28/03/2021 | Imprensa
Presidente da República deu seguimento aos três diplomas aprovados pelo parlamento, apesar de o Executivo de António Costa considerar que isso viola a lei-travão.
DN
O Presidente da República promulgou este domingo o reforço das medidas de apoio social urgentes, alargadas a sócios-gerentes e trabalhadores independentes, aos profissionais de saúde e a pais em teletrabalho com filhos em casa, informa o site da Presidência.
Os diplomas foram aprovados no parlamento a 3 de março com os votos favoráveis de toda a oposição.
Marcelo Rebelo de Sousa considera que não existe uma violação indiscutível da Constituição e que as medidas são urgentes.
“Em suma, para o Presidente da República, é visível o sinal político dado pelas medidas em causa, e não se justifica o juízo de inconstitucionalidade dessas medidas”, justifica.
Em causa estão três diplomas: um alarga o universo e o âmbito dos apoios sociais previstos para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual; outro aumenta os apoios para os pais em teletrabalho; e um terceiro estende o âmbito das medidas excecionais para os profissionais de saúde no âmbito da pandemia também à recuperação dos cuidados primários e hospitalares não relacionados com a covid-19.
“Neste caso, como noutros, no mandato anterior, há uma interpretação conforme à Constituição. A interpretação que justifica a promulgação dos presentes três diplomas é simples e é conforme à Constituição: os diplomas podem ser aplicados, na medida em que respeitem os limites resultantes do Orçamento do Estado vigente”, defende.
Numa longa nota com 12 pontos, Marcelo Rebelo de Sousa fundamenta a decisão face a três diplomas que considera adotarem “medidas sociais urgentes para a situação pandémica vivida, um deles sem qualquer voto contra e os outros dois com o voto favorável de todos os partidos parlamentares, salvo o do partido do Governo”.
“A adoção das medidas sociais aprovadas corresponde, em diversas matérias, na substância e na urgência, a necessidades da situação vivida. Sendo certo que cobertas, em parte, por legislação do Governo”, admite o chefe de Estado.
O Presidente da República pronuncia-se, depois, sobre o argumento que tem sido invocado pelo Governo: que estes diplomas violariam a chamada lei-travão, por aumentarem os limites de despesa aprovados no Orçamento, citando mesmo a norma inscrita na Constituição. “Só o Governo pode fazê-lo, como garantia de que a Assembleia da República não desfigura o Orçamento que ela própria aprovou, criando problemas à sua gestão pelo Governo”, anui a nota da Presidência.
O chefe de Estado admite que os três diplomas em análise “implicam potenciais aumentos de despesas ou reduções de receitas, mas de montantes não definidos à partida, até porque largamente dependentes de circunstâncias que só a evolução da pandemia permite concretizar”.
“E, assim sendo, deixando em aberto a incidência efetiva na execução do Orçamento do Estado”, acrescenta, considerando que até o Governo pode flexibilizar a gestão orçamental “como aconteceu no ano de 2020”.
Marcelo Rebelo de Sousa explica ainda que não recorreu à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional porque só o tem feito, “sobretudo durante a presente crise”, quando não é “de todo em todo possível uma interpretação dos diplomas que seja conforme à Constituição”.
“Naturalmente que, em caso de convicção jurídica clara, de se encontrar perante uma inconstitucionalidade e nenhuma justificação substancial legitimar o uso de veto, se reserva o recurso ao Tribunal Constitucional, tal como no caso de a prática parlamentar passar a ser de constante desfiguração do Orçamento do Estado”, afirma.
Neste caso, conclui, “há uma interpretação conforme à Constituição”.
O Presidente da República diz ainda ter “sempre a preocupação de evitar agravar querelas políticas, em momentos e matérias sensíveis, o que é ainda mais evidente em situações extremas de confronto entre Governo minoritário e todos os demais partidos com assento parlamentar”.
Os três diplomas do parlamento – todos com origem em apreciações parlamentares de decretos do Governo – foram aprovados em 03 de março, com o PS a votar isolado contra o dos apoios sociais e o da saúde e a abster-se no das famílias (juntamente com Iniciativa Liberal, neste diploma).
PR diz que Governo pode recorrer ao Constitucional
“Como é óbvio, dispõe o Governo do poder de suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade dos diplomas agora promulgados, como já aconteceu, noutros ensejos. É a Democracia e o Estado de Direito a funcionarem”, referiu Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota divulgada no ‘site’ da Presidência da República.
O chefe de Estado “chama, no entanto, de forma particular neste momento, a atenção para o essencial do presente debate”.
“De um lado, não há Governo com maioria parlamentar absoluta, sendo essencial o cumprimento da legislatura de quatro anos. Do outro lado, os tempos eleitorais podem levar, por vezes, as oposições a afrontamentos em domínios económicos e sociais sensíveis”, alertou.
Governo diz que diplomas são violação da lei-travão
O Governo tem defendido que os diplomas representam “uma violação ostensiva” da lei-travão inscrita na Constituição, desvirtuando o Orçamento em vigor, por aumentarem os limites de despesa aprovados no Orçamento do Estado para 2021.
Na sexta-feira, António Costa foi questionado sobre o que fará o Governo se Marcelo Rebelo de Sousa não vetasse o diploma aprovado pelo parlamento que reforça os apoios sociais. “Cada órgão de soberania deve atuar no momento próprio, este é o momento de atuação do Presidente da República”, afirmou então.
