só voltou a ter um cargo político em 2022 não era obrigado a dar conta de um acréscimo patrimonial efetivo, uma vez que a sua nova moradia só teve licença de utilização em 2021. Essa licença foi emitida num período em que não estava abrangido pela obrigação de sinalizar ao TC um aumento do seu ativo patrimonial. Nessa linha de raciocínio, tendo como data de referência a licença de utilização em 2021, Montenegro só estaria abrangido pela obrigação de informar o TC, e explicar de onde veio o dinheiro para a casa, caso o atual regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos já estivesse em vigor em 2018, quando deixou de ser deputado. Atualmente a lei diz que é preciso declarar “a promessa de vantagem patrimonial, efetivamente contratualizada ou aceite durante o exercício de funções, ou nos três anos após o seu termo, ainda que implique concretização futura”. Antes de < 2019, no entanto, o que a lei dizia era que “a declaração fi-H nal deve refletir a evolução pa< trimonial durante o mandato a Q que respeita”.
O Em quantas declarações 2 o imóvel é referido?
Entre a compra em 2015 do imóvel devoluto — que foi depois demolido para dar lugar à nova moradia — e a atualidade, Montenegro entregou quatro declarações de rendimentos e património ao TC: uma em dezembro de 2015, já depois de ter comprado o imóvel devoluto; uma segunda em março de 2017; outra em junho de 2018, quando cessou funções como deputado; e a mais recente em setembro de 2022, depois de ter assumido em maio do ano passado o cargo de presidente do PSD. Houve um intervalo de quatro anos durante as duas últimas declarações. Em todas elas, o imóvel surge com as referências da matriz e do registo predial. Mas em apenas uma das declarações, a de 2018, foi entregue por Montenegro ao TC uma caderneta predial. Os dados quer de valor patrimonial tributário (de 137 mil) quer de áreas constantes nessa caderneta referem-se, contudo, à situação em que se encontrava a propriedade quando foi comprada devoluta em 2015 por ele e não à situação em que se encontrava em junho de 2018, quando entregou a sua declaração de final de mandato (que cessou em abril).
Qual era a situação do imóvel no final de mandato em 2018?
Segundo o livro da obra que consta do processo de licenciamento da nova moradia, a que o Expresso teve acesso, o edifício de seis pisos já estava de pé, com paredes e escadas já construídas e montadas, tendo sido posta a cobertura em maio de 2018, estando a entrar nessa altura na fase de acabamentos (o elevador interior seria montado em novembro desse ano). Tendo em conta que Montenegro não recorreu a nenhum empréstimo bancário para financiar a nova casa, o dinheiro que investiu até esse momento na construção diz respeito a um período em que exerceu cargos políticos de forma contínua, desde 1998, e parece encaixar-se no que dizia a então lei, de que “a declaração final deve refletir a evolução patrimonial durante o mandato a que respeita”. O imóvel é descrito na declaração de junho de 2018, na parte destinada ao património, como um prédio urbano e apenas com as referências da matriz e do registo predial, levando a crer que a caderneta predial anexa ao formulário, com os antigos 300 m2 de área e 137 mil de valor tributário, traduzia a realidade.
Porque é que o dinheiro investido na moradia é de interesse público?
Por dois motivos: primeiro, porque diz respeito a um período em que era líder parlamentar do PSD e acumulava duas décadas de vida política ativa. Segundo, porque ao contrário de uma casa comprada já pronta a habitar, e em que qualquer cidadão pode obter cópia da escritura para ficar a saber quanto é que custou, no caso de uma moradia construída não existe essa possibilidade. Só o próprio pode dizer de quanto dinheiro estamos a falar.
mrpereira@expresso.impresa.pt
Quando entregou a declaração de final de mandato como deputado em 2018, os seis pisos da moradia já estavam de pé
FOTO TIAGO MIRANDA
TRANSPARÊNCIA Na declaração de interesses que os políticos têm de entregar no TC há um campo, à direita no formulário, para sinalizar um aumento do património imobiliário



