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Rui Pinto: Benfica pode recorrer

JUSTIÇA

Tribunal da Relação de Lisboa sobre a suspensão do processo em que o hacker é suspeito

O Tribunal da Relação de Lisboa considera que o Benfica pode recorrer da suspensão do processo judicial em que Rui Pinto é suspeito de aceder ao sistema in…

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O IMPÉRIO DAS FARMÁCIAS QUE DESAFIOU A LEI

SAÚDE. OS NEGÓCIOS DA MAIOR ASSOCIAÇÃO DE FARMACIAS DO PAÍS

Em 2015, um parecer do conselho consultivo da PGR disse que a ANF não podia ter negócios. O império continuou a crescer.

Por Bruno Faria Lopes

Nos últimos dias do ano passado, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra assinou um contrato de 175 mil euros para manutenção dos seus sistemas de informação – foi um de 20 contratos deste tipo assinados pelos hospitais públicos com o mesmo fornecedor privado, a Glintt Healthcare Solutions. Desde o tempo da troika que os hospitais públicos têm a obrigação de adotar como software central o programa SONHO, desenvolvido pelos técnicos da Administração Pública, mas os sistemas de informação dos hospitais são uma manta de retalhos na qual encaixam vários operadores privados, com a Glintt à cabeça: desde 2015, ano seguinte ao da saída da troika, a empresa praticamente duplicou o valor global contratualizado anualmente com hospitais públicos, para cerca de 4 milhões de euros, segundo o portal Base. Para gerir todo o circuito de medicamentos dentro do hospital, por exemplo, o software da Glintt não tem sequer concorrente-, noutras valências, contudo, privados como a Glintt concorrem, no SNS, com o software do próprio Estado. Um dos contratos maiores de manutenção assinado no ano passado, de 340 mil euros, foi com o Hospital de Braga, no qual o fornecedor Glintt tem um peso maior. O hospital foi gerido até 2019 em regime de parceria público-privada pelo ramo de saúde do grupo José de Mello, que tem um acionista em comum com a Glintt: a Associação Nacional de Farmácias (ANF). Os hospitais públicos – que contratam esmagadoramente por via de ajustes diretos, segundo a consulta da SÁBADO ao portal Base são uma pequena parte da faturação global da Glintt, que registou 92 milhões de euros em vendas em 2019 e que serve outros setores além da saúde. O crescimento da empresa junto do SNS é, contudo, um sinal da expansão sustentada do império empresarial da ANF, a associação que representa cerca de 90% das farmácias do País. No ano 2019, o braço da ANF que concentra as suas participações empresariais, a holding Farmingeste, faturou 766 milhões de euros e gerou um lucro operacional de 49 milhões de euros.

Além da importante tecnológica Glintt – que resulta da fusão em 2008 de uma empresa da ANF com a antiga ParaRede -e da participação de 30% no negócio de saúde dos Mello, a ANF tem o grande distribuidor de medicamentos Alliance Healthcare e a consultora HMR, que comercializa informação sobre as vendas no mercado de medicamentos. Alguns negócios servem necessidades dos associados – como a Finanfarma, uma instituição financeira que permite adiantar às farmácias o dinheiro devido pelo Estado -. outras não.

A distinção é importante porque o império empresarial da ANF cresce apesar de, em 2015, um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República ter indicado de forma clara que, por ser uma associação de empregadores, a ANF não pode ter participações em negócios que não prestem serviços de caráter simultaneamente económico e social aos seus associados, as farmácias. O parecer fora motivado por queixas em 2009 de duas entidades: a Apifarma, a associação da indústria farmacêutica, e o Infarmed, o regulador do medicamento. A data das participações coincidiu com o início mais sério das ambições empresariais da ANF. na altura liderada por João Cordeiro. num tempo anterior ao programa da troika e ao colapso de centenas de farmácias. A ANF é liderada desde 2013 pelo mais discreto Paulo Duarte.

O parecer que levou três anos

Quer a Apifarma, quer o Infarmed argumentavam que as participações da ANF em negócios como a Glintt – visada especificamente pelo Infarmed a Alliance ou a Almus violavam a lei. A Apifarma citou mesmo um parecer que pedira ao jurista Vital Moreira – que no blogue Causa Nossa publicou vários textos críticos de poder excessivo da ANF – sobre o que entendia ser a ilegalidade. O ponto central era o da “proibição das associações de empregadores de se dedicarem à produção ou comercialização de bens e serviços ou de qualquer modo intervirem no mercado, salva a prestação de serviços de caráter económico e social aos seus associados”. Esta proibição está expressa, “entre outras” normas, no Código do Trabalho.

A Apifarma entregou o parecer também à Autoridade da Concorrência, em 2009, que “perante o reforço significativo da atividade empresarial da ANF” pediu mais tarde ao procurador-geral da República uma reapreciação da jurisprudência, favorável à ANF, sobre a matéria. O PGR pediu o parecer em 2011 e este chegou três anos depois, em 2014, com a orientação clara de que as participações empresariais estavam vedadas à ANF. O parecer não era vinculativo, mas robustecia a posição de quem pretendia tirar a ANF do seu universo empresarial, alegando problemas de concorrência e violações às leis do trabalho.

A SÁBADO perguntou à Apifarma e ao Infarmed o que tinham feito com o parecer e se tinham perseguido mais o caso – a Apifarma não quis comentar e o Infarmed não respondeu em tempo útil. A SÁBADO perguntou também à ANF sobre se enfrentou litigância posterior à divulgação e como defendia a sua posição empresarial perante a contestação jurídica, mas não obteve resposta. Vital Moreira também não quis responder. A última entrada no Causa Nossa sobre farmácias data de 2016 e é precisamente sobre este tema. “Ainda em 2014, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, a propósito da ANF, mostrou concludentemente a patente ilegalidade dessas situações. Até agora nem o legislador nem o Governo lhe deram o devido seguimento, mantendo-se essa relação ‘incestuosa’.”

A multa que não o foi

Quando a ANF bateu a Concorrência em tribunal

A decisão da ANF de criar a empresa de venda de dados sobre o mercado de medicamentos, a HMR, originou uma multa de 10 milhões da Autoridade da Concorrência em 2015. A ANF agrega as farmácias que fornecem dados para a HMR, o que para a AdC é um entrave à concorrência (a denúncia partiu de um concorrente, a IMS).

A ANF recorreu no tribunal de Santarém e na Relação: ficou com uma multa de 800 mil euros.

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