O primeiro-ministro sublinhou que a Constituição “é muito clara”, ao definir que, durante um exercício orçamental, “só o Governo pode aumentar a despesa ou diminuir a receita”.
Jerónimo de Sousa: Lei-travão não travou epidemia nem abusos
Já este domingo, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, acusou o Governo de andar a “contar tostões nos apoios sociais” aprovados pelo parlamento, e avisou que a ‘lei-travão’ não travou nem a epidemia nem os abusos.
Numa intervenção na iniciativa do partido alusiva ao Dia Nacional da Juventude “Mil lutas no caminho de Abril”, que decorreu num largo ao ar livre na Baixa de Lisboa, Jerónimo de Sousa aludiu aos diplomas de reforço dos apoios sociais que aguardavam decisão do Presidente da República.
“Hoje, a persistência da epidemia coloca a necessidade de uma resposta que exige uma outra mobilização de meios que continuam a ser negados […], o que é incompatível com a atitude do Governo de contar tostões nos apoios sociais aprovados na Assembleia da República, como ainda estes dias aconteceu, com a tentativa de invocar a chamada ‘lei-travão’ para impedir a sua concretização”, criticou.
O secretário-geral do PCP avisou que, “por muito que se queixe o Governo junto do Presidente da República”, essa norma inscrita na Constituição “não travou a epidemia e o Governo não teve a capacidade de travar os abusos”.
“Foi uma e outra que levaram tantos portugueses à situação de necessitar destes apoios sociais, que o Governo agora procura recusar”, criticou.
em atualização
28/03/2021 | Imprensa, Notícias do dia
O Presidente da República explicou hoje que tem optado por promulgar diplomas sempre que é possível uma interpretação de conformidade à Constituição e que, quando é impossível, tem recorrido ao “veto corretivo”, convidando o parlamento a corrigi-los.
Marcelo Rebelo de Sousa, que apenas duas vezes enviou diplomas para o Tribunal Constitucional, expõe os seus critérios de decisão em matéria de promulgação e veto numa mensagem hoje divulgada no sítio oficial da Presidência da República na Internet.
Nesta nota, o chefe de Estado anuncia que promulgou três diplomas do parlamento sobre apoios sociais, que o Governo alega violarem a chamada ‘lei-travão’, inscrita no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, que proíbe os deputados de apresentarem iniciativas “que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento”.
O Presidente da República refere que entre as suas competências está a de “enviar ao Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva – isto é, anterior à promulgação de diplomas – aqueles que lhe suscitem dúvidas sobre se respeitam a Constituição”.
“Tem, porém, entendido, desde o primeiro mandato, e sobretudo durante a presente crise, só o dever fazer no caso de não ser, de todo em todo, possível uma interpretação dos diplomas que seja conforme à Constituição”, justifica.
Marcelo Rebelo de Sousa afirma que “quando é possível essa interpretação conforme à Constituição, tem optado por promulgar, tornando claro em que termos, no seu entender, os diplomas devem ser aplicados por forma a respeitarem a Lei Fundamental”.
“Quando é impossível essa interpretação e a iniciativa parlamentar merece acolhimento substancial, tem recorrido a uso de veto corretivo, convidando a Assembleia da República a aproveitar a sua iniciativa, tornando-a conforme à Constituição”, acrescenta.
O chefe de Estado ressalva que, “em caso de convicção jurídica clara, de se encontrar perante uma inconstitucionalidade e nenhuma justificação substancial legitimar o uso de veto, se reserva o recurso ao Tribunal Constitucional, tal como no caso de a prática parlamentar passar a ser de constante desfiguração do Orçamento de Estado”.
Marcelo Rebelo de Sousa assumiu o cargo de Presidente da República em 09 de março de 2016 e até agora vetou 23 diplomas: três em 2016, dois em 2017, seis em 2018, outros seis em 2019 e seis vetos também em 2020.
Em janeiro de 2017, definiu-se como um chefe de Estado que não recorre ao Tribunal Constitucional como “uma espécie de defesa”, mas que exerce “sem complexo nenhum” o veto político, perante fortes divergências.
Demorou quase três anos e meio a enviar um diploma para o Tribunal Constitucional e só o fez duas vezes.
A primeira foi em 26 de agosto de 2019, submetendo para fiscalização preventiva da constitucionalidade as alterações à lei sobre procriação medicamente assistida (PMA) e gestação de substituição.
Esse pedido teve em conta que havia sobre esta matéria um acórdão do Tribunal Constitucional, de maio de 2018, suscitado por um pedido de fiscalização de 30 deputados do PSD e do CDS-PP, que declarou inconstitucionais normas do regime de PMA.
Em novo acórdão, o Tribunal Constitucional voltou a declarar inconstitucionais normas do diploma em causa e consequentemente o chefe de Estado vetou-o, em 19 de setembro de 2019. Foi o seu único veto por inconstitucionalidade até agora.
Em 18 de fevereiro deste ano, Marcelo Rebelo de Sousa fez um segundo pedido fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional, sobre normas do diploma do parlamento que despenaliza a morte medicamente assistida, considerando que utiliza “conceitos altamente indeterminados”, como o de “sofrimento intolerável”.
Em 15 de março deste ano, já após ter tomado posse para um segundo mandato como Presidente da República, vetou o diploma da eutanásia por inconstitucionalidade, no mesmo dia em que o Tribunal Constitucional o declarou inconstitucional por insuficiente densidade normativa.